Cultura popular, manifestações e homenagens marcaram a abertura da 64ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que aconteceu no dia 22 de julho em São Luís, no Maranhão. Com o tema “Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza”, o evento será realizado até o dia 27 de julho no Campus do Bacanga da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). A abertura incluiu apresentações de grupos culturais típicos da região, como o Cortejo do Divino Espírito Santo, de Alcântara, no mesmo estado, Tambores do Maranhão e Boi Barrica.
A cerimônia de abertura foi surpreendida por uma manifestação de estudantes contra a situação das universidades federais que levou à greve. A presidente da SBPC, a Acadêmica Helena Nader, lidou com os grevistas de maneira democrática, dando a palavra ao líder dos manifestantes por cinco minutos: “Nós estamos todos do mesmo lado. Somos todos docentes, funcionários da educação, da universidade. Juntem-se a nós. Não vamos deixar que as nossas reivindicações – que são justas – sejam passadas pela mídia como demandas de um grupo que está atrapalhando outro”. O representante afirmou não ser intenção do grupo atrapalhar o evento e sim pedir o respeito às suas carreiras, aos funcionários públicos federais e, acima de tudo, à educação, “que deve ser pública e de qualidade”.
A cerimônia foi conduzida pela secretária-geral da SBPC, Ruth Andrade. A mesa foi composta por Helena Nader; pelo ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), Marco Antonio Raupp; pelos presidentes de honra da SBPC, Ennio Candotti e o Acadêmico Sérgio Mascarenhas; pelos também Acadêmicos e presidentes do CNPq e da Capes, Glaucius Oliva e Jorge Guimarães; pelo reitor da UFMA, Natalino Salgado Filho; pelo presidente da Finep, Glauco Arbix; pelo presidente da Fapemig, Mario Neto Borges; pelo secretário-executivo do MCTI, Luis Antonio Elias; pelo Acadêmico Jailson Bittencourt, que representou o presidente da ABC, Jacob Palis; pela representante da Secretaria de Estado da Mulher, Lourdes Maria Bandeira; pela secretária de Ciência e Tecnologia (C&T) do Maranhão, Rosane Guerra; pelo secretário de C&T da Marinha, Almirante Wilson Guerra, pelo representante dos povos e comunidades tradicionais do Brasil Ivo Fonseca; pelo secretario regional da SBPC no Maranhão, Luiz Alves Ferreira; pelo secretário municipal de Educação, Albertino Barros; e pela presidente da ANPG, Luana Bonone.
Conhecimento para combater a pobreza e a desigualdade de gêneros
O reitor Natalino Salgado declarou que receber a 64ª Reunião Anual da SBPC, o mais importante evento científico da América Latina, é um presente para São Luís, que daqui a menos de dois meses completará 400 anos. “A cidade é berço de ilustres intelectuais de diversas áreas do conhecimento.” Ele ressaltou que o encontro não é apenas mais um evento realizado na universidade – representa um momento de transição, em que a UFMA está se transformando numa cidade universitária de fato. “Alegra-me profundamente vivenciar essa ocasião, que era um sonho para São Luís”, comentou.
Para Salgado, o tema do encontro é muito apropriado. “A pobreza é uma chaga aberta no mundo contemporâneo. O Brasil é o país com um dos maiores índices de desigualdade entre as classes sociais, e o caminho da ciência e do conhecimento é parte da solução. É na cultura e no saber do homem comum que se encontra a pedra bruta em que se pode lapidar esse conhecimento”. Ele criticou aqueles que são contra a destinação de 10% do PIB para a educação, citando o reitor da Universidade de Harvard: “Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”. Salgado também lembrou do ex-reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Aloísio Teixeira, falecido no dia seguinte à abertura. “A morte do homem começa no momento em que ele desiste de aprender”.
A cerimônia também homenageou quatro ex-diretores da SBPC falecidos neste ano: Luiz Edmundo de Magalhães, Antônio Flávio de Oliveira Pierucci e os Acadêmicos Aziz AbSaber e Gilberto Velho. Também foi homenageado o cientista maranhense Renato Bayma Archer da Silva, que foi vice-governador do Maranhão, atuou na criação do MCTI, entre outras contribuições. Em seguida, foi entregue o 32º Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica à Fundação Joaquim Nabuco, de Pernambuco, idealizada pelo sociólogo Gilberto Freyre e fundada em 1949, cujo objetivo é difundir cultura e conhecimento.
