Filho de um comerciante e uma dona de casa, Diego Marques era filho único – só ganhou irmãos quando adolescente, depois do segundo casamento do pai. Aos três anos já sabia somar. Na escola, não ia para o recreio: ficava na sala, escrevendo ou desenhando. Na adolescência, em suas palavras, “melhorou” um pouco e se interessou por futebol – chegou a ser campeão em torneios escolares. Mas sua maior brincadeira sempre foi a matemática: ele gostava de competir com alunos de outras séries na matéria.
Diego conta que sempre encarou a matemática como um hobby, “porque eu sabia que futuro de matemático é sala de aula e eu era muito tímido para ser professor”. Mas seu interesse por ciência despertou quando um colega lhe emprestou o livro “Viagens no Tempo no Universo de Einstein”. “Li o livro inteiro em dois ou três dias e fiquei muito entusiasmado. Comprei uma biografia do Einstein e comecei a fazer contas, procurar padrões em tudo, pensar em algo que pudesse ser interessante, acho que tudo começou ali.”
Muita pressa de aprender o máximo o mais rápido possível
Já cursando matemática na Universidade Federal do Ceará (UFC), fez iniciação científica com o professor Luquésio Petrola Jorge. “Meu orientador, dentre muitas coisas, me ensinou a pensar em matemática de uma forma bem natural, longe de fórmulas e equações. A ideia é ouvir a música da matemática. Infelizmente só fiz um ano de iniciação científica, pois minha graduação foi muito curta”. Para Marques, a parte mais difícil e especial da formação de um cientista é a graduação, “é como um primeiro beijo com a ciência”. Iniciou a graduação em 2003, “com a mente muito aberta e tentando apressar tudo, pois queria aprender o máximo possível, o mais rápido possível”. Daí, concomitantemente à graduação, cursou disciplinas de mestrado, fez todos os exames de qualificação e ainda conseguiu terminar a graduação em três anos.
Para Marques, o prazer em pesquisar está diretamente associado à liberdade de poder escolher o que quer fazer. Ele iniciou o mestrado em 2006, mas já com quase todos os créditos em disciplinas completos e, portanto, só faltando a dissertação. Nesse momento de desenvolvimento da sua carreira, surgiram duas figuras muito importantes: o professor Gervasio Gurgel Bastos que, numa aula de Álgebra Abstrata, lhe apresentou problemas em aberto sobre algo novo, os chamados números transcendentes. “Fiquei muito entusiasmado para estudar aquele assunto. Por sorte, conheci o professor José Othon Dantas Lopes, que mesmo sem ter essa como sua principal área de pesquisa, aceitou o desafio de me orientar numa dissertação que tratava de números transcendentes”.
Defendeu a dissertação no início de 2007 e já ingressou no doutorado da UFC. “Passei um ano e meio fazendo disciplinas de outras áreas que não eram a minha, o que foi bastante proveitoso: hoje vejo o reflexo dessa minha formação complementar”. Como a UFC não tinha um programa em Álgebra no nível de doutorado, Marques foi aconselhado pelo Acadêmico João Lucas Barbosa a se mudar para Brasília e estudar com o professor Hemar Godinho, um especialista em Teoria dos Números. “Ele me contou que na Universidade de Brasília (UnB) existe uma modalidade chamada defesa direta de tese, onde um candidato com excepcional capacidade e com um trabalho original, além de indicações, poderia defender seu trabalho sem precisar passar pelas burocracias do doutorado”. Em março de 2009, ele já era aluno da UnB. Com alguns artigos publicados e recomendações de renomados matemáticos, pediu de imediato para ingressar naquela modalidade. Seu pedido foi aceito – o segundo na história da UnB – e Marques defendeu sua tese em junho de 2009, depois de exatamente três meses e nove dias como aluno de doutorado, feito que lhe rendeu a entrada nos livros dos recordes brasileiros (RankBrasil).
Pesquisa hoje só é aplicada na matemática, mas quem sabe um dia…
Intuição, imaginação, perseverança, disciplina, inteligência e, principalmente, amor pelo que faz. Para Diego Marques, isso é o que caracteriza um bom cientista. E ele realmente entende do riscado. Sua pesquisa é focada na Teoria dos Números que, em geral, é um ramo da matemática pura que estuda propriedades de certas classes de números. “A grande atração dessa teoria é o fato de não haver, em geral, tantas definições como em outras áreas da matemática, vários problemas interessantes podem ser explicados para alguém que ainda está no ensino médio”, explica o cientista. Além de pesquisar na área de Teoria Elementar dos Números, buscando encontrar soluções de equações que aparecem na matemática há séculos, ele ainda estuda a Teoria dos Números Transcendentes, que são números bem mais “complicados” que os irracionais. “Exemplos de tais números são e = 2,71828… – o número de Euler ou constante de Napier, que é a base dos logaritmos neperianos – e л = 3,14159… , o famoso Pi, que é a razão entre o comprimento e o diâmetro de um círculo. O problema padrão nessa teoria é: como decidir se um dado número é ou não transcendente?”
Marques observa que hoje ele desconhece alguma aplicação da teoria dos números transcendentes fora da matemática, talvez por se tratar de uma área de pesquisa nova – tem apenas em torno de 170 anos. Mas cita o exemplo dos abstratos números primos que, nos séculos XVII a XIX, foram estudados por grandes matemáticos como Fermat, Euler e Gauss e que não tinham aplicação fora da matemática. “No entanto, a teoria criada naquele período forma hoje a base para a criptografia que está presente no nosso dia a dia; nas compras pela internet, movimentações bancárias e até no celular. Quem sabe se daqui a alguns anos ou séculos, a teoria transcendente criada hoje não nos dá algo tão útil quanto a criptografia?”
O prazer do triunfo da descoberta
Para falar sobre seu fascínio pela ciência, Marques cita o matemático George Polya: “Há uma semente de descoberta na solução de qualquer problema. Seu problema pode ser modesto; porém, se ele desafiar sua curiosidade e fizer funcionar sua capacidade inventiva, e caso você resolva sozinho, então poderá experimentar a tensão e o prazer do triunfo da descoberta”. Para Marques, o desafio de resolver um problema é fascinante e ele se sente movido por isso. “É como montar um quebra-cabeças, onde você tem todas as peças nas mãos. No caso específico da matemática, às vezes sequer sabemos que o que dever ser montado. Isso é o que me encanta especialmente nessa ciência, pois muitas vezes precisamos usar a intuição para ter um ponto de partida e, cá pra nós: quem não gosta de montar um bom quebra-cabeças?”
Hoje, Membro Afiliado; quem sabe, um dia, Membro Titular…
Marques lembra que, há poucos anos, viu uma matéria fixada nos corredores do departamento de Matemática da UFC, falando sobre dois professores daquele departamento que tinham acabado de se tornar Membros Afiliados da ABC. “Naquele momento pude perceber o que seria a satisfação de fazer parte dessa Academia. Na hora pensei quem sabe, um dia? Só não achei que pudesse ser tão rápido, ainda aos 26 anos”. O título lhe deu novo fôlego, trouxe reconhecimento, provou que seus trabalhos são significativos. “É como receber um selo de qualidade. As pessoas querem saber o que eu faço, passaram a se interessar mais. Depois do meu ingresso na Acad
emia, venho recebendo vários convites para proferir palestras, o que é muito gratificante e só me motiva. Hoje, olho para os Membros Titulares e penso: Quem sabe, um dia?”