Inúmeros e complexos desafios se apresentam às Ciências da Saúde atualmente, de acordo com o Acadêmico Nestor Schor, em palestra realizada em São Paulo, durante o 1º Encontro Preparatório do Fórum Mundial de Ciência, que acontecerá no Brasil no próximo ano. Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), da Academia Nacional de Medicina (ANM) e Professor Titular do departamento de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Schor é médico com pós-doutorados nas universidades de Harvard e de Cornell, nos EUA.
Falta de planejamento e de estratégias no atendimento à população brasileira
Segundo Schor, não é apenas a limitação de recursos que impede o desenvolvimento das carreiras científicas da área da saúde no Brasil: a falta de planejamento e de estratégias também traz consequências imediatas que irão comprometer a saúde do país em um futuro não muito distante.
O palestrante apresentou uma tabela do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) de julho de 2012, na qual foram combinadas as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do estudo Demografia Médica no Brasil, promovido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Cremesp. Os dados mostram que a concentração desses profissionais nas metrópoles revela a falta de planejamento para a atuação médica. “Mais da metade do número de médicos previstos estará concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, ficando o restante dividido de forma desigual entre os outros 23 estados, mais o Distrito Federal” explicou Schor.
Área requer recursos humanos mais qualificados
A dificuldade dos recém-formados em conquistar o registro para exercer a profissão também foi observada na palestra e compromete o futuro da saúde brasileira desde já. “Em São Paulo, entre 2005 e 2011, o número de estudantes que prestou exames para conseguir o registro do Conselho Regional de Medicina de São Paulo diminuiu de 998 para 418 candidatos, enquanto a taxa de candidatos que não conseguiram o registro aumentou, passando de 32% para 46% nestes anos”, apontou o palestrante.
Por outro lado, o valor das bolsas de pós-graduação na área caiu 55% em 18 anos. “Então não está havendo investimento em qualificação dos profissionais. Qual será a qualidade desses egressos da pós-graduação? E para onde eles vão?”, questionou Schor.
A solução é investir
Schor defendeu a urgência de investimentos na saúde, antecedidos por planejamentos e estratégias adequadas. Para ele, os principais desafios envolvem a qualificação dos recursos humanos, com o exercício de um controle de qualidade dos profissionais, o estímulo à educação continuada e a ampliação da rede de centros de estudo avançados.
Além disso, considera fundamental conhecer as necessidades de médicos, técnicos, cientistas e de todos os outros profissionais que atuam no campo da saúde, assim como combater a ausência de um planejamento estratégico, “que cria profissionais com poucos recursos e que distribui esses profissionais de uma forma geograficamente inadequada”, ressaltou. “O futuro da saúde no país deve ser pensado hoje”, exaltou Schor.
Questões ambientais afetam diretamente a saúde da população mundial
Segundo Schor, 1/3 das mortes e das doenças do mundo resulta diretamente de causas ambientais. Dados alarmantes sobre o meio ambiente e a saúde foram apresentados na palestra: 2,6 bilhões de pessoas no mundo não tem acesso a saneamento básico; uma doença facilmente evitável como a diarreia ainda mata 1,5 milhões de pessoas todos os anos; doenças antigas como a malária ameaçam países europeus e novas doenças vêm emergindo, gerando a necessidade de novas pesquisas e novos conhecimentos para entendê-las e combatê-las.
Neste contexto, a saúde das populações deve ser pensada em conjunto com o cuidado com o meio ambiente, água, ar e medidas contra a poluição. “Nos países em desenvolvimento, o controle ambiental poderia evitar 40% das mortes por malária, 41% das mortes por doenças respiratórias e 94% das mortes por diarreia”, ressaltou Schor, baseado em dados da World Health Organization (WHO).
Atenção prioritária aos recursos hídricos
De acordo com o palestrante, o Brasil dispõe de recursos como o aquífero de Alter do Chão, que passa pelo Amazonas, Pará e Amapá e tem volume de 86 mil m2 de água doce, o que daria para abastecer a população mundial cem vezes e pode ser o maior do mundo. Segundo resultados de pesquisas apresentados por Schor, esse aquífero tem quase o dobro da água do aquífero Guarani, que até então era considerado o maior do mundo e passa pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Mas o pesquisador aponta a desigualdade: muito próximo do aquífero de Alter do Chão está a região do sertão brasileiro, marcada pela escassez de água. “E o problema da água não é só de quantidade, mas também de qualidade: a contaminação das águas, de maneira geral, provoca doenças como cólera, febre tifóide, desinteria, esquistossomose e outras.”
