“Temos desafios para todo mundo e para todos os gostos.” A conferência do ministro de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), Marco Antonio Raupp, que aconteceu dentro da edição de 2012 da Reunião Magna, deixou claro o cenário otimista e inédito vivido pela área, atualmente, mas revelou também pontos que ainda merecem atenção. A participação de Raupp no segundo dia do evento lotou o auditório da ABC de Acadêmicos, estudantes, professores e jornalistas, que puderam conhecer as atuais ações do novo ministro, nomeado este ano pela presidente Dilma Rousseff.
Marco Antonio Raupp deu início a seu discurso saudando “colegas de militância de ciência e tecnologia”, em especial a Acadêmica e presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader. O ministro, que presidiu a SBPC de 2007 a 2011 e foi grande parceiro da ABC neste período, elogiou a continuidade da parceria: “O foco de ambas as instituições é o desenvolvimento da ciência de qualidade no país. Integrar essas duas organizações é muito importante.”
Em seguida, avaliando a situação da ciência no Brasil, Raupp reconheceu que um grande esforço foi feito na gestão do ex-presidente Lula e do ex-ministro de C&T Sergio Rezende: “Nós crescemos bastante, atingimos patamares importantes. Não temos que inventar a roda, começar do zero – precisamos analisar as dificuldades e enfrentar os desafios”.
Ele comentou a evolução do percentual do PIB aplicado em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) no mundo, acentuando que, apesar de os investimentos do Japão, Coreia do Sul e Estados Unidos serem os mais altos, no primeiro país esse valor vem se mantendo no mesmo nível desde os anos 2000, enquanto na Coreia do Sul ele vem aumentando bastante. Tal índice também tem subido na China, mas no Brasil esse crescimento é muito pequeno. “Para ser um BRICS, temos que fazer mais do que isso. Não está ruim, mas também não está bom”, declarou.
Protagonismo e inovação das empresas
Um dos pontos mais enfatizados por Raupp foi a falta de protagonismo das empresas. Ele levou em conta que países como o Japão, Coreia, Estados Unidos, Alemanha e China têm altos investimentos empresariais, enquanto o Brasil, Rússia e Índia têm investimento governamental maior do que empresarial. “Aqui, a separação entre governo e empresa privada é total. Como fazer com que as empresas invistam mais, participem mais, tenham mais mão-de-obra qualificada? É uma questão de política científica.”
O ministro declarou que existe a necessidade de se criar parcerias entre pessoas e empresas, de modo que os dois se responsabilizem pelo resultado – ainda que ele não exista em um primeiro momento: “A lei que regula é tempo certo, preço certo, objeto certo. E na pesquisa todo mundo sabe que não é assim. Todos têm que correr risco em conjunto”.
A inovação nas empresas é um desafio no Brasil, uma vez que existe um sistema industrial forte, mas em um regime fechado, de proteção à atuação dessas empresas. “Multinacionais vêm operar aqui dentro de um mercado retraído. As empresas, para se qualificar, têm que ter capacidade de competir globalmente e, por isso, precisam inovar.” Raupp comentou que inovação e ciência são duas faces da mesma moeda e devem andar juntas. Afirmou também que essa questão requer o aperfeiçoamento de varias políticas, como a do marco regulatório de fomento à inovação.
Investimentos na educação
O ministro também alertou sobre a situação de poucos profissionais nas ciências naturais e engenharia: a taxa de formados por ano em 2008 foi de 3% e 2%, respectivamente. Já na China, esses índices correspondem a 17% e 34% e na União Europeia, 18% e 17%. “Precisamos de mais engenheiros e cientistas trabalhando. Esse problema pode ter até razões históricas ou culturais”, opinou. Ele também lembrou o esforço que tem sido feito para se estabelecer um sistema brasileiro de pós-graduação e a necessidade de investimentos na capacidade de formação de recursos humanos.
“Com a Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (ENCTI) 2012-2015, estamos buscando colocar CT&I como eixo estruturante do desenvolvimento do Brasil”, afirmou. “Houve momentos em que o governo não estava considerando CT&I no núcleo. A ABC e a SBPC foram cruciais para lembrar o ex-ministro Aloizio Mercadante sobre essa importância de colocá-la no centro dos planos.” Raupp disse, ainda, que essa questão está validada no programa Brasil Maior, que é o planejamento econômico governamental. “Esse é um programa de governo, não é do nosso Ministério. Consideramos inclusive áreas que não estão sob o MCTI, e sim sob o Ministério da Saúde, da Agricultura, entre outros.”
