Coordenada pelo Acadêmico Elíbio Rech, engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa, a sessão realizada dentro da Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2012 tratou de um tema fundamental no âmbito da sustentabilidade. Segundo Rech, mais de um bilhão de pessoas foram subalimentadas no ano de 2009. “Este fato ocorreu não porque não houvesse comida suficiente, mas em função das pessoas serem muito pobres para comprá-la.”
O desafio mundial hoje, de acordo com o coordenador da sessão, é produzir alimentos em quantidade suficiente com o equilíbrio requerido entre a produção agro-silvo-pastoril, o meio ambiente e a redução efetiva da iniquidade no setor rural. “Ou seja, há que haver uma intensificação sustentável da produção agrícola”. E como isso pode ocorrer? Através da ciência e da tecnologia de fronteira, que desempenham um papel imperativo nesse processo. “É através da CT&I que poderemos garantir a produção com um rendimento consistente da produtividade e redução da utilização de insumos renováveis, evitando assim o esgotamento da biodiversidade, dos recursos naturais e garantindo a proteção aos ecossistemas.”
Rech ressaltou que o Brasil tem a maior megabiodiversidade do mundo e que é isso que sustenta o agronegócio. As políticas públicas voltadas para resolver o problema da pobreza no campo têm sido bem intencionadas, mas não tem sido bem sucedidas. “O pequeno agricultor, de início, precisa um arado e de acesso à água – mas isso não basta. Nossas políticas públicas não garantem um setor produtivo baseado em educação no meio rural e é a educação que faz gerar uma perspectiva nova, que faz a população do campo vislumbrar uma vida com maior qualidade”. A quebra de paradigma, para Rech, tem que ser no sentido de trazer os milhões de agricultores para usar inovação no sistema agropecuário. “É nesse cenário que convidamos os seguintes palestrantes para esse evento.”
Mauro de Rezende Lopes, Elibio Rech, Luciano Paulino da Silva e Mauricio Antonio Lopes
Inovação agropecuária: impactos na segurança alimentar e nutricional
O diretor-executivo de Pesquisa & Desenvolvimento da Embrapa Mauricio Antonio Lopes, engenheiro agrônomo, falou sobre a trajetória recente da agricultura brasileira – um dos países que vem caminhando mais firmemente na direção da sustentabilidade, buscando a inserção dos milhões de agricultores brasileiros que estão fora do mercado.
Lopes relembrou que, até os anos 60, o Brasil ainda padecia de insegurança alimentar. “A produtividade agrícola era baixa e a produção era muito concentrada no Sul e Sudeste. O Brasil era conhecido como produtor de café e açúcar apenas”. Havia crises constantes de abastecimento e pobreza rural, uma total falta de conhecimento em agricultura tropical e ausência de políticas de promoção da inovação agropecuária.
Dos anos 60 aos anos 90, segundo o palestrante, ocorreu o grande salto para o futuro, com inovação agropecuária e expansão da agricultura brasileira. “Os ganhos foram extraordinários e a agricultura migrou do Sul e Sudeste para o Centro-Oeste”. Os principais fatores que possibilitaram esse desenvolvimento foram o suporte governamental com políticas públicas, a ênfase em desenvolvimento científico e tecnológico e a disponibilidade de grandes extensões de terras agricultáveis, adequadas para mecanização e com clima adequado. “Os solos tinham características físicas adequadas, contando com recursos minerais como calcário e fosfato. E mais ainda, contamos com o fator humano: os fazendeiros empreendedores”, destacou Lopes.
O desenvolvimento de um sistema avançado de inovação agropecuária no Brasil, portanto, contou com a criação e integração de organizações estaduais, universidades e faculdades agrícolas e a Embrapa. Assim, o país se tornou um grande produtor de soja tropical, investindo em cultivares adaptadas, fixação biológica do nitrogênio, plantio direto e mecanização. Surgiu o milho tropical de alto desempenho e o Brasil se tornou grande produtor de maçã no período de 1970 a 2000. “O país alcançou a segurança alimentar em tempo relativamente curto: hoje, cerca de 70% do que produzimos é consumido no país os outros 30% é exportado para centenas de mercados ao redor do mundo, o que faz do Brasil um dos maiores exportadores de alimentos”, avaliou Lopes ressaltando que “dos anos 60 até hoje, o valor da cesta básica caiu pela metade.”
Fazendo um resumo dos avanços mais importantes, o engenheiro destacou a drástica redução da erosão do solo, com melhoria das suas propriedades químicas, físicas e biológicas; a redução do uso de energia; a genética de alta performance; os sistemas de produção altamente especializados e, consequentemente, a constante elevação da produtividade. De acordo com Lopes, esses fatores tornaram a agricultura brasileira altamente competitiva e responsável por grandes contribuições para o desenvolvimento do país.
