Na ciência, tudo depende do olhar. Tanto que modelos de construção de moléculas orgânicas e as visualizações tridimensionais destas na tela do computador remetem Hugo Verli à lembrança dos brinquedos com os quais ele se divertia na infância. “Todos os seres vivos são formados por moléculas que se encaixam, como peças de Lego. E é principalmente desse encaixe apropriado que a vida de todos os organismos e a nossa saúde deriva”.

Verli explica que, da mesma forma como no Lego, alguns encaixes, mesmo que indesejados, podem ocorrer. E estes desvios, muitas vezes, provocam doenças. “Meu trabalho é entender esses encaixes, buscando explicar porque eles são importantes na manutenção da saúde ou como corrigi-los para sanar doenças”. Como essas moléculas são milhares de vezes menores que fios de cabelo, este tipo de estudo requer o auxílio de equipamentos e computadores sofisticados. “São estudos que podem ajudar diretamente no desenvolvimento de novos medicamentos para doenças ainda não tratadas ou de novas variedades de plantas resistentes a condições adversas”, entusiasma-se o cientista.

A infância de Hugo Verli foi bastante rica em estímulos intelectuais, como música, desenho, pintura, revistas em quadrinhos e até algumas passagens na mecânica automotiva, ajudando o pai em sua profissão. “Estudei alguns anos de clarinete e de aquarela. Como nunca fui bom de bola, durante grande parte da minha infância e adolescência pratiquei natação com regularidade”, recorda. Já a escola nunca foi um ambiente totalmente tranquilo para o jovem. “Embora não tivesse dificuldades em entender o conteúdo, era difícil lidar com minha hiperatividade. Sentar para estudar por longos períodos, necessários para assimilar e memorizar conteúdos de aula, era uma tarefa complicada”, explica. Assim, acabou alternando o estudo com o desenho, o Lego, modelos Revell – brinquedos com peças de plástico para serem montados e pintados -, e outras atividades.

Na adolescência, seu gosto pelo desenho e pela pintura se fortaleceu e lhe trouxe uma postura concentrada e atenta, que ele vê refletida nas atividades científicas que veio a desenvolver. Ao longo dos estudos universitários, Verli elaborou capacidades que acredita que são fundamentais para todo cientista, como raciocínio dedutivo, senso de organização e lógica argumentativa. E optou pela carreira científica quando sentiu que sua grande curiosidade e senso inventivo seriam explorados. “A iniciação científica, durante a graduação, e o mestrado ampliaram meu repertório de conhecimentos para aspectos da ciência que eu desconhecia até então”, conta o Acadêmico.

Na graduação em farmácia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a convivência com o Acadêmico Eliezer Jesus de Lacerda Barreiro trouxe a Verli um exemplo de competência e rigor formativo. Ao final do mestrado em química orgânica, também pela UFRJ, ele conta que se sentiu com capacidade crítica para direcionar sua formação, aprofundando aspectos que acreditou serem mais importantes para suas atividades profissionais a longo prazo. Optou então pelo doutorado em biologia celular e molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde a convivência com o Acadêmico Jorge Almeida Guimarães contribuiu para que Verli compreendesse seus desejos pela vida acadêmica, “como cientista, professor e gestor”.

Atualmente, Hugo Verli integra o corpo docente do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia da UFRGS. Tem experiência na área de modelagem molecular, com ênfase em estrutura, conformação e função de macromoléculas, química medicinal e glicobiologia estrutural. Seu trabalho trata de levantar informações em nível molecular visando contribuir para a elucidação do papel de cada molécula na geração e manutenção de vidas. O grupo de pesquisa do Acadêmico emprega métodos existentes ou desenvolve novas abordagens para construir modelos tridimensionais de moléculas de interesse biológico, como proteínas, produtos naturais, carboidratos e membranas, para entender suas funções. “Essas estratégias nos permitiram contribuir para o entendimento do enraizamento de uma planta modelo, denominada Arabidopsis thaliana, em um trabalho que apontou para uma potencial nova estratégia de desenvolvimento de plantas mais resistentes a condições de estresse hídrico, absorvendo nutrientes com maior eficiência”, explica.

Ainda nessa linha, a equipe tem sido pioneira na construção de modelos tridimensionais para as chamadas glicoproteínas – combinação de proteínas e carboidratos em uma única molécula que corresponde a 2/3 de todas as proteínas do organismo. “Normalmente, tais modelos são inacessíveis à maioria das técnicas experimentais atualmente disponíveis. Eles são um ponto de partida para o estudo da função biológica, e possivelmente terapêutica, desses compostos”, diz.

Quando ele fala sobre aprofundar o trabalho, descobrindo o impacto que ele causará, revela-se o seu encantamento com a ciência: “O que me fascina é a possibilidade de contribuir no entendimento da vida e da causa de desvios nesse fenômeno, como é o caso das patologias. Neste processo, soma-se a possibilidade de tocar na vida de outras pessoas, contribuindo para a formação delas, buscando ajudá-las a exercer seu potencial”.

Em 2011, Hugo Verli foi eleito membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências para o período de 2012 a 2016. Ele diz que esse é o reconhecimento máximo que poderia receber na fase atual da sua carreira científica, a maior honraria com que poderia sonhar. Ao mesmo tempo, avalia que representa um investimento e uma expectativa de que sua trajetória continuará a respeitar o grau de excelência científica da ABC. “Creio que isto implica diretamente no refinamento do meu senso crítico, levando meu trabalho a buscar um novo patamar de qualidade. Isto se vincula diretamente à possibilidade de conviver com os maiores cientistas do país o que, creio, irá impactar diretamente no meu entendimento da ciência, como atividade e como finalidade, no país e no mundo”.