Houve apoio dentro família e da universidade para que Karin Soares Gonçalves Cunha fizesse carreira nas Ciências da Saúde. Seu pai desejava ter uma filha cirurgiã-dentista e sua mãe dedicou-se integralmente à formação educacional da menina. Desde a escola, seu gosto por ciências já despontava. Quando iniciou seus estudos universitários em Odontologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os professores mantiveram-na entusiasmada com a decisão de atuar na área da Saúde. Mas ao atender uma criança com neurofibromatose, que acarretou um grande tumor no rosto, foi que Karin criou um interesse obstinado por esta síndrome, foco das pesquisas que vem desenvolvendo ao longo da carreira.

Atualmente Karin Cunha é Professora-Adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF), além de coordenar a Pós-Graduação em Patologia da Faculdade de Medicina desta universidade. Também coordena o Núcleo de Estudo de Neurofibromatose (NENF), vinculado ao Centro Nacional de Neurofibromatose (CNNF). Aos seus primeiros estudos no Rio de Janeiro, onde nasceu, foram acrescentadas experiências internacionais. Realizou seu pós-doutorado na Escola de Medicina da Universidade de Harvard, no laboratório de Neurofibromatose, coordenado pelo Dr. Plotkin, no Hospital Geral de Massachusetts (EUA). “Uma das razões que me levaram a estudar fora foi o fato de não haver aqui a tecnologia necessária para o prosseguimento das pesquisas que desenvolvi durante o mestrado e o doutorado em Patologia na UFF”, afirmou a premiada.

Karin faz questão de destacar a contribuição de diversos profissionais durante sua formação. Ao longo do mestrado e do doutorado na UFF, Eliane Pedra, Vânia Silami Lopes, Rodrigo Soares de Mora Neto contribuíram de formas distintas. “Mauro Geller colaborou em pesquisas sobre a neurofibromatose, sendo ele uma referência internacional a esse respeito. Além de me incentivar, me deu a oportunidade de fazer pós-doutorado em Harvard”, relata a cientista.

O incentivo familiar, que envolve, além de seus pais, o entusiasmo do marido e da filha, foi aumentando com o passar dos anos. Por isso, Karin reúne energia para dividir-se entre a ciência e a família, encontrando formas de equilibrar as atividades. Quando é impossível encerrar os estudos no local de trabalho, ela prossegue com eles em casa à noite, com a filha ao lado. Talvez sem perceber, ela esteja estimulando a presença das mulheres na ciência no futuro.

A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é uma das doenças genéticas mais frequentes, com uma prevalência de aproximadamente um caso a cada 3.000 nascimentos, segundo informação da pesquisadora. Ela pode afetar a maior parte dos sistemas orgânicos e suas principais manifestações incluem múltiplos neurofibromas (tumores benignos de origem neural que ocorrem principalmente na pele) e manchas cutâneas. A doença é causada por alterações em uma parte do DNA, chamada gene NF1. “Com o sequenciamento do gene NF1, quero entender qual mutação é a causa da doença”, conta Karin, explicando que o sequenciamento de um gene é o ato de desvendar qual a sequência de bases nucleotídicas (adenina, timina, citosina e guanina) está presente naquele segmento de DNA.

Karin Cunha explica que as correlações entre as alterações genéticas e as manifestações clínicas da doença são pouco conhecidas, havendo muito a ser descoberto. “A principal razão para isso é que esse gene é bastante complexo, além das alterações das bases nucleotídicas poderem ocorrer em qualquer região do gene NF1. Isto explica a difículdade do gene ser sequenciado”, explica. A tecnologia também é um agravante quando se utilizam os sequenciadores convencionais. Com a disponibilidade de sequenciadores de nova geração, o sequenciamento – que poderia levar meses, dependendo da quantidade de indivíduos do estudo – pode ser feito em até um dia, como no caso do trabalho de Karin, no qual serão investigados 48 indivíduos. “Acredito que as pesquisas trarão resultados animadores e um futuro promissor para pacientes e familiares, pois desvendar esta complexidade genética da neurofibromatose permitirá o desenvolvimento de tratamentos eficazes”, declara.

Por trás desta dedicação está o fato de que Karin acha bom trabalhar em algo em que sabe estar fazendo o bem para as pessoas. Para poder trazer benefícios às pessoas que sofrem com a neurofibromatose é preciso estudar muito, e oferece um conselho a qualquer jovem que queira ser cientista: “É preciso dedicar-se, ter perseverança, curiosidade, criatividade e ética”. Ela considera essas qualidades importantes, porque trabalhar com ciência, em sua visão, é uma longa trajetória, com obstáculos que não se restringem ao objeto de estudo. “Há dificuldades em ser cientista no Brasil, mas isto está mudando. É preciso superá-las, sem pensar em desistir”, diz. Ela reconhece que o governo tem incentivado a pesquisa, mas avalia que são necessários mais investimentos, principalmente do setor privado, que é pouco atuante neste sentido no Brasil. “Por isso, sinto uma grande felicidade com a iniciativa conjunta da LOréal, Unesco e ABC, pois ajuda a divulgar e desenvolver a pesquisa no Brasil e no mundo.”

Para Karin Cunha, o prêmio é um grande incentivo porque, com os recursos, ela obterá ferramentas indispensáveis à sua pesquisa. “O prêmio também motivou os alunos e pesquisadores com quem trabalho, ratificando a importância da pesquisa e trazendo mais visibilidade ao Programa de Pós-Graduação em Patologia da Faculdade de Medicina da UFF, que coordeno”, destacou. Ela partilha o prêmio com todas as cientistas brasileiras e se sente honrada por representá-las. “Fiquei muito feliz, ainda mais sabendo que no Brasil há excelentes mulheres cientistas e que, certamente, foram enviados projetos com altíssima qualidade. A escolha do júri não deve ter sido fácil. Ser uma das escolhidas por um corpo de pesquisadores altamente renomados, é muito gratificante.”