Mas a partir desse quadro positivo, sabemos que nem tudo são flores: hoje existem riscos, desafios e oportunidades. As maiores preocupações, para Lopes, envolvem os impactos ambientais e sociais, os desequilíbrios regionais e as pressões sobre biomas frágeis. “Enfim, precisamos ampliar o entendimento dos impactos do processo de inovação em múltiplas dimensões”, alerta o pesquisador.
Apesar de termos uma agricultura empresarial reconhecidamente competitiva, ainda existe no Brasil uma agricultura carente e descapitalizada, à margem do mercado. As regiões tropicais são desafiadoras para a produção agrícola, pois estão sujeitas à intensificação de estresses térmicos, hídricos e nutricionais em função de mudanças climáticas. Lopes destaca ainda que, além disso, a agropecuária é responsável por inúmeros tipos de emissões poluentes, em função da utilização de fertilizantes nitrogenados, da fermentação entérica, do manejo de dejetos animais, da queima de resíduos agrícolas e de biomassa, que produzem metano e óxido nitroso.
O palestrante afirmou que agora estamos vivendo a emergência de um novo paradigma: o da economia verde, caracterizada pela consciência de que crescimento e sustentabilidade não são conceitos antagonistas, mas complementares. “A prosperidade econômica só vale a pena se andar junto com melhorias sociais e ambientais”, alertou Mauricio Lopes. O pesquisador concluiu destacando que é preciso trabalhar no sentido de promover maior integração entre alimentação, saúde e nutrição. “Na saúde, o paradigma da cura tem que ser substituído pelo paradigma da prevenção e a agricultura tem um papel importante nessa mudança, aumentando a densidade nutricional dos alimentos.”
Pobreza de estatística sobre a estatística da pobreza
O professor do Instituto Brasil
eiro de Economia, Inovação e Segurança Alimentar da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV-RJ) Mauro de Rezende Lopes, pós-doutor em Economia Agrícola, afirmou que a segurança alimentar ainda não é um problema no Brasil de hoje. “Somos um dos oito maiores produtores mundiais de alimento, o problema é a distribuição”, explicou Lopes. A inovação nessa área deve priorizar soluções para a pobreza rural e urbana, para garantir a segurança alimentar no futuro. “Em torno de 70% dos produtores rurais do Brasil são da classe D e E: a metade ganha menos de meio salário mínimo mensal, mais da metade está no Nordeste. A pobreza urbana é, em grande parte, a pobreza rural que mudou de endereço”, relatou Rezende Lopes, destacando que a dimensão do problema é muito maior do que se pode resolver com crédito rural – “requer tecnologia.”
eiro de Economia, Inovação e Segurança Alimentar da Fundação Getúlio Vargas (IBRE/FGV-RJ) Mauro de Rezende Lopes, pós-doutor em Economia Agrícola, afirmou que a segurança alimentar ainda não é um problema no Brasil de hoje. “Somos um dos oito maiores produtores mundiais de alimento, o problema é a distribuição”, explicou Lopes. A inovação nessa área deve priorizar soluções para a pobreza rural e urbana, para garantir a segurança alimentar no futuro. “Em torno de 70% dos produtores rurais do Brasil são da classe D e E: a metade ganha menos de meio salário mínimo mensal, mais da metade está no Nordeste. A pobreza urbana é, em grande parte, a pobreza rural que mudou de endereço”, relatou Rezende Lopes, destacando que a dimensão do problema é muito maior do que se pode resolver com crédito rural – “requer tecnologia.”
As causas prováveis de pobreza no campo, segundo o palestrante, são muito complexas. “Mas, certamente, a tecnologia biológica pode reduzir o número de estabelecimentos rurais e a tecnologia mecânica pode reduzir o número de empregos no campo”, defendeu Rezende Lopes. Recorrer a recursos como DNA recombinante, transgênicos, tecnologia biológica ou microbiologia para obter variedades tolerantes a estresse hídrico, salinidade, pragas e doenças são possibilidades da ciência para atingir os objetivos de mitigar a miséria e a pobreza no campo. “Uma boa aposta é o uso de tecnologia poupadora de capital e insumos caros, com ênfase em produtividade e, ao mesmo tempo, amigável ao meio ambiente”, reiterou o pesquisador. Para ele, a competição entre as empresas ligadas à agricultura é grande e isso ajuda a gerar estratégias tecnológicas e inovação.
Sobre a estatística da pobreza, Rezende Lopes destacou a pobreza da estatística: “Não sabemos quem eles são. As classes D e E podem ser senão o maior, um dos maiores problemas da agricultura brasileira”. Para combater o problema, o pesquisador afirmou ser necessário combinar estratégias de pesquisa com estratégias mercadológicas. “É o que fazem as grandes empresas e por isso são imbatíveis.”
