O VII Seminário Nacional do programa “ABC na Educação Científica” contou com uma mesa de debate que tratou do “Ensino de Ciências no Cotidiano Escolar”. Os participantes foram Rita Pereira Borges (Instituto Federal de Mato Grosso – IFMT/Cáceres), Beatriz de Castro Athayde (Estação Ciência/USP), Vítor José M. de Oliveira (Universidade de Évora/Portugal) e Danielle Grynspan (Fiocruz), que falaram sobre suas experiências. A mesa foi coordenada por Carlos Wagner Costa Araújo (Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf).

A formação de formadores

Rita Pereira Borges apresentou seu trabalho no projeto “Mão na Massa – Iniciação Científica no Ciclo I”, que é fruto de uma parceria da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo com a Estação Ciência da Universidade de São Paulo (USP). “Trabalhamos com professores do município de Cáceres, no Mato Grosso, e nossa proposta era fazer com que o ensino de ciências por investigação chegasse até as escolas”, explicou.

Segundo a palestrante, buscou-se primeiramente trabalhar a formação dos coordenadores pedagógicos (CPs), sendo que cada escola participante tinha um CP de área. Esses, por sua vez, trabalhavam a formação dos professores nas escolas. Já os professores, após o processo, trabalhavam as atividades investigativas na sala de aula. “Todo esse ciclo de formação era acompanhado pela equipe da Estação Ciência”.

Foi feita uma análise aprofundada sobre diversas etapas do processo, como as sequências formativas (por temas e conteúdos), as estratégias envolvidas e interações que ocorreram entre os participantes do grupo. “Depois, analisamos os saberes do formador e vimos que era preciso saber ciência para conseguir formar outros formadores e trabalhar o ensino de ciências por investigação”, contou Rita. Foi definido que esse tipo de ensino está sustentado em três pilares: a concepção de ciência (corpo de conhecimento e processo), de atividade investigativa (resolução de problemas, relação entre dados e teorias por comparações e argumentação, análise e avaliação) e de ciência cognitiva (ênfase na aprendizagem significativa, no entendimento e compreensão do assunto e controle da própria aprendizagem).

Nos encontros de formação, eram tratados conteúdos conceituais relacionados ao procedimento de uma investigação: fazia-se uma problematização de situações do dia a dia – tanto relacionadas a temas de ciência quanto de ações cotidianas. Também trabalhava-se com conceitos científicos, como ar, água, diversidades biológicas e culturais. “O resultado é que os formadores vivenciaram uma investigação em ciências e as suas conclusões, sendo que muitos deles não eram da área científica”, comentou a professora.

O estímulo à curiosidade do aluno

A representante da Estação Ciência Beatriz de Castro Athayde deu continuidade à apresentação de Rita: “A realidade cotidiana das escolas sugere uma relação em contínua construção e negociação em função de circunstâncias determinadas. Nestas, entram em jogo interesses e histórias da escola, da região e dos sujeitos envolvidos”. Nesse sentido, Beatriz afirmou que essa realidade é determinada por políticas públicas e pelo cotidiano da escola, de modo que as situações geradas nesse ambiente são incorporadas à própria formação.

“Para cada escola essa realidade vai mudando”, complementou a professora. “Não existe um padrão, só algumas linhas gerais. Cada escola vai caracterizar sua formação e, se isso não acontece, o professor se apropria do que está sendo proposto apenas passageiramente, mas aquilo não se incorpora à prática dele.” De acordo com Beatriz, a ideia é que as escolas montem suas atividades, sendo que os CPs organizam os grupos, sistematizam as formações segundo o calendário escolar, preparam, orientam e desenvolvem os encontros semanais e fazem uma avaliação de todo o processo. As atividades investigativas são elaboradas a partir de ações variadas. “Estimulamos no aluno o seu próprio pensamento e curiosidade.”

