José Galizia Tundisi, Mauricio Tolmasquim, Bertha Becker,
Luiz Pinguelli Rosa, Maria Teresa Fernandez Piedade e Mariano Re

Amazônia, hidrelétricas e a usina de Belo Monte foram alguns dos principais assuntos da sessão sobre “Água, Energia e Desenvolvimento: Desafios para um Brasil Sustentável”, que aconteceu no primeiro dia da edição de 2012 da Reunião Magna da ABC. A mesa de debate teve apresentações da geógrafa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Bertha Becker; da bióloga do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) Maria Teresa Fernandez Piedade; do diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe-UFRJ), Luiz Pinguelli Rosa; do presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Mauricio Tolmasquim; e do pesquisador do Instituto Nacional Del Agua (INA) da Argentina Mariano Re. O Acadêmico José Galizia Tundisi coordenou a sessão.

Menos hidrelétricas e mais pesquisa e inovação na Amazônia

Membro Titular da ABC, Bertha Becker falou sobre a questão da energia hidrelétrica que, apesar de ser renovável e ter um enorme potencial, não é muito eficiente no que diz respeito à geração e distribuição, demonstrando a necessidade do país de diversificação energética. A geógrafa ressaltou que é importante pensar em um planejamento integrado e buscar desenvolver inovações em relação ao uso da água e à produção de energia. Especialista em Amazônia, Becker comentou, ainda, que a região é o maior paradoxo no Brasil entre abundância de água e falta de acesso social: “Ela abriga 18% de água doce do mundo e a população não consegue usufruir disso e nem tem rede de esgoto”.

A Acadêmica informou que a Amazônia brasileira e a sulamericana são locais preferenciais na implantação de hidrelétricas, mas criticou a quantidade de usinas que se planeja construir na região (veja, no mapa abaixo, os pontos em vermelho, que representam as usinas planejadas): “Serão necessárias tantas hidrelétricas na Amazônia? Uma ou outra são aceitáveis, mas não precisamos disso tudo no coração florestal”.

A Acadêmica questionou como será gerida institucionalmente a água compartilhada da bacia. “Teremos uma agência global, regional? Ninguém pensa nesse ponto, que vai eclodir em breve.” Bertha Becker defendeu que a Amazônia deveria ser um campo de experimentação no sentido de “dar um tempo” para a pesquisa e a inovação descobrirem novas formas de uso múltiplo da água que atendam a população. “É tempo de criar para a região o que eu chamo de Instituto do Coração Florestal, destinado a desenvolver um pensamento estratégico para a Amazônia, pois mais da metade do território fica sendo alvo de ações desarticuladas, desestruturando um patrimônio fantástico.”

Previsão de cheias e secas para salvar colheitas

A pesquisadora do INPA Maria Teresa Fernandez Piedade abordou o tema das áreas úmidas da Amazônia – aquelas em que a água predomina por um tempo suficiente para selecionar comunidades de plantas e animais. São regiões que correspondem a quase 30% da bacia amazônica e nas quais os rios sofrem pulsos de inundações anuais, sendo inacessíveis para hidrelétricas. Segundo a bióloga, é possível que a Amazônia viva, este ano, a sua maior cheia. “Os governos estaduais acham que não existem formas de se prever essas cheias”, afirmou Piedade. “Modelos de previsão de cheias e secas são importantes para evitar danos e prejuízos para as populações nas zonas urbanas e rurais e os setores socioeconômicos da Amazônia.”

Entretanto, ela ressaltou que, atualmente, os cientistas conseguem fazer previsões com uma margem de erro relativamente baixa, com base na observação das alternâncias entre cheias e secas. “Assim, é possível informar o agricultor da várzea que ele vai perder a colheita se não colher um pouco antes. 60% da população da Amazônia dependem disso pras suas atividades.” Piedade declarou, ainda, que há uma tendência das cheias serem cada vez maiores e as secas, mais extremas. E informou que, mais do que as mudanças climáticas, o desmatamento é a principal ameaça imediata para esses ambientes. “Isso indica a necessidade de políticas adequadas que assegurem a preservação do local e suas múltiplas funções ambientais”, salientou.

Prioridade é usar fontes alternativas

O diretor da Coppe-UFRJ e Acadêmico, Luiz Pinguelli Rosa, começou sua apresentação questionando se a hidreletricidade é sustentável e apresentando prós e contras: há um impacto ambiental e social da construção dos reservatórios e as hidrelétricas emitem gases estufa, mas muito menos que as termelétricas, movidas a combustíveis fósseis. Além disso, como já dito antes, é uma energia renovável.

