O uso da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia foi o tema de uma mesa de debate realizada pela ABC durante o “Forum on Science, Technology & Innovation for Sustainable Development”. O evento reuniu autoridades mundiais em sustentabilidade na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), entre os dias 11 e 15 de junho, e funcionou como um preparatório para a conferência Rio + 20.


Bertha Becker, Carlos Nobre, Jacob Palis, José Carlos Ferraz e Helena Nader

Coordenada pelo presidente da ABC, Jacob Palis, a mesa teve a participação dos Acadêmicos Carlos Nobre, secretário de Políticas e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Bertha Becker, geógrafa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista em Amazônia; e Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), além do vice-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), José Carlos Ferraz.

Combate à pobreza e busca de novos potenciais

Bertha Becker mencionou o documento “Amazônia: Desafio Brasileiro do Século 21 – a necessidade de uma revolução científica e tecnológica“, elaborado por um grupo de estudos da ABC em 2008. “Continuamos pensando nessas propostas, mas precisamos introduzir novos elementos”, comentou.

Segundo a Acadêmica, a Amazônia é uma expressão dos temas do Fórum em geral. “É uma imensa riqueza verde, para a qual devemos ter um novo modelo de desenvolvimento. Ao mesmo tempo, é uma região muito pobre, então também precisamos pensar na erradicação da pobreza. E não existe uma conexão clara entre essa riqueza verde e o combate à miséria.”

Pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Biodiversidade e Uso da Terra da Amazônia, a geógrafa relatou, ainda, que, além da população, a região como um todo também é pobre. “Mesmo com todas as riquezas, a Amazônia só contribui com 8% do PIB brasileiro e gera poucos produtos.” Becker alertou que o lugar está se tornando uma fronteira para os mais desfavorecidos, de forma que a maioria dos assentamentos de pessoas pobres no Brasil está localizada na Amazônia. “Isso sem mencionar as migrações internacionais, de regiões como África, Índia e Haiti.”

A Acadêmica sugeriu se pensar em políticas para os núcleos urbanos – onde vivem 70% da população da Amazônia – melhorando as questões sociais e logísticas. “Eles não têm serviços, medicamentos, nada. Hoje temos políticas nacionais para atender as florestas, mas elas se tornaram inabitáveis, sem pessoas, porque estas estão se mudando para as cidades.” Bertha também destacou a importância de reconhecer o papel das populações amazônicas nas decisões acerca do processo de desenvolvimento.

Segundo Becker, a ciência e a tecnologia são essenciais para se recuperar a tradição e cultura da Amazônia e alegou que a pesquisa e o desenvolvimento (P&D) de modelos mais avançados são necessários para o conhecimento da região e para se descobrir novos potenciais. “Hoje, temos tantas mudanças no planeta que novas potências têm que ser desvendadas.” O fundamento é: ciência, tecnologia e inovação devem promover novos padrões de desenvolvimento sustentável na região amazônica, e a condição necessária para isso é explorar o conhecimento tradicional, a pesquisa de inventário e P&D.

Bertha Becker pontuou ainda a importância de valorizar os diferentes caminhos para o desenvolvimento sustentável. “Estamos falando de sustentabilidade global, mas é preciso saber muito mais sobre o planeta.” Sobre a economia verde, a pesquisadora foi taxativa: “Eu diria que a Amazônia já é verde! Lá se usa pouca energia, e o que ela produz é consumido fora da região”. Ela acentuou que o caminho para a economia verde é a economia de baixo carbono e a redução do consumo de energia e do uso de matéria prima, e para isso novas tecnologias são necessárias. “É muito importante reduzir o desperdício, em todos os setores da nossa vida.”

Um novo modelo econômico

O climatologista Carlos Nobre reiterou que é imprescindível a Amazônia passar por uma revolução cientifica e tecnológica. Segundo o Acadêmico, não é coincidência que, nos últimos anos, muitos pesquisadores passaram a tomar posições de políticas científicas, situação da qual é preciso obter vantagens.

