No primeiro dia da 64ª Reunião Anual da SBPC, o Acadêmico e presidente do Conselho Nacional de Pesquisa e desenvolvimento (CNPq/MCTI) Glaucius Oliva, e o presidente do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) Jorge Ávila, trataram do tema da inovação aberta. O termo “open innovation” foi apresentado em 2003 por Henry Chesbrough, PhD em administração de empresas e professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, EUA. Naquele ano, ele lançou o livro Open Innovation, em que define, exemplifica e defende o modelo pelo qual as empresas realizam projetos de inovação – de produtos, processos ou serviços – em conjunto com outras empresas e/ou instituições de pesquisa. O coordenador da sessão foi o presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes/MEC) e Acadêmico, Jorge Almeida Guimarães.
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Jorge Ávila, Glaucius Oliva e Jorge Guimarães
Desenvolvimento requer inovação e inovação requer investimento
Oliva iniciou sua apresentação falando dos avanços da ciência brasileira nas ultimas décadas: mostrou o crescimento do número de mestres e doutores, do número de programas de pós-graduação, do orçamento da Capes, dos acessos à Plataforma Lattes, entre outras contas positivas. Com relação ao crescimento do orçamento do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que vinha num crescendo, lamentou os cortes ocorridos nos últimos dois anos, “que têm resultado em alguma limitação.”
O cientista deixou claro que nem tudo vai bem, destacando o déficit da balança comercial nos setores farmacêutico, químico, de máquinas e equipamentos, da saúde, das tecnologias de informação. “Na última década, estamos aprofundando nossa dependência em setores da indústria que são de alta demanda tecnológica”, alertou o Acadêmico. Ele apontou o número de patentes registradas no escritório americano como uma referência para comparação em nível internacional, e afirmou que enquanto a China e a Índia vêm aumentando esse número intensamente, o Brasil não evolui. “O investimento público no Brasil é muito maior do que o privado, diferentemente dos outros países em desenvolvimento. No Japão, o investimento do governo é 0,6 do PIB e o das empresas é 1,9. Além disso, nós estamos investindo ainda apenas 1% do PIB em CT&I, enquanto a Coreia investe 3,5%. É essa diferença que vem gerando sua alta competitividade em mercados como o de TVs e carros – LG e Samsung, por exemplo, são empresas de tecnologia coreana”.
Oliva ressaltou ainda que o Brasil está abaixo da média mundial de número de pesquisadores por milhão de habitantes. “Inovação requer doutores nas empresas, índice que ainda é muito baixo no nosso país”. O físico deixou claro que a ciência brasileira precisa encarar esse problema – precisa de indústrias que ofereçam emprego e renda para a população. “Esse foco tem tudo a ver com o tema do evento, ciência para enfrentar a pobreza: para isso, o país precisa inovar.”
O caminho que se apresenta para atingir esse objetivo no momento, segundo Oliva, é colocar a ciência, tecnologia e inovação (CTI) como eixo estruturante do desenvolvimento do país. “Nosso maior patrimônio não é a biodiversidade, a água ou a Amazônia, e sim os cérebros brasileiros, que estão se perdendo”. Ele informou que naquele dia estava sendo lançada uma nova versão da Plataforma Lattes, que vai valorizar os cientistas que gerem inovação e que invistam em comunicação de ciência para a sociedade, incluindo abas para registro de patentes e atividades de inovação, assim como para registro de atividades de popularização de ciência e de tecnologia.
Inovação aberta: dinamizando a transferência de conhecimento
A inovação aberta se dá pela interação entre diferentes atores que tem diferentes capacidades. Isso significa, de acordo com Oliva, que tanto a universidade como as empresas precisam procurar competências complementares extra-muros e desenvolver projetos conjuntos. Oliva referiu-se aos processos de transferência de conhecimento nas instituições de ciência e tecnologia, explicando que ela se dá de várias formas: pela movimentação de pessoas, como pesquisadores e estudantes que vão montar start-ups (empresas recém-criadas, em fase de desenvolvimento e pesquisa de mercados, que contam com projetos promissores, ligados à pesquisa, investigação e desenvolvimento de ideias inovadoras; através de spin-offs (novas empresas nascidas a partir de um grupo de pesquisa de uma empresa, universidade ou centro de pesquisa público ou privado, normalmente com o objetivo de explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia); por meio de contratações, estágios, publicações, eventos, seminários, conferências, projetos cooperativos, consultorias individuais etc. No meio acadêmico a pesquisa aberta já é praticada há muito tempo, segundo Oliva. “Essa prática é uma forma de utilização racional dos escassos recursos disponíveis no sistema de C&T, com o objetivo de maximizar os resultados. É preciso que a indústria atue da mesma forma”, apontou o presidente do CNPq.
