Cientistas brasileiros devem se unir e estabelecer maior interação com a sociedade para resolver questões nacionais comuns, defende o ecólogo Jean Paul Metzger, da Universidade de São Paulo (USP). Ele participou da mesa sobre Florestas, que aconteceu no dia 7 de maio, durante a Reunião Magna 2012 e contou com a participação dos Acadêmicos Adalberto Val, Alexandre Luis Padovan Aleixo e Carlos Alfredo Joly como coordenador.
Carlos Joly, Alexandre Aleixo, Adalberto Val e Jean Paul Metzger

 

Alterar esse quadro, segundo Metzger, requer uma mudança de visão da comunidade científica, que tende a encarar a produção e a disseminação do conhecimento como processos lineares, ou seja: pesquisadores geram dados e produtos que são assimilados passivamente pelos indivíduos-usuários. Para o ecólogo, cientistas e sociedade devem se organizar em torno de objetivos comuns, guiados por uma visão sistêmica e transdisciplinar. Como exemplo dessa abordagem sistêmica, Metzger menciona o estágio final do Programa Biota-Fapesp – do qual Joly é coordenador -, iniciado em 1999 em São Paulo, cujo principal objetivo era a caracterização da biodiversidade do estado. “Após oito anos de trabalho, adotamos uma abordagem transdisciplinar a fim de direcionar diretrizes para conservação e restauração da biodiversidade na região; num espaço muito curto de tempo, a Secretaria do Meio Ambiente se apropriou daqueles dados científicos para estabelecer estratégias nessa linha”, conta o pesquisador.
Maior organização e diálogo entre a comunidade científica e outras instâncias sociais foi exigida recentemente em meio à proposta de reformulação da legislação florestal brasileira. A polêmica discussão do novo Código Florestal provocou a manifestação em peso da academia em prol da manutenção de limites estabelecidos no marco legal de 1965. “A comunidade científica brasileira entrou nesse debate, ainda que tardiamente, com uma mobilização única”, lembra Metzger. A partir do Grupo de Trabalho do Código Florestal – liderado pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e pela Academia Brasileira de Ciências – foi elaborado um documento com propostas da comunidade científica a serem incorporadas à nova regulamentação. Apesar disso, Metzger lamenta que pouco dos dados contidos no documento tenha sido incorporado ao novo código.

 

Amazônia fragilizada

 

A nova definição de Área de Proteção Permanente ao longo dos rios, lagos e nascentes – na qual a vegetação nativa terá como parâmetro o nível regular da água em vez da área de alagamento – é, na avaliação do ecólogo, uma das implicações negativas da recente legislação, principalmente para a região amazônica. “Além da perda de serviços ecossistêmicos com essas áreas desprotegidas, isso significa também risco de vida para as pessoas”, diz Metzger, uma vez que esses locais poderão ser ocupados e permanecer sujeitos a constantes alagamentos.
O Acadêmico Adalberto Val, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), lembra que a Amazônia legal – que abrange Tocantins, Mato Grosso e Maranhão para cima – representa mais de 8%do PIB brasileiro, já que 25 milhões de brasileiros vivem ali. “É uma região onde ocorrem extremos, como secas e super inundações. A floresta é o determinante biológico da Amazônia, por conta da diversidade aquática e terrestre”, comenta, acrescentando que só as espécies aquáticas chegam a mais de 400.
Como exemplo vívido dessa diversidade, Val mencionou a Reserva Florestal Adolpho Duke, coordenada pelo INPA. Como se fosse um pequeno morro, o Acadêmico explicou que por toda a sua extensão correm igarapés e rios. “Esses sistemas aquáticos se encontram em lados diferentes, a oeste e a leste. Em nossa última análise de ictiofauna, anotamos diferentes tipos de peixes em cada um dos lados”, observa. Segundo ele, esse aspecto aumenta em escala amazônica, pois existem espécies que são endêmicas da região, ou seja, não se repetem em nenhuma outra localidade do mundo. “É interessante observar também que a região sofre um sistema de adaptação, em nível de fauna e flora, porque os alagamentos são anuais”.
No entanto, tudo depende diretamente da floresta, que é constantemente ameaçada devido ao aquecimento global, expansão da agricultura e ações antropológicas. “Existe uma sala no INPA que simula as condições ambientais de 2100, aumentando quantidade de CO2 e a temperatura”, destaca Val. “Uma simulação que já foi completamente verificada foi a de um fungo específico da Amazônia. Nós o colocamos em quatro ambientes de condições gradativas diferentes e em todas ele aumentou, o que pode interferir em alguma questão biológica local”.
Uma outra questão apontada pelo Acadêmico foi a necessidade de aumento do número de recursos humanos para a Amazônia, acarretando um esforço maior para a capacitação dos próprios habitantes. “Isso é muito grave na região e por uma questão muito simples: a educação infantil de lá não faz um recorte daquele ambiente. O mesmo livro que explica para um menino no Sul do país que os rios são azuis, irá explicar ao menino da Amazônia que lá é a mesma coisa”, avalia. “Ele vai olhar e não vai entender porque o rio dele é preto. Tem um abismo muito grande e falta especialização para esses moradores”.
Por sua vez, o pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) Alexandre Aleixo focou no avanço que as novas ferramentas de biologia molecular têm proporcionado à taxonomia, afirmando que o nível de incerteza taxonômica em relação à fauna brasileira é enorme, bem como falta uma estimativa apurada da biodiversidade. “Com esse avanço que estamos estudando, constatamos que variações morfológicas antes consideradas plasticidade fenotípica de espécies de aves amazonenses, caracterizam, na verdade, espécies distintas que só podem ser separadas através de estudos moleculares”, ressalta. Esse avanço do conhecimento tem demonstrado que diferentes aves têm uma distribuição geográfica muito mais restrita do que anteriormente se pensava. De acordo com ele, embora o fato signifique sérias mudanças no quesito conservação, ele não foi considerado na implantação das atuais Unidades de Conservação.