Código Florestal, avanços e retrocessos
O debate em torno do Código Florestal ainda não acabou. O Poder Executivo, por meio da Medida Provisória 571/2012, que complementa a Lei 12.651/2012, recentemente aprovada no Congresso Nacional, instituiu o Novo Código Florestal brasileiro. Assim, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC) continuarão contribuindo para o debate com fundamentações científicas, tecnológicas, econômicas, sociais e ambientais sólidas para se construir um Código Florestal evoluído e atual. Não se podem desconsiderar os avanços no conhecimento científico e nas modernas tecnologias de sensoriamento remoto, que servem, por exemplo, para delimitar larguras de áreas de preservação permanente (APP) em margens de cursos de água. No entendimento da SBPC e da ABC a discussão pautada pela disputa “ambientalistas versus ruralistas”, perde o foco. Desde o início de nossos trabalhos temos enfatizado que, sem acordos entre as partes perdem todos, especialmente, o Brasil.
O balanço deste longo processo, até o momento, não corresponde às nossas expectativas. Poucos ganhos e muitas perdas. Perdeu a sociedade brasileira com uma lei pouco clara e indulgente. Perdeu o meio ambiente. Perdeu a agricultura brasileira. No entanto, não podemos deixar de reconhecer que o processo de tramitação das alterações do Código Florestal no Congresso Nacional teve um aspecto muito positivo. A sociedade se envolveu com as atividades legislativas, acompanhando e se posicionando em relação às discussões no parlamento.
Ocorreram avanços com a intervenção do Poder Executivo no texto aprovado no Legislativo. Um deles foi o resgate dos princípios que regem a lei e que nortearão a sua aplicação. Outro ponto refere-se à redefinição do conceito de pousio, resgatada do texto do Senado Federal, ao definir limites temporais ou territoriais para sua prática, evitando que um imóvel ou uma área rural permaneça em regime de pousio indefinidamente.
Reconhecemos que foi um avanço o veto ao texto que deixava sem nenhuma proteção, salgados, apicuns e alguns sistemas úmidos. Porém, a MP 571/2012 restitui o capítulo III, do texto do Senado, que trata do uso ecologicamente sustentável dos apicuns e salgados, permitindo o desenvolvimento de atividades de carcinicultura e salinas. Foi mantida a intervenção ou a supressão da vegetação nativa, mesmo que em caráter excepcional, em locais onde a função ecológica do manguezal esteja comprometida, com a finalidade de execução de obras habitacionais em áreas urbanas consolidadas ocupadas por população de baixa renda. Reiteramos nosso posicionamento anterior, que é eticamente injustificável manter populações de baixa renda nessas áreas. Quanto às APPs ocorreram alguns ganhos, como o reconhecimento das áreas úmidas. No entanto, a relevância das nascentes e olhos dágua intermitentes foi desconsiderada.
Os retrocessos são significativos. Por exemplo, a questão da largura do leito de rio foi novamente ignorada, mantendo a referência do leito regular para delimitação de APPs, a despeito das evidências científicas da importância de se considerar o leito mais alto dos rios. Este é um assunto muito importante, em especial para o Pantanal e Amazônia que irão perder a proteção de milhares de quilômetros quadrados de suas florestas de várzeas. O uso de espécies exóticas na recomposição de APPs só seria aceitável se fosse de forma temporária e consorciada com espécies nativas para estimular a sucessão ecológica dos ecossistemas florestais. No entanto, a proposta do Executivo não faz esta ressalva, deixando a possibilidade de restaurar as APPs com espécies exóticas e/ou monoculturas de forma indiscriminada e por tempo indeterminado.
Esperávamos que o poder executivo federal enviasse ao Congresso Nacional, em um prazo de três anos, projetos de lei sobre os biomas da Amazônia, do Cerrado, da Caatinga, do Pantanal e dos Pampas, como estava constando no PLC 30/2011 do Senado. A Mata Atlântica já é regulada pela lei 11.428/2006. Mas, será que ainda há chances de corrigir os repetidos erros cometidos até então, durante o processo de discussão e aprovação da MP 571/2012? Será que o Congresso irá derrubar os 12 vetos do Executivo?
Apesar de que as proposições feitas pela ciência foram minimamente aceitas tanto no Legislativo como no Executivo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira da Ciência não se contentam com o mínimo, e vão continuar insistindo na importância de se tratar de pontos estratégicos para o desenvolvimento sustentável do País, que foram suprimidos da lei ou então foram alterados na MP.
Nossa conclusão é que o Brasil continua precisando de um moderno e mais completo Código Florestal, pois na sua forma atual, a Lei 12.651/2012 não está funcional, com muitas lacunas e imprecisões, gerando séria insegurança jurídica, sem oferecer a necessária sustentabilidade ambiental, o que afinal também compromete o agronegócio. A MP 571/2012, para ser responsavelmente aprovada, ainda requer importantes modificações e aperfeiçoamentos fundamentadas na ciência e tecnologia!
Se a comunidade científico-tecnológica, com seu capital acumulado de valiosos e úteis conhecimentos, não for ouvida ao longo da reta final de tão relevante construção legal para o país, o resultado poderá não levar ao futuro próspero e sustentável almejado pela sociedade, vontade tão eloquente e democraticamente expressa em manifestações em todo o País. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências continuarão comprometidas com a construção de um instrumento legal em que haja equilíbrio e vibrante sinergia entre produção agrícola e sustentabilidade ambiental.”
Cordial e Respeitosamente,
Helena Bonciani Nader – presidente da SBPC
Jacob Palis – presidente da ABC
José Antônio Aleixo da Silva – Coordenador do GT Código Florestal