O representante dos povos e comunidades tradicionais do Brasil Ivo Fonseca da Silva acentuou que o evento tem grande significância para toda a nação brasileira. “Todos nós precisamos de ciência, inclusive os povos pobres desse país e do mundo. Por isso, ela não pode deixá-los ficar à margem da pobreza.” A representante da Secretaria de Estado da Mulher Lourdes Maria Bandeira comentou que o tema do evento está inserido na pauta da inclusão social das mulheres. Ela defendeu a promoção da igualdade de gênero através de políticas públicas. “Quais são as razões de poucas mulheres ocuparem posições importantes no setor científico e tecnológico?”, indagou. “Desde 2004, as mulheres ultrapassam os homens em títulos de doutorado, mas são predominantes apenas nas áreas de Ciências Humanas.”
“É um prazer voltar para casa”
O ministro de CT&I e ex-presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp, declarou ser “um prazer voltar para casa”. “Venho como ministro, mas faço questão de dizer que, acima de tudo, eu sou da SBPC. Quero estar sempre colaborando.” Ele continuou, enfatizando que a presidente Dilma Rousseff o convidou para ser ministro em função da sua trajetória como pesquisador. “Como diz a imprensa, ela escolheu um técnico para o MCTI. Mas minha bancada continua sendo a dos laboratórios e o meu partido é o da comunidade científica. Espero continuar recebendo todo o apoio de vocês.”
Raupp informou que, como membro do governo, pauta suas atitudes com base no seu passado como pesquisador. “Procuro apresentar as maneiras pelas quais a ciência pode e deve contribuir com o progresso do país. Sou um cientista no governo da primeira mulher a presidir o Brasil, o que me honra muito.” O ministro comentou que tem se esforçado para atender as demandas do país na área de CT&I, que não são poucas. Segundo o físico, chegamos a um estágio da trajetória nacional que exige
da ciência uma participação na vida do país sem precedentes. “Como sempre, o Brasil precisa se desenvolver. Mas agora, não tem como isso acontecer se não for através do desenvolvimento sustentável.”
da ciência uma participação na vida do país sem precedentes. “Como sempre, o Brasil precisa se desenvolver. Mas agora, não tem como isso acontecer se não for através do desenvolvimento sustentável.”
Economia, equidade e ecologia
Para Raupp, é imprescindível contemplar de maneira equânime os elementos ambientais e sociais, ressaltando que esta será a grande oportunidade de construir um modelo de desenvolvimento que pode vir a ser um exemplo para o mundo. E o ministro considera que o país está no caminho certo: boa parte da sua matriz energética é renovável, transitamos para uma economia de baixo carbono e assumimos compromissos públicos com indicadores sociais. “Nos últimos anos, o Brasil mudou para melhor. Retiramos 40 milhões de pessoas da pobreza e tornamos universal a educação primária. 25% do território está protegido em unidades de conservação e reservas indígenas. Em 2020, as emissões de CO2 serão 10 a 12% menores que em 2005, se atingirmos nossos objetivos. E o país construiu e consolidou a liderança em agricultura tropical.”
O ministro assegurou que o nosso potencial de biodiversidade e de energia limpa, os avanços recentes no campo social e o projeto de tornar a agricultura cada vez mais sustentável entram na transição para a economia verde inclusiva, que engloba as dimensões econômica, ambiental e social. “Crescer, incluir e preservar. Economia, equidade e ecologia. Por isso é inclusiva.”
O Brasil tem patrimônios ambientais, sociais e econômicos. É o país com a maior biodiversidade ecológica do mundo, equivalente a 13 % do total. Detém quatro grandes biomas – Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado e Pantanal – e a quinta maior população do planeta, o que corresponde a um imenso capital humano. “Entretanto, ter a maior biodiversidade e não conhecê-la e nem explorá-la é como não ter biodiversidade alguma. Corremos o risco de estagnação ou mesmo retrocesso se não nos dispusermos à construção do desenvolvimento econômico sustentável”, alertou Raupp. “Temos que olhar para os 190 milhões de brasileiros com a mesma atenção e zelo que olhamos para os nossos alunos e orientandos.” Ele lembrou, ainda, que o papel dos cientistas é amplo: “A contribuição com a ciência não ocorre somente pela realização de trabalhos de laboratório, mas também através da formulação de políticas públicas”.
