A assessora da presidência da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), Eliane Bahruth, participou da 1a Conferência USP de Engenharia, realizado na Universidade de São Paulo, e buscou mostrar o papel da engenharia no sistema nacional de inovação. “O conhecimento e a inovação passam, necessariamente, pela engenharia”, declarou a palestrante. Ela esclareceu que a engenharia é a “ciência/profissão de adquirir e de aplicar os conhecimentos matemáticos, técnicos e científicos na criação, aperfeiçoamento e implementação de utilidades, tais como materiais, estruturas, máquinas, aparelhos, sistemas ou processos, que realizem uma determinada função ou objetivo”.
Entre o conhecimento e a inovação
Buscando explicar melhor sua afirmação inicial, Bahruth demonstrou que o conhecimento é a base da pesquisa feita nas universidades, de modo que, a partir desta, é possível passar para a pesquisa aplicada dos institutos tecnológicos e se atinge, por fim, o desenvolvimento do produto de inovação nas empresas. No entanto, este ciclo não é possível sem a engenharia. “A dinâmica atual é ditada pela geração contínua de inovações tecnológicas baseadas, principalmente, em conhecimentos científicos”, acrescentou. “Os engenheiros têm um papel relevante na transformação desses conhecimentos científicos, empíricos ou intuitivos em bens e serviços”.
De acordo com Bahruth, essa economia do conhecimento requer uma capacidade permanente de aprender, desaprender e reaprender. Assim, ela enfatizou a importância da formação profissional contínua e não mais terminal, além da necessidade de um sistema educacional que explore não apenas a educação continuada, mas também o ensino assistido por meios interativos e o ensino à distância. “Tudo isso é importante porque, com o avançar dos anos, é muito mais rápida a incorporação de uma inovação pela sociedade. Levou 70 anos para que toda a população, de um modo geral, tivesse acesso ao telefone, mas apenas cinco no caso da internet”.
Os obstáculos para o Brasil
Ela citou alguns exemplos de inovações brasileiras baseadas no conhecimento: as eleições eletrônicas, a automação bancária, a declaração de imposto de renda online e a extração de petróleo off-shore a mais de 2.000 metros de profundidade, sendo que todas essas inovações se tornaram referências mundiais. “Ainda assim, as empresas brasileiras têm dificuldade para inovar”, comentou. De acordo com dados da Pintec (Pesquisa de Inovação Tecnológica do IBGE), os maiores obstáculos declarados pelas companhias são os elevados custos da inovação, os riscos econômicos excessivos e a falta de pessoal qualificado. “São problemas estruturais que acarretam déficits comerciais da ordem de bilhões de dólares em setores estratégicos”. Os casos mais críticos são as áreas das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), farmacêutica, de instrumentos médicos de ótica e precisão, de produtos químicos e de máquinas e equipamentos mecânicos.
Entretanto, ela mencionou empresas brasileiras globais que desenvolveram processos de inovação bem sucedidos, como a Petrobras, a oitava empresa do mundo em valor de mercado; Embraer, a terceira empresa aeronáutica do mundo; e a Vale, a segunda empresa de mineração do mundo. “Mas o resultado ainda é incipiente porque o investimento brasileiro em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) é de 24 bilhões de dólares, muito mais baixo que o de países como Alemanha, China e Estados Unidos, cujo mesmo investimento é de 398 bilhões de dólares”, comparou.
Bahruth também enfatizou que, apesar do investimento público em inovação no Brasil ser semelhante ao de países desenvolvidos, o investimento empresarial é igual a 0,37% do PIB, enquanto o dos Estados Unidos é de 2% e da Alemanha é de 1,9%. A meta do governo é aumentar esse valor para 0,9% do PIB até 2014. “Ou seja, o que falta no país é o protagonismo da empresa na questão da inovação”. Seguindo essa mesma linha, ela afirmou que, enquanto o Brasil está em 13o lugar no ranking da produção científica mundial, sua posição no ranking global de inovação é 47o.
A formação profissional
“De que maneira podemos mudar esse quadro?”, questionou a palestrante. “Para transformar ciência em inovação, dentre outras formas, as equipes multidisciplinares têm um papel preciso”. Ela afirmou, inclusive, que o Plano Brasil Maior 2011-2014, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), determinou que alguns dos investimentos prioritários devem ser destinados à formação e qualificação profissional. Para Bahruth, outro ponto importante é mudar o perfil dos grupos de pesquisa: “Houve um incremento muito grande no número de formação de doutores, mas eles estão predominantemente na academia e muito pouco no setor empresarial”.
Em relação à formação de engenheiros, a representante da Finep informou que, apesar de o número de brasileiros com nível superior ter crescido significativamente, a engenharia não tem acompanhado esse ritmo: formam-se 700 mil profissionais por ano, mas apenas 38 mil engenheiros. “A evasão de estudantes nessa área também é um problema sério, que se dá tanto nas universidades privadas quanto nas públicas”, complementou. Segundo dados apresentados, 54% dos alunos de engenharia desistem nos primeiros dois anos e apenas 15% dos ingressantes concluem o curso em cinco anos. Paradoxalmente, o número de cursos dessa disciplina vem crescendo bastante desde 2002 – atualmente são 1.311, ficando atrás apenas de pedagogia e administração.
Outro fator preocupante mencionado por Bahruth foi o resultado insatisfatório das faculdades de engenharia no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). “A maioria dos cursos não tem um bom conceito, sendo o melhor desempenho nas públicas”, ressaltou a palestrante. “Engenharia depende da experimentação, não é um curso em que o professor abre a porta da sala e começa a falar”.
Em um contexto internacional, o Brasil é o país que forma menos engenheiros dentro dos BRICs – a Rússia forma 190 mil (seis vezes mais), a Índia forma 220 mil (sete vezes mais) e a China forma 650 mil (incluindo cursos de três anos). “Nesse quesito, estamos atrás da Grécia, México e muitos outros países”, comentou Bahruth. Do mesmo modo, a evolução brasileira de cientistas e engenheiros em P&D na indústria fica muito aquém em relação à de países como Estados Unidos, Japão, China, Alemanha e França. Além disso, a percentagem de instituições de ensino superior com cursos de engenharia no Brasil é de 20%, enquanto a do Peru é de quase 90% e a do México chega a 100%.
A demanda de engenheiros
A assessora da presidência da Finep afirmou que a demanda de engenheiros é um problema de qualidade e quantidade. No entanto, há bons exemplos de instituições brasileiras que promovem uma formação de engenheiros de alto nível. Uma delas é a Escola Politécnica da USP, que oferece 17 cursos de graduação, agrupados em quatro grandes áreas da engenharia: Civil, Elétrica, Mecânica e Química. “A grade dessas instituições já busca moldar o novo conceito da interdisciplinaridade em termos de atender o desafio para inovação”.
Bahruth especificou que, atualmente, há demanda de pessoal qualificado nas áreas de energia, petróleo e gás, minas e metalurgia, automação industrial, bens de capital, naval e construção civil. Um dos desafios é quadruplicar o número de doutores na área de engenharia nos próximos seis anos, para expandir o desempenho industrial e empresarial e competir no mundo globalizado. “As primeiras projeções para o pré-sal indicam uma demanda de 200 mil engenheiros e tecnólogos para a área de petróleo e gás nos próximos 15 anos”, alertou. Ela finalizou seu discurso declarando que “não haverá crescimento sustentável, avanço tecnológico ou inovação sem engenharia”.