Um método simples e inovador para o tratamento de resíduos que sobram nos laboratórios após a purificação de nanotubos de carbono – formados por folhas de átomos de carbono enroladas na forma de tubo – foi desenvolvido pelo grupo de pesquisa do professor Oswaldo Luiz Alves, do Laboratório de Química do Estado Sólido da Universidade Estadual de Campinas (LQES-Unicamp). Utilizando nanopartículas de hidrotalcita sintética, um tipo de argila, os pesquisadores conseguiram remover cerca de 99% das impurezas do efluente resultante do processo de purificação.
A hidrotalcita é uma argila altamente adsorvente composta por camadas positivamente carregadas – íons com carga elétrica positiva – de hidróxido misto de metais, geralmente alumínio e magnésio, intercaladas por camadas de ânions – íons com carga elétrica negativa -, como o carbonato. No processo de adsorção, as moléculas ou íons ficam retidos na superfície da hidrotalcita por interações químicas ou físicas.
O método inédito de limpeza de efluentes gerados em sistemas de purificação de nanotubos resultou no depósito de uma patente nacional e sua extensão internacional pela Agência de Inovação da Unicamp, a Inova. A patente internacional foi requerida para resguardar os resultados do trabalho apresentados no Congresso NanoSafe 2010, em Grenoble, na França, com a participação de pesquisadores que trabalham com os riscos da nanotecnologia e de empresas produtoras de nanomateriais.
A necessidade de purificação dos nanotubos no laboratório teve início em 2003, quando os pesquisadores planejavam estudar a interação das nanoestruturas com organismos vivos. Uma das pesquisas feitas nessa linha, essencial para o desenvolvimento do processo de purificação, foi conduzida pelo biólogo Diego Stéfani Martinez durante o seu doutorado orientado por Alves. Também participaram ativamente da pesquisa, que engloba desde a purificação e caracterização das nanoestruturas até a interação entre elas e os diferentes níveis de organização dos biossistemas, os pesquisadores Antonio Gomes de Souza Filho e Natália Parizotto. O objetivo era analisar os impactos que os nanotubos poderiam causar, por exemplo, no ecossistema aquático.
Para o estudo foi utilizado o microcrustáceo bioindicador Daphnia similis, conhecido como pulga-dágua. Diferentes concentrações de nanotubos colocados em água mineral por até 48 horas foram avaliadas com a intenção de verificar se interferiam na mobilidade da pulga-dágua, o que seria considerado um efeito adverso. O resultado apontou ausência de toxicidade aguda para o microcrustáceo até a concentração de 30 miligramas por litro.
Para desenvolver esse e outros estudos similares era necessário ter nanotubos de alta qualidade, sem resíduos de carbono amorfo ou de catalisadores metálicos usados no processo de síntese. “A purificação é uma etapa essencial para criarmos novos usos químicos para os nanotubos e também para que possamos empregar as nanoestruturas em estudos de interação com sistemas biológicos”, diz Alves. Na época, os nanotubos encontrados no mercado apresentavam uma heterogeneidade muito grande. Em uma mesma amostra podiam ser encontradas estruturas com diferentes formas, diâmetros e teor de impurezas.
Era necessário ter um padrão. Foram quatro anos até chegar a um protocolo constistente de purificação, mas um novo resíduo surgiu e precisava ser tratado. “Conseguimos eliminar as impurezas da síntese, mas não as impurezas da oxidação, chamadas de debris de oxidação”, diz Alves. Isso ocorre porque, para permitir que os nanotubos sejam dispersos em água e compatíveis com diferentes materiais, é feito um tratamento com misturas altamente oxidantes, que contêm ácido sulfúrico e ácido nítrico.
Para eliminar essas impurezas, foi necessário adicionar ao processo uma solução de soda cáustica (hidróxido de sódio) diluída, usada na indústria na fabricação de papel, tecidos, detergentes, alimentos e biodiesel. No entanto, não dava para descartar sem nenhum tipo de tratamento o efluente resultante, um líquido de cor escura constituído de uma complexa mistura de substâncias poliaromáticas e matéria orgânica. Se não for tratado adequadamente, ele pode contaminar lençóis freáticos e rios com substâncias químicas difíceis de serem retiradas em estações de tratamento de água antes do consumo humano.
“Decidimos então partir para a purificação da purificação”, diz Alves. Foi aí que os pesquisadores resolveram testar a hidrotalcita, que desde os anos 1990 era estudada no laboratório pelas suas propriedades físico-químicas. Tanto que ela havia sido empregada em um processo de tratamento de efluentes da indústria têxtil, desenvolvido em parceria com a empresa Contech (ver edição 155 de Pesquisa FAPESP).
Nos testes feitos, a argila eliminou os resíduos formados no processo de purificação dos nanotubos, gerando um sólido escuro que pode ser separado por decantação. Além da vantagem da eliminação das impurezas de oxidação, a solução de hidróxido de sódio restante pode voltar para o processo e ser reusada com a mesma eficiência. O pó escuro obtido, ao passar por um tratamento térmico, elimina a matéria orgânica e volta a ser branco. Nessa forma, pode também ser reutilizado em um novo processo de remoção sem perda de eficiência.