De Goiânia a São Luís
A presidente da SBPC, Helena Nader, falou sobre os acontecimentos positivos e negativos vividos pela instituição desde a última reunião, em Goiânia. Ela lamentou os cortes no orçamento do MCTI durante dois anos consecutivos. “Encaminhamos uma carta ao governo apontando para a gravidade disso. Não podemos deixar que esses cortes aconteçam. Um país que chegou ao índice de 13% da produção científica mundial não pode sofrer um revés.” Nader defendeu que a pasta necessita de mais recursos para viabilizar as atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), visando aumentar a geração de inovações tecnológicas e levar o Brasil a transformar conhecimento em riqueza social e econômica.
Ela lembrou da luta do Grupo de Trabalho da ABC e SBPC em relação às propostas para o novo Código Florestal Brasileiro. “Esperávamos que o texto fosse melhorado, mas isso não aconteceu. Encaminhamos muitas sugestões para o Congresso que não foram consideradas.” Nader alertou, ainda, sobre a questão dos royalties do pré-sal, uma vez que o texto que tramita no Congresso não explicita recursos destinados à educação e C&T: “Temos que lembrar que o petróleo do pré-sal só foi descoberto graças à capacitação educacional e tecnológica”.
Investimentos na educação
A presidente da SBPC também demonstrou preocupação com a crise das universidades públicas. “A greve dos docentes já se arrasta há mais de dois meses e, junto com ela, a dos estudantes e funcionários de educação. Existe a necessidade urgente de adequar a carreira docente à nova realidade educacional brasileira.” Nader mencionou, ainda, o manifesto enviado ao Senado no início do mês pela SBPC e ABC, sobre o Projeto de Lei 180/2008 – que não passou pela Comissão de Educação. O PL 180, a ser votado em agosto, determina reserva de 50% das vagas das instituições de ensino superior públicas para cotas raciais e sociais.
Ela criticou, por fim, a proposta de acabar com o uso dos exames vestibulares ou do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para o ingresso em curso superior, obrigando que o processo seletivo adote apenas as médias das notas dos candidatos durante o ensino médio. “Dessa maneira, o ingresso no ensino superior passa a ser subordinado aos critérios de ensino de cada escola adotada. Mas não existe um ensino de qualidade, e não podemos tapar o sol com a peneira.” Nader destacou que, ao mesmo tempo que o Brasil precisa criar condições mais inclusivas para o acesso à universidade, também deve aumentar a qualidade dos cursos de ensino superior oferecidos em instituições públicas e privadas: “O acesso é tão importante quando o grau de excelência da educação.”
Período de conquistas
Apesar de todas as preocupações, a presidente da SBPC também lembrou dos trunfos: “Após 18 meses de tramitação, a Câmara aprovou em junho o Plano Nacional de Educação (PNE), que inclui meta de investimento de 10% do PIB em educação, a ser alcançada em dez anos. Não é para amanhã. Podemos ter Copa do Mundo, Olimpíadas, mas precisamos ter educação.”
Nader também comemorou a derrubada do PLS 220/2010, que determinava a não-exigência de titulação de mestre e doutor para docentes de universidades. “Isso seria desrespeitar a qualidade do ensino e a sociedade que o mantém.” Outra vitória foi a descriminalização da interrupção da gravidez de anencéfalos pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base em dados científicos e de direitos humanos. “Além disso, a SBPC integrou a Comissão Nacional da Rio+20, ganhamos o Prêmio Muriqui 2012 na categoria Pessoa Jurídica e participaremos do Comitê Executivo Internacional do Fórum Mundial de Ciência, que acontecerá em 2013 no Rio de Janeiro. Temos muito para celebrar juntos”. Leia o discurso de Helena Nader na íntegra.