Secretário do MCTI, ele informou que as recomendações do documento elaborado pela ABC têm sido levadas a sério, de modo que alguns pontos já foram implementados. Ele ressaltou, ainda, a necessidade de interconectar a vasta região da Amazônia em termos de telecomunicação. “Também precisamos desenvolver a capacidade científica do lugar e extrair valor do coração da floresta”, afirmou Nobre, alegando que, para isso, é importante criar mais empresas, universidades, laboratórios de P&D e parques tecnológicos na região.

Nobre acentuou que a Amazônia deve ser descentralizada e vivenciar a criação de um novo modelo econômico: “Tem que haver um mecanismo para descobrir novos produtos – criando tecnologias que possibilitem essas descobertas -, para gerar inovação que mantenha a vitalidade da floresta e, ao mesmo tempo, a economia.” Ele declarou que essa revolução na Amazônia poderia, inclusive, servir de exemplo para regiões como o Sudeste Asiático e a África.

O Acadêmico defendeu que os benefícios dessa nova economia devem ser utilizados na erradicação da pobreza e citou o caso do açaí que, apesar de se tornar uma grande indústria na região, tem poucos resultados na melhoria das condições de vida da população da Amazônia. “A inclusão social é um dos aspectos mais importantes, então temos muito o que fazer a esse respeito.”

Atração de pesquisadores para a Amazônia

A presidente da SBPC, Helena Nader, declarou que a Amazônia é uma questão nacional e global e defendeu que a educação tem um papel crucial para um melhor entendimento da situação. “É muito claro que todos nós queremos a floresta em pé, mas é preciso compreender o custo disso. A população também quer, por exemplo, ter acesso à internet como todos nós”, comentou.

Em relação ao desenvolvimento sustentável requerido para a Amazônia, a Acadêmica afirmou que ele deve ser evolutivo e único. “Não há modelos para serem copiados, uma vez que não existem países desenvolvidos ou em desenvolvimento na mesma situação. Então temos que descobrir como enfrentar esse desafio.”

Nader observou também que, apesar de o Brasil já ter investido em instituições de pesquisa na Amazônia, um dos desafios é atrair e manter pesquisadores qualificados na região: “Eles precisam de bons salários para serem estimulados a irem para lá. Precisamos de programas políticos que criem boas condições de pesquisa. Como conseguir, por exemplo, o equipamento necessário para se desenvolver projetos na Amazônia?” Ela lembrou que há vários programas para estimular a ida de pesquisadores para a região, mas eles não são articulados. “Precisamos de políticas estatais, não apenas governamentais.”

A palestrante acentuou, ainda, que precisamos nos comunicar com os países vizinhos, uma vez que a região amazônica não é restrita ao Brasil. “Quando eu nasci, há 64 anos, já se falava que a Amazônia era o futuro. Hoje, eu continuo escutando a mesma coisa. Não quero morrer ouvindo ainda que ela é o futuro.”

A dificuldade de um acordo

O vice-presidente do BNDES, José Carlos Ferraz, alertou que um dos pontos mais importantes a ser discutidos é a contradição enfrentada pela maioria dos brasileiros: “Temos que discutir como essa sociedade pode continuar crescendo, mas com qualidade”.

Ele disse ser preciso levar em consideração que o desenvolvimento não é como um “nirvana” – mas sim um processo não balanceado, que cria tensões.

Nesse contexto, Ferraz declarou que o BNDES não está à frente ou atrás desse processo, e sim acompanhando-o. “Se o Brasil perde sua direção, o mesmo acontece com o BNDES.” Ele afirmou que, em uma discussão interna, há aproximadamente cinco anos, foi determinado que o meio ambiente era uma “missão” merecedora de atenção. “Temos que supor que a sustentabilidade social é possível, desenvolver políticas e seguir em frente.”

Em relação aos investimentos na Amazônia, Ferraz comentou a dificuldade que se estabelecer acordos que agradem todas as partes: “Isso envolveria talvez dois ou três estados, quatro ou cinco distritos, cinco ou seis ministros. Todos estes têm que ser colocados na mesma direção. Por isso é muito complexo determinar políticas na democracia”. O vice-presidente do BNDES complementou dizendo que, ao mesmo tempo, não podemos implementar políticas públicas e privadas sem um quadro analítico, organização e teorias. “Sem isso, nos perdemos no caminho e o trabalho não tem efeito.”