O programa Ciência Sem Fronteiras (CsF), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Educação (MEC), foi tema de debate na 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A mesa redonda “Fronteira da Ciência Sem Fronteiras” teve a participação do presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Acadêmico, Jorge Guimarães; do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e também Membro Titular da ABC, Glaucius Oliva; da presidente regional da SBPC e professora de pós-graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Maíra Baumgarten; e da presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação (ANPG), Luana Bonone.
“Não existe fronteira para o Ciência Sem Fronteiras”

De acordo com o Acadêmico, o mestrado não foi incluído no programa uma vez que, há muitos anos, a Capes não financia tais bolsas no exterior, “pois temos uma longa experiência aqui, melhor que da Europa”. Os primeiros bolsistas do CsF embarcaram em janeiro para os Estados Unidos – conforme explicou o presidente da Capes, o programa começou nesse país porque a cooperação com a Europa já está bem estabelecida e é para lá que se destina a maioria dos estudantes. Outros grupos partirão em agosto e setembro.
Guimarães explicou que a fase de experimentação, voltada especificamente para graduação-sanduíche, foi um desafio: “Dos 7.500 candidatos, só 1/3 tinha condição de ir para os Estados Unidos, inclusive em relação à língua. A grande maioria não tinha passaporte; muitos nunca tinham saído nem da sua cidade. Foi uma grande operação para passarmos por essa etapa”. Em seguida, foram lançados outros editais e firmados acordos com países como Alemanha, França e Reino Unido. “Fazer essas parcerias foi um processo bastante complicado, mas estamos indo muito bem.”
“Esses estudantes no exterior estão nos ensinando muito”
O presidente da Capes afirmou, orgulhoso, que tais estudantes estão ensinando muito à instituição. “As primeiras visitas que fizemos para firmar acordos com as universidades foram de uma grande frieza, e hoje elas fazem fila para fazer parcerias com a gente. Os brasileiros estão ganhando prêmios lá fora. Eles tiram as melhores notas e estão sendo convidados para estágios em empresas multinacionais. Há uma euforia das universidades de grande prestígio internacional em relação aos nossos bolsistas.”
E o aprendizado não parou por aí. Jorge Guimarães destacou que, indagados sobre as diferenças entre estudar fora e no Brasil, os estudantes mencionaram a quantidade de aulas por semana – enquanto outros países tem a média de 14 horas semanais de aula, as universidades daqui, algumas vezes, chegam a 40 horas. “Apostamos que a percepção desses contrastes vai mudar a nossa cultura de universidade. Sem dúvida, um grande defeito que temos aqui é aulas demais; é preciso incluir outras atividades na grade.”
Outro ensinamento foi o de que os jovens brasileiros precisam de uma segunda língua. “Felizmente, isso já foi difundido dentro das universidades e todos estão buscando ter um aperfeiçoamento no segundo idioma”, informou o Acadêmico. “O inglês é predominante, mas há estudantes aprendendo mandarim, porque vamos mandar estudantes para a China em breve.” Mais um aprendizado importante: a convivência, uma vez que os bolsistas se estabelecem nos alojamentos da própria universidade. “É um intercâmbio de cultura com o mundo inteiro. Esse é um desafio que temos para o Brasil – criar alojamentos nas nossas universidades, que fazem uma enorme diferença.”
Por fim, Guimarães voltou ao título dado à mesa redonda, comentando a fronteira do CsF no aspecto científico: “A fronteira da ciência está na fronteira do conhecimento de cada pesquisador. Como bioquímico, sempre me surpreendo com o número de proteínas que cabe numa célula. Então a fronteira é determinada pelo cientista e, por isso, precisamos de mais deles. Temos que valorizar essa área como é feito com o futebol. Só vamos ter um Prêmio Nobel quando tiver muita gente jogando a bola da ciência.”
Bom cenário da ciência, mas também desafiador

Entretanto, Oliva comentou também sobre o cenário dos problemas. Lamentou, principalmente, os cortes no orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) realizados nos últimos dois anos. “Temos o desafio de aumentar os investimentos privados, uma vez que, no Brasil, o financiamento público é predominante. Nos grandes países, os investimentos privados são muito expressivos.” Por fim, ele citou a necessidade de pessoal qualificado para promover a inovação nas empresas, de incentivar a percepção da sociedade sobre o valor da ciência e a atração de talentos para a mesma.
O que precisa melhorar no CsF
Durante a mesa redonda, o programa Ciência Sem Fronteiras também foi analisado pela professora de Sociologia Maíra Baumgarten e pela presidente da ANPG, Luana Bonone. Está última elogiou o fato de o CsF aumentar a mobilidade acadêmica e a integração científico-tecnológica entre os países, além de promover o intercâmbio cultural e social do Brasil com outras nações e a livre circulação do conhecimento. “O programa é um poderoso instrumento que posiciona bem o Brasil no cenário internacional e impulsiona a formação de recursos humanos. Mas a ANPG fez reflexões e temos algumas proposições.”

cimento da relação com países do eixo sul, o que teria um caráter geopolítico estratégico, e de investimento em uma política mais ousada de intercâmbio, através da oferta de cadeiras de língua portuguesa e de cultura brasileira em universidades do exterior, por exemplo. Ela citou outras dificuldades, como o calendário sem previsão, prazos muito curtos, poucos candidatos aptos e a falta de comunicação mais efetiva com os coordenadores das instituições de ensino brasileiras.
A principal crítica de Bonone foi em relação ao fato de o CsF não abranger as Ciências Humanas e Sociais. Jorge Guimarães explicou que, por decisão da presidente Dilma Rousseff, o programa não incluiu essa área do conhecimento, mas o CNPq e a Capes a convenceram a manter os programas usuais das duas agências, nos quais não há prioridade de área, e sim de mérito. “Na verdade, a quantidade de bolsistas das Ciências Humanas e Sociais aumentou muito. Isso porque, quando um estudante se candidata para um de nossos programas, mas tem o perfil do Ciência Sem Fronteiras, os encaminhamos para o CsF.”
Glaucius Oliva discordou das colocações de Baumgarten, lembrando dos editais que o CNPq anunciou recentemente na Reunião Anual da SBPC. Entre eles, as chamadas de apoio a Ciências Humanas e Sociais aplicadas, olimpíadas científicas, inclusão social, saúde bucal, pesquisa sobre fontes de financiamento em saúde no setor público e igualdade de gênero. “Estamos investindo muito em tecnologias que não são classificadas como Ciências Exatas”, contestou. “Não é possível imaginar um crescimento do Brasil equilibrado sem envolver todas as humanidades.”