Nanoagricultura e nanodispositivos: reduzindo o impacto ambiental
O Membro Afiliado da ABC Luciano Paulino da Silva, biólogo da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia (Cenargen), apresentou seu trabalho com subprodutos da indústria agropecuária.
Ele citou alguns dos objetivos da agricultura sustentável: prover as necessidades humanas de alimentos e fibras, garantir a qualidade ambiental, o uso eficiente dos recursos, a viabilidade econômica do agronegócio e a qualidade de vida dos agricultores e da sociedade. “Daí a importância da redução dos potenciais impactos dos subprodutos animais – como sangue, penas, ossos, dentes, escamas, pelagens, cascas de ovos – e vegetais – como serragem, fibras, palhas e bagaços – no ambiente”, esclareceu Paulino.
O que podemos encontrar nesses subprodutos?
– A queratina – encontrada na pele, penas, bicos, unhas, garras, escamas de animais – é uma proteína fibrosa impermeabilizante que é muito utilizada em cosméticos.
– Da serragem – resíduo da indústria madeireira – são extraídos compostos orgânicos como a lignina, que tem dezenas de propriedades uteis na indústria . Na construção civil é usada como componente do concreto e cimento, por conferir mais rigidez; serve como matéria-prima renovável que substitui determinados produtos derivados do petróleo; pode ser usada tanto na co-geração de energia quanto na produção de insumos químicos; pode ter aplicação em compostos utilizados como agentes antivirais, agentes sequestrantes (quelantes), preservantes de madeira, estabilizantes enzimáticos, controladores de vazamento de óleo, dentre outros.
– Das cascas de ovos se extrai carbonato de cálcio, um composto inorgânico utilizado para reduzir a acidez do solo na agricultura, que também é indicado para o tratamento de doenças causadas pela deficiência de cálcio como, por exemplo, a osteoporose.
– No veneno das abelhas – subproduto da apicultura – encontramos a melitina, substância muito valorizada no mercado por sua ação antibacteriana, anti fúngica, antiinflamatória, anticâncer etc.
“O sangue dos animais contém hemácias, a partir das quais produzimos micro dispositivos avançados como biosenssores de pH, biosessores de toxicidade, assim como células artificiais para transporte de oxigênio e sistemas de drug delivery”, destacou Paulino, ampliando a lista. “O esperma dos animais nos possibilita desenvolver técnicas de seleção do sexo dos filhotes a serem gerados; a goma do caju, por exemplo, dá origem a filmes condutores, que são nanobiossensores com alta sensibilidade para detectar patógenos; a película do amendoim selvagem, resistente a fungos, pode originar dispositivos aplicáveis a outros produtos agrícolas. E a lista tende ao infinito…”
Esse processo de aproveitamento de resíduos envolve o uso de nanociência – que é a parte da pesquisa básica que gera o conhecimento – e de nanotecnologia, que abrange a pesquisa aplicada, gerando produtos e processos. “Nos resíduos vegetais encontramos polissacarídeos como celulose e quitosana, por exemplo. As nanopartículs da quitosana contêm peptídeos anticâncer que estão sendo estudados. A celulose dá origem a nanofiltros que retiram fungos, bactérias, vírus e metais pesados da água que alimentam as plantas comestíveis”.
Enfim, podem ser desenvolvidos a partir de resíduos agropecuários nanomateriais que, transformados em nanodispositivos, podem ser utilizados na produção de medicamentos, vacinas, pesticidas, fertilizantes, herbicidas, vermicidas e cosméticos, por exemplo. “Os biossensores também tem importantes aplicações na segurança alimentar, porque geram códigos de barras biológicos que identificam qualquer adulteração nos produtos agropecuários, informam sua origem geográfica e atestam sua qualidade.”
O aproveitamento dos subprodutos da indústria agropecuária é uma solução inovadora que agrega valor econômico à produção, diversifica-a – o que tem impacto social positivo – e reduz o impacto ambiental. “É uma área de grandes possibilidades de desenvolvimento tecnológico, com a criação e implementação de novos produtos e processos”, ressalta Paulino.
Conclusão
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A sessão foi concluída com a avaliação de que o Brasil é e continuará sendo um dos principais protagonistas na produção de alimentos no mundo, que deverá ser intensificada de forma sustentável em relação à saúde humana, à segurança alimentar e ao meio ambiente. Para tanto, demandará a criação de políticas públicas, com base em conhecimentos e tecnologias geradas pelas instituições públicas e privadas de pesquisa e universidades, e sua efetiva operacionalização. “É preciso integrar os sistemas agrícolas já conhecidos e dominados com tecnologias avançadas da pesquisa em genômica, transgênicos, microbiologia, biologia sintética e engenharia metabólica”, concluiu o coordenador da sessão Elibio Rech.