Uma área estratégica, que desperta cada vez mais interesse de universidades e instituições de pesquisa. Assim são as terapias celulares, cuja regulação no país, enfim, está próxima de sair. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promoverá, no mês que vem, um seminário para discutir a criação de um órgão interinstitucional, o Comitê de Assessoramento Técnico em Terapias Celulares (CAT). Será ele o responsável por garantir a segurança, eficácia e desburocratização dos produtos que resultem do cultivo, seleção e manipulação de células.
Segundo a Anvisa, o desenvolvimento dos campos de biotecnologia, biologia celular e de terapias com tecidos humanos levou à formação de novos tratamentos, remédios e produtos médicos que contêm células humanas. A regulação do material produzido por estes setores tornou-se urgente. O seminário servirá para isso. E, também, para definir quais parâmetros éticos devem ser seguidos pelos pesquisadores – uma seara ainda polêmica, dada a falta de um grande acordo internacional sobre o tema.
O CAT também promete simplificar o trâmite dos pesquisadores. Hoje, os interessados em pesquisas com terapias celulares precisam explicá-las ao conselho federal de sua área e à Anvisa. Agora, eles decidirão em conjunto.
– Precisamos definir um marco regulatório, a partir do qual estará valendo a exploração de produtos derivados de células, inclusive de células-tronco, sejam adultas ou embrionárias – alerta Daniel Coradi, gerente de Tecidos, Células e Órgãos da Anvisa. – O CAT é o órgão que agregará a opinião da nossa agência, dos conselhos federais de Medicina e Odontologia, do Ministério da Saúde e da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Conep). As decisões sobre terapias que saírem dali serão dadas em consenso.
A Anvisa inspirou-se na União Europeia, onde um comitê semelhante foi montado há quatro anos.
As terapias celulares passam obrigatoriamente por serviços de produção dessas células. Se elas são levadas para laboratório e submetidas a processos como expansão, então, segundo Coradi, elas já devem ser vistas como um medicamento ou produto.
– A intenção é garantir a eficácia e segurança dos medicamentos – explica o futuro coordenador do CAT. – Estamos nos adiantando à demanda. Queremos dar uma solução para os interessados que submeterem os seus produtos para avaliação.
E algumas empresas já estão de olho na agenda do novo comitê. Laboratórios americanos e europeus querem exportar as terapias celulares lá desenvolvidas para o mercado brasileiro. Para isso, precisarão da bênção do CAT.
As áreas que, até agora, receberam mais novos produtos no exterior são reconstrução de pele, lesões medulares e tratamento de cardiopatias.
O Brasil não conta com terapias aprovadas com células-tronco. Aqui, há apenas pesquisas clínicas. Há testes em andamento para problemas como infarto, derrame, distrofia muscular e esquizofrenia, entre outros.
A maior parte do financiamento vem da carteira do governo federal. No entanto, cada vez mais entidades privadas têm procurado o Conep, interessadas em desenvolver pesquisas com seres humanos.
Ligado ao Ministério da Saúde, o Conep equilibra a balança do CAT. Enquanto a Anvisa cobra padrões técnicos e de segurança, este conselho tem como matéria-prima a ética dos experimentos.
– Teremos de estabelecer quais são as etapas necessárias para que as propostas de terapias celulares sejam seguras – revela o Acadêmico Aníbal Gil Lopes, membro da comissão e professor-titular de Fisiologia da UFRJ. – O desafio é criar, no país, uma regulação para algo que não tem normas estabelecidas e aceitas internacionalmente.
Não é uma missão trivial. Diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Instituto Nacional de Células-Tronco em Doenças Genéticas (USP), a Acadêmica Mayana Zatz acredita que o comitê deve lembrar “o risco corrido por uma pesquisa sem base fundamentada”.
– A ética corre sempre a reboque das descobertas científicas, e o comércio vai na frente delas – lembra a cientista, autora do livro “GenÉtica”, que será lançado na próxima semana. – Célula-tronco virou uma palavra mágica, como se fosse algo que cura qualquer coisa, e não é bem assim. O novo comitê deve entender bem sobre dois assuntos: a ética em relação aos tratamentos e o uso de testes genéticos. Nem todos devem ser oferecidos, por mais que haja dinheiro envolvido.
Coradi concorda e afirma que o combate ao uso indiscriminado de pesquisas, que expõe pacientes a profissionais sem ética, é uma das metas do CAT.
– Enquanto não tivermos um marco regulatório, esse risco ainda vai existir – admite.
Um dos laboratórios brasileiros licenciados pela Anvisa para cultivar e manipular células em laboratório é o dirigido por Radovan Borojevic, em Petrópolis, Membro Correspondente da ABC.
– O custo social da medicina (ou seja, o que é pago pela sociedade para resolver o sistema de saúde) tem aumentado. Interessa ao poder público reduzí-lo – avalia. – E a terapia celular é um caminho para isso. O marco regulatório é o primeiro passo: ele aponta que instituições poderão participar desse processo.