Esta sessão do evento “Aperfeiçoando a Gestão de Recursos Hídricos em um Mundo em Transformação” teve como coordenadora a microbiologista sul-africana Rivka Kfir, orientadora senior do Instituto da Água da Universidade de Pretória e líder, por dez anos, da Comissão de Pesquisa Sul-africana sobre Águas. Ela atuou em diversas pesquisas envolvendo água e saúde. O relator da sessão foi o engenheiro de recursos hídricos Eduardo Mendiondo, graduado pela Universidade Nacional do Litoral, na Argentina, e doutorado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em Recursos Hídricos e Ambiente.
Masahira Nakamura, Raúl Lopardo, Salif Diop e Rivka Kfir
África: condições de saneamento não acompanharam a explosão demográfica
O primeiro apresentador foi o professor Salif Diop, do Senegal, membro senior da equipe do United Nations Environmental Programme (UNEP ou PNUD, na sigla em português). Ele é um especialista em recursos hídricos marinhos e oceanografia costeira, com vasta experiência em assessoria científica, inclusive cm relação ao gerenciamento e desenvolvimento sustentável do ambiente. É membro da Academia de Ciências e Técnicas do Senegal e da Academia de Ciências do Mundo em Desenvolvimento (TWAS).
Diop mostrou números que expressam as condições de saneamento do continente africano, condições estas cuja evolução não acompanhou a explosão demográfica ocorrida nos últimos anos. “Apesar dos mais de 1.200 reservatórios de vários tamanhos construídos em solo africano, as regiões de escassez hídrica crescem devido ao aumento populacional”, salientou o especialista.
A África é o segundo continente mais seco do mundo. Embora concentre 15% da população mundial, conta com apenas 9% dos recursos hídricos renováveis. Fica evidente, então, que as mais de 60 bacias hidrográficas do continente africano apresentam desafios de gestão – tanto imediatos como a longo prazo -, pois o clima diversificado nas diferentes regiões do continente alterna secas intensas com inundações.
No entanto, Diop destacou que essas mudanças necessárias para garantir a segurança hídrica da população crescente também podem ser consideradas oportunidades para novos financiamentos de obras e serviços, porque as regiões pobres em águas superficiais têm potencial para a exploração das águas subterrâneas, que são subutilizadas no continente como um todo. “E 22% do continente compartilham bacias transfronteiriças, sendo que 45% assinam tratados internacionais. Ou seja, precisamos de cooperação interna e externa.” A situação crítica fica mais evidente em função do fato de que metade dos países africanos não tem possibilidade de conseguir atender as Metas de Desenvolvimento e Metas do Milênio, segundo o cientista.
O pior impacto ambiental é a pobreza
A segunda apresentação da sessão foi do engenheiro hidráulico e civil Raúl Lopardo, graduado pela Universidade Nacional de La Plata, na Argentina – onde é professor de Hidráulica Básica desde 1983 -, e doutorado em Ciências Físicas pela Universidade de Toulouse, na França. É membro da Academia de Engenharia da Província de Buenos Aires e, desde 2006, preside o Instituto Nacional da Água (INA).
Lopardo ampliou os conceitos de governança hídrica para a sustentabilidade e desenvolvimento, relacionando-os com a formação profissional, que no caso dos engenheiros de recursos hídricos tem que incluir, no século XXI, o espírito de experimentação e pesquisa. “Os inventários de rompimento de barragens nos últimos 50 anos indicam que os futuros profissionais precisam trabalhar com conceitos atualizados e transdisciplinares. A sustentabilidade não pode ser apenas uma disciplina, mas um conceito de base que permeie todo e qualquer projeto de engenharia.”
O expositor mencionou o exemplo da represa de Yaciretá (Paraguai-Argentina), onde soluções como reaereação podem ter impactos em problemas ecológicos como mortandade de peixes e outras espécies aquáticas. Assim, Lopardo levantou a tese de que os principais desafios para a governança têm origem na educação. Critérios básicos como “aprender a conhecer”, “aprender a fazer”, “aprender a coexistir” e, em definitivo, “aprender a ser” são inerentes aos limites da própria filosofia da governança hídrica.
Finalmente, o palestrante reforçou a importância da experiência, assinalando que a nova geração de gerentes e usuários de recursos hídricos deve ter a humildade de aprender com os erros das gerações anteriores. “É preciso usar essa experiência adquirida para melhorar a comunicação e para fazer evoluir a área, mas conforme as necessidades sociais e não a partir de conceitos puramente tecnicistas ou de círculos fechados de conhecimento”. Lopardo encerrou citando Indira Gandhi, que dizia que o pior impacto ambiental é a pobreza, “mais difícil de combater do que a doença ou a seca.”
Manejo integrado de bacias lacustres
O terceiro expositor foi o japonês Masahisa Nakamura, graduado pela Universidade de Hokkaido e doutorado em Engenharia Ambiental pela Universidade de Illinois, nos EUA. Ele atuou na Organização Mundial de Saúde (WHO, na sigla em inglês) por vários anos e voltou então para o Japão, onde é professor do Centro de Pesquisas em Ambiente e Sustentabilidade da Universidade de Shiga e, desde 2005, integra a Diretoria da Fundação Comitê Internacional do Ambiente Lacustre (ILEC, na sigla em inglês).
Nakamura tratou dos desafios de governança nos ambientes de lagos e reservatórios de água doce. Ele usou como exemplo o Lago Biwa, do qual dependem dez milhões de pessoas. “Fatores como a integração ecossistêmica da natureza, maiores tempos de retenção, a dinâmica complexa de respostas de processos internos e etc. levaram a uma melhoria de governança, a partir de certos princípios transversais de serviços ecológicos e ambientais, mudanças na valoração de recursos e governança hídrica”, relatou o pesquisador.
Mas como estimar estes impactos? Nakamura sugeriu que essa análise deve envolver a provisão de recursos a partir não somente do lago e sim da bacia hidrográfica como um todo. “Não existem fórmulas mágicas, porém, existem critérios que permitem aos tomadores de decisão ao menos separar e gerenciar melhor as áreas de ação”. Assim como disseram os dois primeiros palestrantes, Nakamura também é da opinião de que todos os processos podem ser consolidados através de um elemento único, que percorre todas as escalas da bacia hidrográfica: educação.
Após o debate, os participantes da audiência e os palestrantes concordaram que, para estabelecer critérios promissores para futuros trabalhos sobre governança, a prioridade deve ser concentrar esforços em questões-chave, como o treinamento de recursos humanos, a delegação e descentralização do poder de governança compartilhada e, em especial, da melhoria do sistema de monitoramento de informações sobre os recursos hídricos.