O ensino superior brasileiro, que vinha crescendo até meados da década passada em ritmo acelerado, dá preocupantes sinais de que está perdendo fôlego, e a causa mais comum apontada por especialistas para esse problema está mais embaixo: na crise do ensino médio. Dados tabulados pelo GLOBO na PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE, mostram que, de 2006 a 2011, o número de alunos em cursos de graduação cresceu somente 15%, ou 822 mil estudantes a mais. Nos cinco anos anteriores, de 2001 a 2006, essa variação havia sido de 56%, ou 1,9 milhão a mais. Como resultado desse crescimento menor, o percentual de jovens de 18 a 24 anos estudando no ensino superior em 2011 foi de 14,6%, apenas 0,2 ponto a mais em relação a 2009. A meta do governo no Plano Nacional de Educação é chegar a 33% em 2020.
O quadro revelado pela PNAD é ainda mais preocupante se considerado que o país ainda está distante dos países mais ricos. Um relatório divulgado no mês passado pela OCDE (organização que reúne, em sua maioria, nações desenvolvidas) mostra que o Brasil, entre 37 países, é o que apresenta a menor proporção de jovens de 25 a 34 anos com diploma universitário (12%), ficando atrás mesmo de México (20%) e Chile (35%), e bem distante da líder Coreia do Sul (63%).
Destrinchando os dados por setor público e privado, a PNAD mostra que, nesses dois anos, o ensino privado chegou a registrar leve queda de 2%. A boa notícia foi que, do ponto de vista do setor público, o número de alunos aumentou 16%. No entanto, como o setor particular tem muito mais estudantes e, portanto, pesa mais no resultado final, o crescimento do ensino superior como um todo foi de 1,8% nesses dois anos, o menor dos últimos dez anos pela pesquisa.
O MEC divulgará amanhã o Censo da Educação Superior de 2011, que trabalha com metodologia distinta da PNAD, coletando informações diretamente das instituições, e não nos domicílios, como faz o IBGE. Segundo o MEC, o levantamento teve resultado diferente da PNAD, e captou crescimento do número de alunos tanto na rede pública quanto na particular. “É questão de metodologia. (Essa queda) não bate com os nossos dados. Temos uma expansão acentuada no segmento público e privado. E o censo é mais preciso: sabemos nome por nome, CPF por CPF, onde está cada estudante”, diz o presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), Luiz Claudio Costa.
Feito pelo Inep, o censo registra crescimento anual de matrículas até 2010, último dado disponível. Um recorte na primeira metade da década, porém, revela que o ensino superior cresceu 50,4% entre 2001 e 2005 e 30,6% na segunda, de 2006 a 2010. Ou seja, a exemplo da PNAD, o censo administrativo gerenciado pelo Inep também indica perda de velocidade na expansão. E é também pela PNAD, e não pelo censo da educação superior, que o próprio MEC monitora a meta de escolarização universitária de 18 a 24 anos.
Para a pesquisadora Cibele Yhan de Andrade, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp, a perda de vitalidade do ensino superior brasileiro é também visível nos dados do MEC, especialmente se for considerado o número de concluintes. Ela pondera que, como nem todo estudante matriculado no ensino superior efetivamente termina o curso, é preciso olhar para o resultado final. E, nesse aspecto, os dados do ministério mostram, em sua avaliação, uma estagnação no número de formados a partir de 2003 que seria ainda pior se não fosse o aumento de cursos à distância.
Estagnação no ensino médio
Os problemas do ensino superior, no entanto, começam na base. Nos últimos dez anos, o número de concluintes no antigo 2º grau ficou praticamente estagnado em torno de 1,8 milhão. Boa parte do crescimento universitário nesse período é explicado por adultos que voltaram a estudar.
Para especialistas, isso é resultado da baixa qualidade e alta reprovação e abandono, que têm como pano de fundo a perda de identidade do ensino médio. Cibele Andrade, da Unicamp, diz que o ensino médio é um gargalo e calculou em estudo feito por ela que o país precisaria dobrar o número de secundaristas para universalizar essa última etapa da educação básica. Ela identificou na PNAD que quase metade dos jovens de 18 a 24 anos sequer concluíram o ensino médio em 2009.
