A mãe era dona de casa e o pai, caminhoneiro. Ana Carla Bruno era a mais velha de quatro irmãos. Sua infância, em Recife, foi passada jogando bola de gude, soltando papagaio, brincando de esconde-esconde e catando caranguejos, num mangue que ficava em frente à casa da sua avó paterna. “Nós vendíamos os bichos para minha avó e, com esse dinheiro, comprávamos balas e bombons”, recorda.

A menina também gostava de brincar de professora. Na escola, adorava português e história. Foi, inclusive, por causa de um professor de história com quem estudou desde o final do ensino fundamental até o fim do ensino médio que Ana Carla decidiu cursar a graduação em história.

Tendo ingressado na Universidade Católica de Pernambuco, Ana Carla conheceu a professora Adair Palacio, uma linguista pernambucana que mudou completamente o rumo da sua vida. “Através dela conheci o universo das línguas e culturas indígenas e com ela fiz minha primeira viagem ao campo, para a aldeia indígena Shanenawa, com apenas 17 anos”, relata a pesquisadora. A professora Adair tornou-se sua orientadora de iniciação científica e Ana Carla travou contato, então, com os indígenas Waimiri Atroari. Na metade do curso de graduação, trancou a faculdade e foi morar numa aldeia Atroari, entre os estados do Amazonas e Roraima, onde passou dois anos. Durante este período, viu pessoas nascendo e morrendo, participou de rituais e cerimônias, coletou dados sobre a língua Waimiri Atroari e reuniu muitas histórias.

Retornando ao Recife para concluir a graduação, Ana Carla foi convidada pelo professor Denny Moore, linguista do Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG//MCTI), para integrar sua equipe. A moça aceitou e passou três anos em Belém, como bolsista de Aperfeiçoamento Científico. Embora tivesse vontade de fazer mestrado em Antropologia, foi convencida pelo professor Moore a fazer a pós-graduação em Linguística. Em 1998, Ana Carla conseguiu uma bolsa da Fulbright – comissão para intercâmbio educacional entre os Estados Unidos e o Brasil – para o mestrado na Universidade do Arizona e continuou lá durante o doutorado, num programa conjunto de Antropologia e Linguística, com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCTI).

Em 2003, ao terminar o doutorado, Ana Carla obteve uma bolsa de Desenvolvimento Científico Regional (DCR) para dar continuidade aos estudos de línguas indígenas no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA/MCTI). Em 2004, entrou no INPA por concurso e, desde então, lá permanece desenvolvendo pesquisas e orientando alunos. É também docente da pós-graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), líder do grupo de pesquisa “História, Línguas e Culturas Indígenas do Estado do Amazonas”, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (CNPq/MCTI). Atua ainda como pesquisadora, em um projeto de construção de uma nova cartografia social da Amazônia, financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES).

Seu trabalho de pesquisa consiste na documentação de línguas e outros aspectos das culturas indígenas, sobretudo dos grupos que demandam esta documentação para auxiliar nos seus projetos educacionais e políticos. “Todo o trabalho é realizado com membros das comunidades, onde promovemos oficinas de capacitação em linguística. Gravamos nomes de plantas, animais, partes do corpo humano. Verificamos também como estas línguas organizam as palavras nas sentenças”, explica a nova Afiliada da ABC. O estudo dessas línguas, segundo ela, contribui para o conhecimento de como estas etnias classificam e categorizam o mundo. “A partir do estudo destas línguas é possível, também, reformular as teorias linguísticas. É tanta diversidade que podem ser encontrados fenômenos que não existem em outras línguas faladas no mundo”, relata Ana Carla, com entusiasmo.

O titulo de Membro Afiliado da ABC, para Ana Carla, significou não apenas o reconhecimento do seu trabalho, mas o reconhecimento da importância das pesquisas antropológicas e linguísticas para o universo da ciência. Não é uma carreira fácil, ela reconhece, lembrando que, quando pequena, sua filha mais velha chegou a lhe perguntar se ela realmente gostava dela e da irmã, já que vivia viajando… Mas mesmo envolvendo um grande esforço para conciliar a vida profissional com a pessoal, Ana Carla Bruno acha que a carreira de cientista vale a pena. A um jovem que está pensando na escolha da profissão, ela recomendaria que ele – ou ela – se permita sempre descobrir coisas novas. “Mesmo que estas coisas pareçam estranhas ou difíceis…”