Nos dias 4 e 5 de maio, no Workshop Regional sobre Doenças Não-Transmissíveis – Prevenção e Controle de Doenças Cardiovasculares e Câncer, realizado na Academia Brasileira de Ciências, foram debatidos a prevalência do câncer em diversos países e estratégias adotadas para diminuir os índices de morbimortalidade, como campanhas contra o tabagismo. O presidente da Academia Nacional de Medicina e cirurgião oncológico, Marcos Moraes, trouxe dados animadores da luta antitabagista no país. Em sua conferência, ressaltou o apoio da presidente Dilma Rousseff e da mídia contra a indústria do tabaco nesses últimos anos. “No início, a mídia era bastante reticente, mas um importante marco dessa luta foi a divulgação pela revista Veja, em 1996, da adição de produtos como amônia nos cigarros para aumentar a dependência dos fumantes.
Em seu relato histórico, Moraes ressaltou alguns dos importantes passos dessa batalha. Entre os quais, o trabalho profundo de educação nas escolas, desde 1980, para evitar que os jovens sejam vítimas da indústria tabagista. Esse trabalho alcança hoje a marca de 14 mil escolas em todo o país – cerca de 118 mil professores e mais de 2 milhões de alunos. Moraes ainda relatou que, em 2003, houve a implantação de um comitê nacional envolvendo 18 diferentes setores para traçar uma política restritiva ao tabaco. “O maior desafio ainda é a interferência da indústria tabagista na política nacional”, disse. O problema é que o Brasil é o segundo maior produtor de tabaco e, em três estados do Sul do país, as plantações de tabaco ainda representam um importante item da agricultura nacional e de subsistência para muitas famílias.
Moraes ressaltou a proibição da propaganda nos meios de comunicação, em eventos esportivos e culturais. Também destacou a proibição do uso do termo light nos maços de cigarro e a inclusão de imagens chocantes. Por último, relatou a conquista de 2012 que não permite mais a adição de sabores, como menta, nos cigarros. O presidente da ANM ainda explicou aos médicos das Américas o programa de ajuda a quem quer parar de fumar, que inclui terapia e medicamentos. Com toda essa campanha, a prevalência de fumantes no país, agora, é menor do que 15%, diferente de 1989 quando era de 37% de fumantes.
Repersentando a América Central, o médico Joaquim Barnoya, da Guatemala, falou sobre a ausência de pesquisa nacional de prevalência do tabagismo. “Infelizmente, a falta desse dado não nos permite identificar qual é o exato número de fumantes, quantos éramos e qual o impacto das campanhas restritivas. Acreditamos que seja algo em torno de 25% entre os homens e só 3% entre as mulheres.
Infelizmente, não há dados numéricos sobre ex-fumantes,” afirmou Barnoya. Segundo ele, as políticas de controle do tabaco implementadas pelo governo da Guatemala nos últimos quatro anos têm respeitado o tratado assinado que visa a redução de fumantes. No entanto, só há uma emenda do governo que foi cumprida a partir de 2009: a que trata da proibição de fumar em ambientes fechados.
Barnoya explicou que a propaganda no país é regulamentada pela própria indústria tabagista. Não há propaganda nas televisões, rádios ou outdoors, mas é muito popular nos pontos de venda. Curiosamente, a Guatemala é o único país do mundo onde não há imposto para a comercialização do tabaco. O imposto que há se aplica somente sobre a venda. Os políticos consideraram que uma bitributação como essa seria inconstitucional.
Outro aspecto negativo é que não há um programa nacional para cessação do fumo. “Se você deseja parar de fumar na Guatemala, será preciso ir ao menos a quatro farmácias até encontrar a terapia adequada e, quando a encontrar, esta custará o dobro do que um maço de cigarro. Soma-se a isso o fato que não há um programa público contra o tabaco e o Estado não disponibiliza nem ao menos um serviço no estilo Disque pare de fumar”, afirmou.
No México, a situação é um pouco diversa. O médico Juan Verdejo explicou que há 10 anos se reconheceu o dano do tabaco à saúde e, em virtude disso, foi proibida a publicidade do tabaco em todos os meios de comunicação de massa e, posteriormente, em eventos esportivos. “Muitos dos eventos esportivos eram financiados pela indústria tabagista. Há cinco anos, inicialmente na Cidade do México e depois em todo o país, veio a proibição de se fumar em locais públicos fechados. Primeiro nos hospitais e escolas, depois nos locais de trabalho e agora é lei e funciona, perfeitamente, em todo o país com sanções específicas”, explicou. Com isso, o país conseguiu reduzir em 1,7% o número de fumantes nos últimos dez anos. Hoje, a taxa de tabagistas é de 22% da população. “Para nós, o ideal é alcançar uma sociedade livre sem tabaco nos próximos dez anos.”
Para isso, há no México uma comissão específica chamada de “Comissão contra o vício” que trata da questão em âmbito nacional. Os institutos nacionais de saúde no México têm programas públicos para apoio aos pacientes que queiram deixar de fumar. “O programa consiste principalmente de informação, terapia, medicamentos. Todos eles gratuitos”.
Entre os cubanos, os índices são semelhantes a de outros países das Américas. Mais de 35% respondentes de uma enquete nacional disseram que fumaram alguma vez na vida. Atualmente, 23,7% são fumantes, índice que apresentou uma queda significativa se for comparado a 1995, quando 36% da população cubana era composta por fumantes.
A presidente da Academia de Medicina de Nova Iorque, Jo Ivey Boufford (à esquerda), também trouxe dados interessantes sobre as campanhas contra o tabagismo nos Estados Unidos. Ivey mostrou que a cada campanha houve uma queda expressiva no número de fumantes. Em 2002, quando aconteceu o aumento nas taxas dos cigarros, a porcentagem de fumantes era de 21,5% da população; em 2003, quando se proibiu fumar em locais fechados, caiu para 19,2%; em 2009, com o aumento da taxação federal sobre os maços, o número de fumantes decresceu para 14%, mostrando que a política contra o tabagismo é essencial.
Um dos organizadores do evento, o Acadêmico Marcello Barcinsky, fez um balanço desses dias e disse que mais do que resultados específicos de cada país, o encontro foi produtivo no sentido de se discutir a percepção sobre o papel das Academias de medicina e ciência de cada um dos países participantes. Segundo ele, “a interação entre as diversas Academias pode ter um papel muito importante numa discussão mais ampla de como elas podem se comunicar com seus respectivos governos e com o público em geral. Qual é de fato o papel dessas instituições: é na formulação de programas nas áreas de prevenção, promoção de saúde, tratamento ou diagnóstico?”, questionou. Já para Marcos Moraes, a importância do evento centra-se, principalmente, na possibilidade de se incrementar, a partir de agora, a parceria entre as Academias, definindo desafios e estratégias para alcançá-los.