Sérgio Mascarenhas nunca passa despercebido. Essa “fortaleza”, segundo as palavras da presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e Acadêmica Helena Nader, chama a atenção tanto pela abundante sabedoria e méritos quando pela simplicidade e gentileza com que trata as pessoas. Não foi diferente na quarta-feira (25) quando apresentou – de pé e se movimentando muito “para estimular o cérebro” – a conferência “Dependência é morte: propostas para o Brasil do século XXI”.
Nader, que introduziu a palestra, deu um panorama da trajetória de Mascarenhas: físico, químico e presidente de honra da SBPC, citando prêmios como o Grã Cruz da Ordem do Mérito Científico, cátedras internacionais e cargos como os de professor visitante em universidades como Harvard, Princeton e no MIT. Também lembrou seu papel como um dos criadores da Embrapa.
Mascarenhas abriu a conferência avisando que a “ciência brasileira está sendo machucada”, numa referência ao contingenciamento de recursos da área de Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação.
Da Grécia Antiga à internet
O professor recordou a importância de conhecer a história para acertar no futuro e por isso estruturou a aula usando seis grandes revoluções tecnológicas e culturais da Humanidade. Ao falar do primeiro período escolhido, que ia do início do pensamento greco-romano até a idade medieval, lembrou a necessidade de unir a teoria (Platão) à prática (Aristóteles), para em seguida emendar no Renascimento e no início da ciência moderna, com Galileu Galilei e Isaac Newton.
Depois, pontuou a “sofisticação” do Iluminismo e o marco político que a Revolução Francesa representou para o mundo, “um padrão de revolta”. A partir daí, os avanços começam a se acelerar, entrando na Revolução Industrial e logo na Revolução do século XX, com a ciência se desenvolvendo a partir da mecânica quântica, relatividade, física atômica e nuclear, além das pesquisas espaciais.
Finalmente, ele chegou ao século XXI, pontuando os sistemas complexos, a globalização, energias alternativas e sustentabilidade, dando destaque a Alan Turing e Claude Shannon. “Se não fosse por eles, não haveria internet, celulares, robótica, mas ninguém sabe quem são”, destaca. Mascarenhas disse que é o momento da “revolução do conhecimento”. “É nossa chance para essa crise. Agora que a Europa está indo para o fundo, temos a portunidade de criar uma cultura mais apropriada e mais humanista, talvez uma revolução tropical”, sugere.
Nesse sentido, ele insiste que é necessário “sair dessa cultura porca de 500 anos de colonização portuguesa e espanhola” e criar modelos de desenvolvimento próprios, o que necessariamente passa por inovação e por “sair da torre de marfim”, numa referência aos acadêmicos que teimam em não valorizar o intercâmbio com os criadores de tecnologia. “Acham que são vendidos e que estão gastando o dinheiro do Governo com as empresas”.
“Até hoje estamos exportando commodities e se não fosse a Embrapa estaríamos pior ainda. Temos que nos impregnar dessa história para termos poder de decisão e de criar políticas de Estado”, afirma. Para implementar a inovação, ele sugere o modelo dos cinco “is”: invenção, imitação, interdisciplinaridade, imperfeição corretiva e investimentos.
Banquete de Tântalo
Mascarenhas ressalta uma série de limitações e problemas como o analfabetismo, tanto literal quanto filosófico. “O que o Brasil tem de melhor são as crianças e não o fato de termos mais de duzentos milhões de celulares. Tantos celulares para comunicar o quê?”, alega.
Ele também relaciona ciência e arte, ressaltando a importância dos estudos sociais e manifestações culturais. “A literatura é tão importante quanto a física, aliás, é ainda mais importante. Cesar Lattes dizia que a ciência é filha bastarda das artes”, relembra. “O que elas têm em comum? A criatividade. Há muito cientista que não é criativo e os artistas, assim como as crianças, são inovadores, isso é darwiniano”, compara.
Ainda usando o gancho da arte, mostrou uma pintura que representa o mito grego do Banquete de Tântalo, que esquartejou o próprio filho para impressionar os deuses. “Estamos fazendo isso com as crianças brasileiras, um esquartejamento cultural com analfabetismo, esquartejando o futuro delas e do País”, sublinha, citando o Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa como uma das soluções.
Mascarenhas também falou da proposta de realizar uma Olimpíada do Conhecimento em 2016, paralelamente aos jogos olímpicos no Rio de Janeiro. A proposta foi bem recebida pelos ministérios da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação e um comitê para organizar a competição está sendo constituído. Ele também falou da criação de uma rede nacional de centros interdisciplinares de sistemas complexos, que já foi proposta por Mascarenhas a Capes.