“Existem as usinas a fio dágua que minimizam reservatórios e resolvem parte do problema, mas a capacidade é muito baixa, como é o caso de Belo Monte”, informou o engenheiro, que também é secretário do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. De acordo com Pinguelli, o Brasil consome muita eletricidade, mas o potencial de hidroeletricidade usado no país é modesto – cerca de 1/3 da capacidade. Entretanto, mais de 80% da nossa geração elétrica deriva deste tipo de energia, porcentagem mais baixa apenas que a da Noruega. “A geração hidrelétrica no mundo continua a se expandir, embora em ritmos diferentes, mas, de modo geral, as tendências são semelhantes, com exceção da África e da América do Sul e Central, porque não utilizam todo o potencial existente”, acentuou. “Comparando energia hidroelétrica, termoelétrica, nuclear e alternativas, a primeira é a mais rentável e gera um alto nível de empregos, mas é a mais cara em termos de investimentos e construção.” Deste modo, ele ressaltou que a prioridade é expandir a geração com o uso de fontes alternativas, como biocombustíveis, energia eólica, solar e oceânica.

Ainda assim, em relação a Belo Monte, o Acadêmico ressaltou que a área de inundação da usina já foi bastante reduzida, diminuindo muito o impacto que ela teria. “O preço é relativamente baixo, a área é menor que a de Itaipu e a potência é 200 vezes maior que a de Balbina.” Ele lembrou também que nenhuma hidrelétrica tem fator de capacidade de 100%. No Brasil, esse índice fica um pouco acima de 50%, enquanto a média dos outros países é bem menor. A capacidade de Belo Monte ficaria em torno de 42%.

“Preservação e desenvolvimento são compatíveis”

O engenheiro da UFRJ Mauricio Tolmasquim afirmou que todos os brasileiros devem se orgulhar do país que, mesmo sendo a sexta economia do mundo, é responsável por apenas 0,3% das emissões de gases do efeito estufa. “A China emite 100 vezes mais que o Brasil”, comparou. Além disso, enquanto no planeta apenas 20% da energia elétrica vêm de fontes renováveis, no Brasil são 90% (sendo que mais de 80% é hidráulica). “O país tem o terceiro potencial hidrelétrico do mundo, ficando atrás da China e da Rússia. 60% deste potencial que ainda nos resta utilizar está no bioma amazônico, o mais rico do planeta em termos de biodiversidade, então temos o dever de protegê-lo.” Tolmasquim alegou, no entanto, que é errada a ideia de que, para proteger, não se pode “tocar em nada”: de acordo com o palestrante, é possível preservar a Amazônia e desenvolver o país.

Ele afirmou que a vantagem da matriz energética do Brasil é que o ciclo dos ventos é complementar ao ciclo das águas. Além disso, mencionou a questão dos reservatórios, que funcionavam como uma “poupança de água” que o setor elétrico tinha para os momentos de seca: “Dava para o Brasil passar de três a quatro anos de seca sem problemas, mas hoje o nível dos reservatórios está caindo. Como não se pode mais construí-los, por questões ambientais, eles estão ficando cada vez mais vazios.”

Tolmasquim falou sobre as hidrelétricas nas áreas antropizadas, afirmando que qualquer coisa que gere bem para o país e dano para a localidade é inaceitável: “Tem que gerar bem para a comunidade local também”. Ele lembrou, ainda, de Belo Monte, uma vez que 60% da área que será ocupada pela usina é totalmente antropizada, composta por pastagem e vegetação secundária – não por florestas. “A população que vai ser deslocada vive em palafitas, em condições deploráveis, em Altamira. Será que eles querem viver naquela miséria? As casas construídas para essas comunidades são muito melhores (mas eles também podem escolher receber dinheiro), e as escolas também. Além disso, vai ter saneamento para 100% da população, algo que não existe no Brasil.”

O engenheiro completou, afirmando que outras comunidades serão atingidas indiretamente – Paquiçamba, Arara da Volta e Juruna. Concluiu dizendo que foram gastos bilhões de reais para não se interferir na vida de 225 pessoas. “Devemos respeitar e tentar manter as condições dos moradores daquela região, não importa o quanto custe.”

Modelos matemáticos para estudos ambientais

O argentino Mariano Re, do Instituto Nacional Del Agua, utiliza a modelagem matemática como ferramenta para compreender processos complexos ao redor de centrais energéticas. Há mais de 40 anos, seu grupo trabalha em bacias hidráulicas e analisa a dinâmica de rios. “Os modelos matemáticos dão respostas quantitativas a uma série de perguntas associadas a um problema”, declarou o engenheiro.

Um dos estudos de caso que apresentou foi o das regiões de Posadas e Encarnación, na Argentina, em que foi utilizado o método da modelagem matemática para ajudar na solução de problemas relacionados a inundações de riachos urbanos. Segundo o palestrante, são vários os elementos usados para construir o modelo matemático: topografia, obras hidráulicas, séries de precipitação, de temperaturas, zoneamento do uso do solo e caracterização do subsolo. “No entanto, é imprescindível a tradução desses resultados matemáticos para que as pessoas que vão desenvolver essas ideias testadas tomem uma iniciativa – ou seja, é importante passar isso para os tomadores de decisão”, salientou Mariano Re.