Ele destacou que o contexto da indústria hoje é da globalização da concorrência, da necessidade de velocidade nos processos inovativos. “As empresas não dispõem de todos os experts e nem de todas as peças do processo inovativo no interior dos seus muros”, ressaltou Oliva. Ele afirmou que as grandes empresas são mais lentas e que, muitas vezes, não dispõem de recursos para executar toda a sua demanda de pesquisa. “A maior complexidade dos produtos faz com que nenhuma empresa detenha todas as patentes envolvidas na sua produção, exigindo novos arranjos e negociações.”
Pela perspectiva do governo, Oliva apontou os desafios e levantou algumas premissas relativas ao tema. “É preciso capacidade gerencial e organização para absorver os inputs oriundos das iniciativas de inovação aberta. Doutores nas empresas são fundamentais nas empresas para isso”, ressaltou. Ele deixou clara a importância do gerenciamento de alianças estratégicas envolvendo governo, universidades e empresas, de tamanhos e culturas distintas. “A inovação aberta tem como base o compartilhamento e a difusão da informação entre as universidades e empresas. A empresa não pode olhar a universidade como competidora e vice-versa”. Para que isso seja possível, o instrumento é a propriedade intelectual (PI). “A PI é a moeda de troca que torna possível o paradigma da inovação aberta e viabiliza a busca por conhecimento. Sem a PI, as empresas relutariam em compartilhar suas tecnologias, pois temeriam que seus bens intangíveis fossem apropriados pelo outro sem nenhuma compensação”, esclareceu Oliva.
Ele mostrou as possibilidades de parceria que já são praticadas hoje, entre elas o licenciamento de opções (quem financia pode querer ser o primeiro a vender), acordos de financiamento de pesquisa, empresas que se membros de centros universitários – sistema no qual a empresa investe capital em troca do direito ao conhecimento gerado naquele espaço de pesquisa. Oliva citou também o sistema de chamadas públicas, como o Natura Campus, um espaço de construção de redes de inovação da empresa com a comunidade científica.
Os projetos de cooperação e a Lei de Inovação protegem as partes. “Como definir os contratos de PI? Para cada área há um conjunto de regras, não dá para se estabelecer um padrão geral”. Para Oliva, a galinha dos ovos de ouro, nesse sentido, são os núcleos de inovação tecnológica (NITs) ou as agências de inovação existentes nas universidades. Esses órgãos são constituídos por uma ou mais instituições de Ciência e Tecnologia, com a finalidade de gerir sua política de inovação. Eles operam em forma de rede colaborativa, visando otimizar e compartilhar recursos, disseminar boas práticas de gestão da inovação e de proteção à propriedade intelectual e transferência de tecnologia, bem como facilitar a aplicação da política institucional de inovação e dos marcos legais de inovação. “As universidades precisam enxergar que esse é o caminho e investir nas carreiras nos NITs, é a maneira de ser proativa e ajudar os alunos a serem empreendedores.”
INPI: cursos de gestão da inovação e direitos de propriedade intelectual
O presidente do INPI, Jorge Ávila, explicou que a falta de investimento em inovação no Brasil é causada pelo processo de industrialização tardia. “O governo vem criando instrumentos institucionais para que a indústria brasileira possa dar esse salto e, para tanto, é necessário um ambiente institucional adequado.”
Ávila destacou que a inovação aberta não é uma modalidade escolhida entre outros modelos de inovação. “É uma contingência do atual momento histórico, em que todos os atores dependem um do outro. Envolve a criação de redes colaborativas, compostas por elementos com capacidades complementares”. O presidente do INPI esclareceu que invento é uma coisa, inovação é outra. “A inovação inclui o invento, mas envolve também a capacidade de colocar o invento no mercado e, para isso, é preciso interação entre os atores”. Para que essa interação seja efetiva, Ávila destacou a importância dos contratos. “Precisamos de estudos aprofundados do direito de propriedade, pois os contratos têm que ser elaborados adequadamente. O país tem que oferecer esse ambiente.”
Além disso, o Brasil precisa desenvolver a cultura de inovação, no sentido da preparação adequada para desenhar patentes. Ávila afirmou que o INPI tem procurado fazer o máximo possível para desempenhar esse papel, mas tem limitações. “Estamos oferecendo cursos, com apoio da Capes, tentando fazer com que nosso programa de treinamento sirva com referência para universidades desenvolverem e oferecerem aos alunos disciplinas de gestão da inovação e direitos de propriedade intelectual.”
Ávila ressaltou, por fim, um aspecto importante: o Estado só pode apoiar o que é conhecido. “Pode ser um segredo industrial, que faz parte do processo de inovação, mas tem que estar descrito em algum lugar”. Ele explicou que contratos de confidencialidade tem que ser respeitados, mas que, por outro lado, a engenharia reversa não é violação de direito. “Se outra pessoa desenvolver uma pesquisa baseada em engenharia reversa – ou seja, desconstruindo o produto para descobrir como foi feito -, a transferência de conhecimento se dá sem configurar crime. É melhor, portanto, que as empresas não dependam apenas de segredos industriais”. Ávila concluiu destacando que o sistema de PI possibilita, exatamente, que as empresas possam buscar apoio de terceiros com garantias de que não haverá perda de valor, de modo a garantir o direito do criador sobre suas criações.