Assim como os problemas do ensino superior são em parte explicados pela base, também no ensino médio é preciso considerar que há falhas em sua etapa anterior: o ensino fundamental.
O consultor e especialista em avaliação Ruben Klein, da Fundação Cesgranrio, observa que, mesmo que, o acesso ao fundamental já tenha sido universalizado, boa parte dos brasileiros é reprovada e abandona a escola antes de terminar o 9º ano (antiga 8ª série). Ele chama atenção para outro aspecto: mais de 99% dos jovens fora da escola dos 15 aos 17 anos chegou a estudar em algum momento. “O grande dilema é que o pessoal entra na escola e não termina”, diz Klein.
Augusto da Silva, de 21 anos e morador de Olinda (PE), é um exemplo disso. Ele fazia o primeiro ano do ensino médio, mas parou há três anos, desde que começou a trabalhar como auxiliar de cozinha em um restaurante de Recife. Estudava pela manhã, mas não conseguiu conciliar as duas atividades. “Meu pai é caseiro, minha mãe trabalha como empregada e tenho duas irmãs menores. Precisava completar a renda, e fui à luta. No restaurante eu pegava de noite e só saía às 10h da manhã seguinte. Quando chegava em casa, estava um bagaço e não conseguia estudar. Só fazia dormir. Terminei deixando o estudo de lado. Foi ruim ficar sem estudar, mas, em compensação, achei que com a carteira assinada ficaria mais fácil arranjar outro emprego”, conforma-se.
A falta de escolaridade, no entanto, agora lhe custa caro. Ele está há seis meses desempregado e tenta conseguir uma ocupação que lhe dê tempo para retomar os estudos e, talvez, seguir uma carreira com melhor qualificação como cozinheiro.
O coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naércio Menezes Filho, é outro que vê estreita ligação entre o que se passa na escola básica e seus reflexos na demanda por ensino superior. Embora reconheça que limitações financeiras também têm impacto no acesso à faculdade, Naércio está convencido de que o nó maior está no caminho da pré-escola ao ensino médio. “O principal desafio é melhorar a qualidade do ensino fundamental e médio. Todos os caminhos que a gente analisa acabam batendo nisso”, diz.
Segundo ele, a nova classe média buscou a faculdade, principalmente em cursos da área de humanas, que remuneram menos do que no passado. E aí estaria outro gargalo: a baixa qualidade da escola básica não prepara os estudantes para cursos tecnológicos e de exatas, que remuneram melhor, mas que requerem boa formação em matemática e ciências. “O ensino médio é que não está formando alunos no ritmo dos anos 1990, nem com qualidade para sustentar alunos em cursos mais difíceis da área de exatas, as engenharias, a medicina. As pessoas não tem condições de aprendizado e recursos financeiros para pagar essas faculdades, que são mais caras”, afirma Naércio, que é também professor associado da USP.
Problema não é falta de vagas
Membro do Conselho Nacional de Educação, o sociólogo Luiz Roberto Liza Curi concorda que é preciso ampliar o ensino médio. Para ele, no entanto, não é só isso o que trava o crescimento do ensino superior. “O número de egressos no ensino médio é um fator relevante para a expansão, mas o ensino superior tem espaço para crescer com o tamanho atual do ens
ino médio. As vagas existem, só que não estão sendo preenchidas”, afirma Curi, que foi diretor da Secretaria de Educação Superior do MEC no governo Fernando Henrique e é hoje assessor especial do Sistema Educacional Brasileiro (SEB), um grupo privado.
O presidente do Inep concorda: “Temos um problema no ensino médio e estamos trabalhando. Mas hoje a demanda pelo ensino superior brasileiro está aumentando. O número de inscritos cresce. Não tenho dúvidas de que vamos atingir as metas quantitativa e qualitativa do novo Plano Nacional de Educação”, diz Luiz Claudio.
Curi, por sua vez, afirma que a parcela da população com idade acima de 24 anos e sem diploma universitário responde por boa parte da demanda. Prova disso, argumenta ele, é que cerca de três quartos das matrículas em instituições particulares são noturnas. Para Curi, o crescimento só não é maior porque o curso superior, em alguma medida, perdeu importância em termos de empregabilidade e aumento salarial.