Prevenção custa menos do que tratamento
Outros aspectos preocupantes destacados pelo Acadêmico são a segurança alimentar e as compulsões, de natureza variada, demonstradas pelo aumento da taxa de obesidade em todas as faixas etárias ou o crescente consumo de drogas no mundo. De acordo com a WHO, em 2008 mais de 1,4 bilhões de adultos estava acima do peso e o número de crianças obesas somava 40 milhões. “Hoje a obesidade é uma epidemia que mata mais que a fome. É preciso criar ambientes de apoio multidisciplinares e trabalhar a prevenção, mostrando como as pessoas podem evitar a obesidade”, observou.
Com esta mesma forma de atuação preventiva, doenças que acompanham a população mundial há muitas gerações também podem ser evitadas, como no caso do câncer. Segundo Schor, cânceres de relevância para a saúde pública como o de mama e o de colo-retal podem ser curados se detectados precocemente e tratados adequadamente. “E mais de 30% dos cânceres poderiam ser evitados sem consumo de tabaco, com uma dieta saudável, atividades físicas e consumo moderado de álcool”, alertou o médico. ” E nos países em desenvolvimento, 20% das mortes por câncer poderiam ser eveitadasatravés da imunização contra HBV [vírus da hepatite B] e HPV [Papiloma virus]”, completou.
Melhor método de prevenção ainda é a imunização
A forma mais eficaz de atuação na prevenção de determinadas doenças, como destacou o palestrante, ainda é através da vacinação. “Vacinas evitam de duas a três milhões de mortes por ano no mundo”, afirmou Schor, ressaltando que desde a criação das respectivas vacinas a mortalidade por sarampo caiu 74%, por poliomielite 99% e o tétano neonatal foi totalmente debelado. Para o pesquisador, os desafios nesse caso envolvem garantir o acesso de toda a população mundial a serviços públicos de saúde que incluam todas as vacinas; o desenvolvimento de novas estratégias de prevenção à doenças como a malária e tumores cerebrais, por exemplo, e o investimento na busca por novas va
cinas.
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Novos paradigmas
Diante de tantos desafios, as ciências da saúde precisam de investimento permanente. A base do estabelecimento de novos paradigmas está na realização de ensaios clínicos, ou seja, de pesquisas em voluntários humanos para responder a questões específicas de saúde. Estas pesquisas permitem determinar se os tratamentos experimentais ou as novas formas de terapias são seguras e eficazes. Realizados em ambientes controlados, esses estudos levam a soluções para questões de saúde em grandes grupos de pessoas ou populações em ambientes naturais. “Atualmente, eles vêm contemplando pesquisas sobre antibióticos, novas moléculas, células-tronco e medicina regenerativa”, informou Schor. Porém, embora o desenvolvimento dos ensaios clínicos ocorra em todos os continentes, ele se dá de forma desigual. “No Brasil estão em andamento 2.936 pesquisas atualmente, quantidade muito superior ao restante dos países da América do Sul, porém muito abaixo das 63.044 sendo encaminhadas nos Estados Unidos”, relatou.
Tomando por base os dados do site de estudos clínicos dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH, na sigla em inglês), Schor mostrou alguns números, que mostram que o desafio é expandir o número de atividades por todo o mundo, pois esses estudos podem trazer melhorias primordiais para a saúde das populações.
O Acadêmico reforçou a gravidade do quadro das doenças negligenciadas, das doenças infecciosas e das doenças crônicas degenerativas, a partir de dados da WHO. Ele destacou que 1/3 da população urbana mundial vive em favelas, sem condições básicas de higiene e saneamento, e que a expectativa de vida varia de até 36 anos de um país para outro – o que demonstra o peso da desigualdade. “Em Londres, chega a variar 17 anos de um bairro rico para um bairro mais pobre”, ilustrou o palestrante.
Concluindo, Nestor Schor mostrou em sua palestra que a expansão do conhecimento sobre a saúde e o meio ambiente devem ser produzidos conjuntamente. “Neste contexto tão complexo, no qual fatores internos e externos às populações estão conduzindo a questão da saúde no mundo, o desafio das ciências da saúde passam por prevenir e curar, capacitar profissionais e, acima de tudo, inovar nas áreas de pesquisa.”