Houve professores que se envolveram muito com o projeto, assim como houve os que participaram pouco. “Alguns professores novos não queriam se envolver de jeito nenhum, criando um movimento de resistência. Eles pensavam: Como eu vim parar em uma escola que trabalha desse jeito?. Mas é um trabalho muito rico e dinâmico”, declarou Beatriz.

O desejo de conhecimento

Já Vítor José de Oliveira, da Universidade de Évora, em Portugal, falou sobre o seu trabalho com metodologia investigativa e o estímulo ao ensino experimental das ciências com crianças e professores. O Programa Nacional de Formação em Ensino Experimental das Ciências para Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico foi realizado entre 2006 e 2010, e formou 274 professores que lidavam com aproximadamente 5 mil crianças – apenas na região de Évora. “Discutíamos o que é ensinar ciência, o construtivismo, abordávamos temáticas mais abrangentes.”

Foram abordados temas como a flutuação e dissolução em líquidos, a germinação e crescimento das sementes e as mudanças de estado. “Em uma das experiências, verificamos que a água não dissolve todos os líquidos. Em um mesmo recipiente, o óleo e a água não se misturam”, contou Oliveira, que afirmou que as crianças ficam maravilhadas ao fazer tais experimentos e citou uma frase de Goethe: “O desejo de conhecimento é inicialmente estimulado em nós quando fenômenos extraordinários atraem a nossa atenção”.

Segundo o palestrante, os resultados foram, algumas vezes, diferentes do esperado: “Mas o erro deve ser valorizado, porque significa que as crianças tentaram elaborar uma estrutura lógica para a explicação das coisas”. Ele citou o exemplo de um menino que, com uma colher, agitou o sal na água e este foi dissolvido. Quando questionado sobre como recuperar o sal, ele agitou o líquido para o lado oposto. “Isso é um raciocínio lógico brilhante”, comentou Oliveira, que defendeu que os pilares da responsabilidade são o saber e o poder: “para formar cidadãos responsáveis por seus atos, deve haver essas duas componentes. Sem essa interação, não há cidadania nem responsabilidade”.

A popularização do conhecimento científico

Por fim, a pesquisadora titular da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Danielle Grynszpan afirmou que fazer ciência deve ser visto como um processo de investigação humana: estimular a curiosidade, valorizar a observação e a postura crítica e criativa. “É preciso privilegiar uma atitude investigativa entre os alunos, com base em atividades experimentais e na exploração do meio ambiente à volta deles, promovendo um contato maior entre cientistas e educadores na didática das ciências”, comentou. “É importante essa convivência, é a essência do nosso programa.”

Para Danielle, coordenadora do pólo do Rio de Janeiro do programa “ABC na Educação Científica: Mão na Massa”, o conhecimento científico deve ser popular. Ela trabalha com a idéia de alfabetismo científico. “Uma vez que a pessoa entra nesse processo, ela não deve sair mais. É um método de perguntar e nunca mais parar.” Ela também enfatizou a importância de se investir em recursos humanos, uma vez que os professores ganham pouco e por isso trabalham em várias escolas, ficando com seu tempo sobrecarregado, o que torna difícil para eles conseguir tempo para cursos de aperfeiçoamento: “Isso deveria ser uma preocupação governamental, pois diz respeito à qualidade do ensino”.

A pesquisadora citou os avanços do programa ABC na Educação Científica: Mão na Massa, afirmando que ele investe em um ensino de ciências contextualizado, que trabalha com a conversação, argumentação escrita e oral, assim como busca desenvolver o raciocínio e o intercâmbio entre os alunos. Ela mencionou as salas-ambiente implantadas pelo programa nas escolas municipais de Niterói, que não tinham laboratório de ciências, e a promoção da inclusão social de alunos com necessidades especiais. “Recuperamos um menino com deficiência auditiva que ninguém conhecia porque ele não conseguia falar direito, mas era muito inteligente. O programa não é só cognitivo, é social e afetivo também.”