Se o mais encantador da ciência para a gaúcha Roselia Spanevello é a oportunidade de melhorar a qualidade de vida das pessoas, ela tem contribuído para tornar isto realidade para portadores da síndrome de Down. Sabe-se que essa síndrome é uma das causas mais frequentes de deficiência mental e que, entre outros fatores, sua incidência está relacionada à idade materna. Há pesquisas demonstrando que portadores da síndrome de Down possuem um quadro de infecções repetitivas e problemas cardiovasculares. “Os mecanismos responsáveis por estas alterações ainda não são bem entendidos”, observa a pesquisadora.

Professora adjunta de Bioquímica da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), ela é integrante do Programa de Pós-Graduação em Bioquímica e Bioprospecção da UFPel e colaboradora no Programa de Pós-Graduação em Bioquímica Toxicológica da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

A pesquisa desenvolvida por Spanevello envolve uma coleta de sangue de portadores da síndrome de Down, para separar os linfócitos (células responsáveis pela defesa do organismo) e plaquetas (envolvidas no processo de coagulação sanguínea). “Nos linfócitos e plaquetas são avaliadas a atividade de enzimas e outros marcadores que poderão contribuir para o entendimento das alterações imunológicas descritas para os portadores dessa síndrome”, explica.

Além disso, Spanevello também analisa os danos celulares causados por radicais livres nos portadores da síndrome de Down, à procura de um mecanismo de defesa contra esses radicais (conhecido como defesa antioxidante). “Os resultados obtidos serão importantes para contribuir na busca de novas terapias que possam beneficiar pessoas portadoras desta alteração genética”, argumenta.

No início de toda esta jornada de estudos está a infância no Rio Grande do Sul, em Nova Palma, filha de agricultores com mais quatro irmãos, junto com os quais cresceu em contato com os animais e a natureza. “Somos uma família abençoada e muito unida, eles sempre me apoiaram em todas as decisões”, define Roselia, afetuosamente.

Entre suas recordações dessa fase estão o incentivo de sua mãe para com os estudos da filha, seu desejo velado de vê-la professora e a admiração que Roselia sentia pela maneira de lecionar de uma das suas professoras da escola. Ela acredita que esse conjunto de recordações influenciou sua escolha inicial de ser bióloga e seguir na vida acadêmica.

Durante os primeiros anos da graduação em ciências biológicas na UFSM, Roselia Spanevello queria ser professora universitária. No último ano de graduação, estagiou em um laboratório de bioquímica dessa universidade e auxiliou no desenvolvimento de pesquisas de mestrado, o que foi determinante para que ela se dedicasse a essa área no mestrado em Bioquímica Toxicológica realizado na UFSM e no doutorado em Bioquímica, que obteve pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

O que mais marcou o seu doutorado foi o fato de sua pesquisa envolver humanos. “O contato com os pacientes foi um grande incentivo para fazer pesquisa, pois eu pude perceber o quanto a sociedade aposta em nós cientistas para que busquemos soluções para melhorar a qualidade de vida das pessoas ou a cura de doenças.”

Hoje, Roselia Spanevello encontra na própria essência da ciência razões de sobra para desenvolver suas pesquisas. “A prática científica permite a aquisição de conhecimento porque ela nos faz buscar respostas a perguntas e, além disso, nos dá muitas oportunidades de crescimento profissional”, avalia.

Para jovens que queiram ingressar na carreira científica, ela destaca que gostar de estudar é fundamental para adquirir um embasamento teórico consistente e se manter a par de referências atualizadas sobre seu objeto de pesquisa. “A ciência é fascinante, cada dia é um novo desafio. Mas requer paciência, curiosidade e persistência, características que, se bem articuladas com a capacidade analítica, podem trazer boas interpretações e publicações de resultados importantes”, resume.

Um dos principais desafios que ela superou foi o início da construção de seu laboratório de pesquisa e de formação de um grupo de pesquisa. Ela revelou que, por um lado, no início encontrou dificuldades em adquirir recursos financeiros para comprar equipamentos e materiais necessários para as pesquisas. “Várias ideias, vários projetos para serem desenvolvidos que acabam sendo difíceis de serem executados por falta de equipamentos ou infraestrutura”. Por outro lado, no início o grupo de pesquisa exige a disposição do pesquisador para apresentar cada procedimento das pesquisas aos estudantes interessados, toda a metodologia, as referências bibliográficas indispensáveis.

Ela revela que prêmio concedido pela L’Oréal, Unesco e ABC através do programa Para Mulheres na Ciência significa um reconhecimento profissional do que veio desenvolvendo até o momento. Com os recursos do prêmio, ela investirá no próprio laboratório, adquirindo novos equipamentos e reagentes químicos que possibilitarão o desenvolvimento de técnicas mais sofisticadas de pesquisa.

Ela reitera o desejo de que os resultados de suas pesquisas sejam de utilidade para o meio acadêmico e para toda a sociedade. E aproveitou para ratificar o papel fundamental de alguns professores em sua trajetória acadêmica: “Aron Ferreira da Silveira, meu primeiro orientador de iniciação científica, foi quem me ensinou os primeiros passos da pesquisa, e agradeço à Maria Rosa Schetinger e Vera Maria Morsch por suas brilhantes orientações de mestrado e doutorado – as admiro muito como pesquisadoras.”