Quem gosta de arte pode apreciar uma obra de Tarsila do Amaral, passar horas diante de um Van Gogh, e, até mesmo, admirar o próprio código genético na parede de casa. A proposta, impossível até meses atrás, é a vitrine do DNA Brasil, projeto coordenado pelo biólogo Stevens Rehen. Seus clientes escolhem a cor e o tamanho do painel e, dias depois, recebem um kit de coleta de saliva. Esta amostra é enviada para o Laboratório Nacional de Células-Tronco Embrionárias (Lance/UFRJ). A partir dela, será feita uma lâmina que, por sua vez, manda a peça a uma designer, responsável por imprimir arte à ciência.
O DNA Brasil foi a saída de Rehen para trazer mais recursos ao Lance. Usando a Lei de Inovação – que, apesar de sancionada em 2004, ainda não tem sido muito usada pela ciência brasileira -, o coordenador do laboratório tornou-se parceiro da empresa. O Lance foi contratado pelo DNA Brasil para prestar serviços de manipulação do material genético. Rehen espera que a parceria dê recursos para o laboratório renovar sua infraestrutura e aumentar seu quadro de pesquisadores. “Sem desmerecer as bolsas de estudo, gostaria de pagar melhor a minha equipe, garantir maior produtividade a pessoas que são muito qualificadas, que estudaram fora do país”, explica. “Quero evitar que saiam do laboratório, e, ao mesmo tempo, também penso em contratar novos funcionários.”
A princípio, 5% da receita bruta obtida com a venda dos quadros serão destinados ao Lance. A ideia, porém, é que até 30% do faturamento seja doado à pesquisa científica, o que será possível quando as encomendas se tornarem mais frequentes. Na primeira semana, o DNA Brasil recebeu quatro pedidos.
Os pesquisadores não extrairão do kit o sequenciamento completo do DNA do cliente. A conclusão desse processo levaria cerca de 11 anos. O projeto artístico destaca alguns dos nossos mais de 20 mil genes.
Casais podem compartilhar tela
O fragmento de DNA que estará presente no quadro é extraído do kit e destacado por meio de uma técnica de amplificação de genes, a reação em cadeia de polimerase. Os genes passam ainda por um campo elétrico e uma matriz gelatinosa, onde recebem um corante altamente sensível, que vai ressaltá-los quando expostos à luz ultravioleta. Os genes ampliados parecem barras reluzentes do DNA. É esta a imagem capturada por lâminas e enviada à designer Paula Carneiro.
Todo o processo acima pode ser feito três ou quatro vezes diariamente, dependendo da demanda. Paula destina um dia inteiro a cada lâmina. Coube à ela, nos últimos seis meses, desenvolver 20 cores, das mais escuras (oceano, carbono e ametista) às claras (pérola, bloody mary e antártica). A designer usa diversos programas de computador para assegurar que o código genético será representado na cor de preferência do cliente. “É um trabalho bem detalhista, para não haver qualquer alteração na lâmina original nem um desrespeito à cor desejada, ressalta. “Queremos fazer peças inigualáveis, cada uma com um significado pessoal. É a tela abstrata mais realista que pode existir, porque é o seu DNA que está na parede.”
A arte com código genético é feita em telas de fibra de algodão. O cliente escolhe se prefere seu trabalho com ou sem moldura – sem é mais moderno, segundo Paula. Além disso, o proprietário do DNA pode pedir um arquivo digital da obra de arte, e, com ela, reproduzir seus genes em outros objetos, como canecas e camisetas. Casais e famílias podem mostrar sua união nessas telas. Rehen, por exemplo, destinou metade de um quadro ao DNA de sua mulher, e a outra ao dele. Na casa de Paula será mais complicado. Além do marido, são quatro filhos, cada um com sua preferência. Eles pretendem desenvolver painéis para situações como estas. Por enquanto, é possível unir, em uma mesma tela, no máximo quatro códigos genéticos.”No futuro queremos oferecer ressonância magnética funcional”, revela Rehen. “O cliente teria a imagem do cérebro e poderia colorir de acordo com as funções cerebrais. Poderia fazer painéis relacionados a regiões ligadas ao sexo ou à arte, por exemplo.”
A peça mais barata custa R$ 990. O preço pode não ser muito acessível, mas Rehen acredita no projeto. “Hoje todos estão respirando muito mais a biologia”, opina. “Por causa das novelas, por exemplo, todos sabem o que é DNA. Agora queremos apresentá-lo sobre uma nova forma, como arte. E vamos aproximar mais as pessoas do que acontece nos laboratórios.”