O ministro de CT&I, Marco Antonio Raupp, em entrevista à TV Alerj
e ao jornal Folha de São Paulo, na ABC
Raupp mencionou o programa Ciência sem Fronteiras, que vem permitindo a internacionalização da ciência e cujo objetivo é ter recursos humanos em quantidade e qualidade suficientes. Focado nas áreas deficitárias (engenharias e ciências naturais), o programa prioriza a escolha de universidades com uma atitude “adequada e compatível”, que busquem uma integração com empresas, como o MIT (Massachussetts Institute of Technology). Mas não hesitou em declarar que a educação fundamental e média é “uma catástrofe nesse país”, ainda que tenha melhorado: “Já foi pior. Temos que ser otimistas porque já fizemos muita coisa. Estamos até tirando petróleo de águas profundas”. Segundo o ministro de CT&I, no seu tempo de criança nem todas iam para a escola e nem ao menos tinham sapato para usar. “Hoje, atingimos a matrícula universal. Toda criança vai para a escola. Mas a massa brasileira está realmente sendo educada?”, indagou.
Financiamento de ciência e tecnologia
Outro item abordado por Marco Antonio Raupp foi o do financiamento de C&T: “Estabelecer um novo padrão de investimento em atividades dessa área é um grande desafio, uma vez que não temos muitas perspectivas de que vamos ampliar o que temos ou mesmo manter. Todo mundo – inclusive as prefeituras – está interessado em receber algo proveniente das leis do petróleo. Organizações como a Finep e o CNPq precisam reconsiderar toda a organização do sistema de financiamento”. Ele afirmou que uma das metas é elevar o dispêndio nacional em CT&I para 1,8% até 2014 – em 2010, esse valor foi de 1,19%.
“Precisamos pensar em iniciativas práticas”, alertou. “A base de ciência e tecnologia tem que ser expandida e qualificada.” Um dos exemplos que citou foi o da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação (Embrapii), que atua na área de P&D com financiamento da Finep. “Nos não olhamos só pelo lado da oferta dos institutos tecnológicos, mas também pelo lado da demanda. E são as empresas que vão definir a demanda. A Embrapii não é para ser uma grande empresa com ramificações pelo país porque o momento é outro.”
Para Raupp, é importante pensar no fortalecimento permanente da infraestrutura científica e tecnológica. “Temos que expandir as universidades, INCTs e etcetera, mas isso tem que corresponder a uma infraestrutura adequada que permita a competitividade. As pessoas precisam ter a visão de que C&T vão contribuir para a melhoria dos serviços públicos e para benefício geral da sociedade.”
O programa espacial brasileiro
Ex-presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Raupp falou sobre o programa espacial e a perspectiva de ser lançado o satélite CBERS-3 ainda este ano. “Já em 2014, teremos o lançamento do CBERS-4, um satélite semelhante. Esse é um sucesso no governo da presidente Dilma, porque lançar dois satélites no mesmo mandato é novidade”, comemorou. O ministro também comentou que o apoio à área de foguetes é complicado, uma vez que faltam recursos. “O projeto do Cyclone-4 também está previsto para 2014, mas vem passando por altos e baixos. Essa tem sido uma preocupação.”
Sobre o satélite geoestacionário brasileiro, o físico e matemático disse que ele será operado pela Telebras, em parceria com a Embraer, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a AEB. “Essa empresa nacional vai ter que absorver não apenas o conhecimento para ela própria, mas gerenciar tecnologias”, informou Raupp.
O ministro também fez um apelo à ABC, à SBPC e aos presentes na conferência: “É fundamental prestar atenção na questão dos royalties do petróleo. Se tudo acontecer como já está previsto no regime atual, nós vamos perder mais de um bilhão por ano de recursos. Temos que trabalhar junto ao Congresso Nacional e lutar.”
Veja abaixo matérias sobre a conferência de Marco Antonio Raupp na Reunião Magna publicadas em outros veículos: