O assessor da presidência da Eletrobrás Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, palestrou na 1ª Conferência USP de Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) sobre “Engenharia nuclear no Brasil: vale a pena ter mais?”. Membro da Standing Advisory Group on Nuclear Energy e da Agência Nacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla em inglês), Guimarães é formado em Ciências Navais pela Escola Naval e em Engenharia Naval e Oceânica pela Escola Politécnica da USP. Possui mestrado em Engenharia Naval e Oceânica também pela USP e em Engenharia Nuclear pela Universidade de Paris XI. Atualmente, ele é professor titular licenciado da Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
Segundo o engenheiro, não existe uma resposta única para a pergunta que era o tema da palestra. “Vou tentar respondê-la buscando quatro linhas de tempo: o hoje, que contém dados de 2001 a 2011, o amanhã, com estimativas até 2020, o futuro próximo, de 2020 a 2030 e, por último, um futuro distante que se estende até 2060”. Atualmente, o Brasil utiliza 85% de energia hídrica, renovável e barata, enquanto, mundialmente, a matriz térmica atinge 82% e a de origem fóssil, 67%. “Em um contexto de preocupação com os gases do efeito estufa, essa porcentagem mundial tem um impacto extremamente significativo”, alerta Guimarães.
Potencial hídrico
Devido às hidrelétricas, o Brasil economizou 1,67 milhões de toneladas de gás carbônico no período de 2000 a 2006. Já o programa de bioetanol evitou uma emissão de 165 milhões de CO2. “Angra I e Angra II contribuem com menos 63 milhões de toneladas do gás na atmosfera terrestre, o equivalente a 38% do percentual atingido pelo bioetanol”, informa o engenheiro.
Guimarães ressaltou que o sistema hidroelétrico brasileiro enfrenta um problema quanto à sazonalidade da oferta hídrica, pois quando se pensa no Brasil como um país de dimensões continentais, imagina-se que, de acordo com a estação do ano, uma ou mais regiões vão suprir a demanda por energia de todas as regiões. “Infelizmente, não é isso o que se observa”, informa. “Comparando cada capacidade regional, vemos que Sudeste, incluindo Goiás e Mato Grosso, Norte e Nordeste apresentam o mesmo quadro ao longo do ano, com capacidade máxima durante o verão”.
A região Sul, que inclui o estado de Mato Grosso do Sul, é a única que apresenta um quadro mais favorável a partir do segundo semestre. “Porém, é inviável contar só com o Sul durante o período em que as demais regiões estão em baixa, pois a potência instalada deixa a desejar, bem como a capacidade de armazenamento nos reservatórios locais”, explica. De acordo com o engenheiro, a situação do país depende dos fatores onde, quando e o quanto chove, que variam muito por região.
Depois de 2001, com a crise do “apagão”, viu-se que era necessário expandir a matriz energética, até então predominantemente hídrica. Segundo Guimarães, foram instaladas as termelétricas com o intuito de suprir a demanda nacional quando a hidroeletricidade não desse conta. “O sistema hidrotérmico foi um casamento que deu certo e trouxe segurança”, comenta. Para o engenheiro, a construção de mais uma usina nuclear, no caso Angra III, seria um bom investimento, pois geraria energia a um custo baixo, não emitiria gases do efeito estufa e aumentaria a oferta do país.
O amanhã
No cenário de 2011 a 2020, Guimarães observa que ainda existe um potencial hídrico a ser explorado, estando 90% localizado na Amazônia. “Está prevista uma expansão de 35 mil Megawatts (MW) de potência instalada advindos de hidrelétricas. Contudo, existem restrições, como a topografia amazonense, a distância, que dificulta o sistema de transferência de energia para as demais localidades, e o uso do solo, que requer muito cuidado”, aponta. Além disso, a potência instalada acompanha uma perda de capacidade de armazenamento no reservatório, o que implicaria uma maior demanda por energia térmica de complementação.
O palestrante também ressaltou que existe um potencial se expandindo no tocante à energia gerada por biomassa, fontes eólicas e solares. “Futuramente, a geração de energia hidráulica continuará predominante. Mas o fator mais importante é que essa crescente diversificação de fontes de energia suprirá a demanda”, disse Guimarães, acrescentando que Angra III, portanto, será uma importante fonte de complementação de energia.
Um futuro não tão distante
Já para o período de 2020 a 2030, o engenheiro sublinha que a perspectiva de expansão do potencial hidrelétrico prevê um crescimento, porém de forma bastante limitada a partir da década de 2030, uma vez que as bacias de fácil acesso e menor complexidade já teriam sido exploradas e estariam em vias de esgotamento. “Seria um momento no qual as fontes restantes seriam áreas com grande complexidade ambiental ou baixo nível de investigação, ou seja, o custo sairia muito mais alto, assim como o risco”, explica.
De acordo com ele, há previsão de aumento na geração de energia proveniente de parques termoelétricos, composto por gás natural, fonte nuclear, carvão, entre outros. “De 2005 a 2030, a capacidade instalada das centrais nucleares desses parques aumentará em 5.300 MW, saltando de 2.000 para 7.300”, observa.
“Acidentes podem acontecer”
O engenheiro também discorreu sobre o acidente na usina de Fukushima, no Japão, afirmando que o ocorrido serviu de alerta para o mundo. “No entanto, de nada adianta encarar com extremo pessimismo o quadro nuclear”, disse. Para ele, acidentes podem acontecer e, em primeiro lugar, é necessário assegurar a disponibilidade dos sistemas de segurança diante de cenários de eventos externos extremos, além de dotar as usinas de recursos para controlar acidentes que excedam condições não previstas. “Depois do incidente, a Eletrobras irá investir R$ 300 milhões em programa de melhoria contínua das usinas de Angra”.
Continuando, o palestrante indagou aos presentes se os riscos da geração nuclear se tornaram inaceitáveis após o acidente japonês. Segundo ele, a segurança da maioria das usinas em operação pelo mundo, e de todas em construção e projeto, supera a das usinas japonesas. “As reais consequências à população e ao meio ambiente, em termos de fatalidades e prejuízos à saúde em relação ao comprometimento do uso do solo, foram bastante limitadas comparadas às dimensões da tragédia humana, social, econômica e ambiental causada por esse fenômeno natural excepcionalmente severo”, acentua.
Guimarães avaliou que a catástrofe natural que acometeu a Central Fukushima terá um impacto direto sobre os custos da geração de energia nuclear, aumentando-os significativamente. As usinas mais antigas, que operam há 25-40 anos, são as que mais vão sentir esse impacto, pois, geralmente, utilizam recursos nucleares mais antigos que, consequentemente, podem oferecer maiores riscos. “Elas gastarão mais para rever a base de seus projetos, instalar medidas de segurança mais eficazes e modernas e garantir a extensão de vida útil da usina”, explica.
Possibilidades para o período de 2030 a 2060
Por último, o engenheiro disse que se “arriscaria a falar do futuro distante, trazendo especulações”. Ele afirma que a sociedade global ainda precisa lidar com três grandes desafios, sendo o primeiro a garantia
de recursos naturais para as futuras gerações. Em segundo, vem não ultrapassar os limites suportáveis pela biosfera em assimilar resíduos e poluição. “E, finalmente, de igual importância, reduzir a pobreza e desigualdade social. O futuro é um quebra-cabeça perfeito onde quatro peças precisam estar muito bem encaixadas: os recursos naturais e os lados social, econômico e ambiental”, aponta.
Guimarães afirma que todos os problemas que ainda estão sendo combatidos requerem energia suficiente para serem enfrentados, pois é dela que vem a ação. “Não se vai muito longe hoje sem energia. Temos 1.3 bilhão de pessoas que vivem na pobreza absoluta. E como se combate isso?”, pergunta. “Garantindo a universalização a custo acessível, com abundância e mínimo de impacto ao meio ambiente, de água, energia, alimento, moradia, direitos humanos e serviços dignos com qualidade”.
De acordo com o palestrante, as emissões de gás carbônico provenientes do setor energético não declinarão antes de 2030, devido à grande proporção de fontes intensivas em carbono que compõem a matriz energética mundial. “De todas as energias disponíveis, a opção nuclear é a que menos faz uso do solo. Para gerar 1.000 MW médios, uma usina ocupa 50 hectares, incluindo estocagem energética. A biomassa, nas mesmas condições, utiliza 400.000 hectares, mais os reservados para estocagem”, informa. “Acredito que a energia nuclear pode contribuir futuramente”.