Um processo acaba de ser revertidoa favor do avanço da computação quântica, o que se pensava ser impossível. Foi o que um grupo de pesquisadoresbrasileiros descobriu no trabalho “Computação quântica com fontes incoerentes esaltos quânticos”, que foi publicado em 27 de abril na revista Physical ReviewLetters.
O grupo é composto por jovens autores, sendo eles oAcadêmico Marcelo Terra Cunha, do Departamento de Matemática da UniversidadeFederal de Minas Gerais (UFMG); Marcelo França Santos, do Departamento deFísica da UFMG; André Carvalho, da Australian National University (ANU); eRafael Chaves, pós-doutorando no Instituto de Ciências Fotônicas (ICFo), emBarcelona.
Parceria de longadata
A relação com a área da computação vem desde após-graduação, quando o Acadêmico, então doutorando da UFMG, se juntou a um grupoda Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para organizar um evento.”Conheci o Marcelo França na faculdade de física da Universidade Estadual deCampinas (Unicamp). Depois, ele seguiu na UFRJ, onde conheceu o André, e eu fuipara a UFMG, lugar em que ministrei aulas mais tarde para o Rafael”, diz TerraCunha. “Durante o doutorado, eles eram um grupo de Óptica Quântica e euparticipava de um grupo de Minas voltado para Sistemas Quânticos Abertos.Estávamos entre os primeiros grupos brasileiros a darem atenção à área”.
Em 2006, com a contratação de França na UFMG, ele e TerraCunha fundaram o grupo de pesquisa Emaranhamento e Propriedades Quânticas daLuz (EnLight, na sigla em inglês). “Os outros dois iniciaram suas carreiras noexterior e, no ano de 2010, o André e o Marcelo começaram suas primeirasexperiências no sistema de proteção de estados quânticos, que virou a primeirafase deste trabalho de 2011”, relata. Depois disso, ele e Chaves se juntaramaos outros dois pesquisadores para ir além de proteger, e conseguir, de fato,computar.
Transformandovilões em mocinhos
Iniciado em 2011, o projeto visa utilizar dois fenômenosfísicos para realizar algoritmos de computação quântica. No entanto, eles costumamser fontes de problemas, o que elimina qualquer vantagem que essa computaçãopossa ter sobre a clássica. “O que nós conseguimos foi encontrar uma maneira devirar o jogo”, explica Terra Cunha.
Ao que tudo indica, o poder computacional de uma máquinaquântica seria superior àquela utilizada nos dias de hoje, conhecida pelafamosa linguagem do código binário e seus bits formados por zero ou por um. Emuma ferramenta quântica, um bit, que é uma unidade de informação, poderia serocupado, ao mesmo tempo, pelas duas alternativas, o que aumenta a capacidadelógica da máquina. Muitos cientistas realizam pesquisas que são verdadeirassimulações de como um computador quântico funcionaria e como ele poderiaresolver cálculos com muito mais facilidade.
Os principais interessados
De acordo com Terra Cunha, entre os países que maisinvestem na área estão os Estados Unidos, países do bloco Europeu e outrasnações asiáticas, como Singapura, com o seu Centro para Tecnologia Quântica.
Por trás disso, existe um setor governamental muito empenhadono assunto que são as agências de inteligência, preocupadas com a capacidadedesse computador em descobrir dados sigilosos, transações de informações secretasetc. “Para isso, elas investem na criptografia quântica, que estuda como épossível evitar a violação da codificação desses dados”, acrescenta.
“Combater barulhocom mais barulho”
O matemático observa que os efeitos analisados pelo grupoacontecem em níveis subatômicos e em escalas microscópicas. Eles não sãoperfeitos e sofrem com as condições de perda de energia, entre outros fatores, o que prejudica a robustez dessa super máquina. “Esses fatores nos impedem deconstruir os computadores, quando as características boas seriam altamenteexploradas para produzir os bits quânticos”, explica.
Uma das etapas da pesquisa, que envolve um elemento óptico
Deste modo, os quatro jovens cientistas buscaram isolar eproteger o sistema o máximo possível, de modo a preservar as qualidadesdesejadas. Mas como eles realizaram isso? “Percebemos que ao adicionar mais imperfeição,mais ruído, podíamos reverter e estabilizar a situação. Depois, monitoramostodas as etapas para conseguir intervir na hora de montar as portas lógicas(bits) e selecionar as alternativas de computação mais interessantes que semostraram possíveis”, afirma Terra Cunha.
Fazendo uma analogia, o Acadêmico comparou esse processoa uma pintura aleatória, porém anteriormente planejada: “Imaginemos umatela dividida em pequenos pedacinhos que são coloridos com as mais diversascores. Mas imaginemos também que, assim que certo pedaço da tela receber a cor desejada, colocamos um papel protetor por cima dele para que nenhuma outra cor se misture à primeira. Depoisde esperar tempo suficiente – e esse tempo não é muito grande – todos ospedaços da tela já estarão protegidos. Nesse instante, podemos parar de pintare, ao retirar os papéis, teremos a pintura selecionada”, considera. E elecompleta a explicação: “Nesse caso pode parecer bobo porque já sabíamos apintura que deveria emergir. Na hora da computação, nós controlamos, de forma parecidacom a aplicação dos papéis, apenas o algoritmo a ser realizado. O resultado dacomputação emergirá, como se fosse a primeira vez que vemos a Monalisa”.
Do ponto de vista prático, a pesquisa não tem aplicaçãoimediata, pois ela depende de um controle ideal da situação. “Não podemosestragar o procedimento. Temos sempre que estar vigilantes”, aponta omatemático. Ainda assim, ele acredita que os testes de operação de portas lógicasde apenas dois bits, em vez de um grande número para constituir um computador, possam ser feitos em um cenário de aproximadamente cinco anos.