Marina Gonçalves, José Eduardo Krieger, Alok Srivastava e Patrícia Rocco.

Em seu último dia, o Simpósio Indo-brasileiro de Ciências Biomédicas reuniu palestrantes e pesquisadores com o propósito de abordar o cenário de ambos os países no tocante às pesquisas realizadas com células-tronco. De manhã, estiveram presentes a especialista Marina Ferreira Gonçalves, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Dr. Alok Srivastava, do Christian Medical College (CMC-Índia), o Dr. Júlio Voltarelli e o Acadêmico José Eduardo Krieger, ambos da USP, e a pesquisadora Patrícia Rocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O arcabouço regulatório de pesquisas com células-tronco

A especialista em Regulação e Vigilância Sanitária da Anvisa, Marina Ferreira Gonçalves, abordou os principais aspectos de uma resolução que regulamenta os centros de tecnologia celular, que são os responsáveis por processar células-tronco ou outros tipos de células do corpo humano para serem usadas em pesquisas clínicas ou terapia em seres humanos. “A resolução visa garantir a qualidade e a segurança dessas células para as pessoas que vão recebê-las com algum dos propósitos citados”, explica.

Durante a palestra, Marina ressaltou, também, os grandes desafios da área no país, que, segundo ela, não dizem respeito só à Anvisa, como também ao Congresso Nacional, à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), uma instância do Conselho Nacional de Saúde que atua na regulação dos aspectos éticos das pesquisas que usam essas células em humanos e dos aspectos de propriedade intelectual. “Existe em nossa constituição um artigo que proíbe a comercialização de produtos ou de qualquer substância baseada em células de pesquisas humanas viáveis. Então, como será o acesso da população a esse tipo de produto e serviço caso as pesquisas alcancem resultados positivos? Se der certo e virar algum tratamento, como o país irá lidar com isso?”, observa.

A especialista acrescenta que para responder a essas perguntas a Anvisa está propondo um seminário para outubro. “Será um encontro nacional que irá discutir os diversos aspectos legais, éticos e científicos envolvidos com a regulação desses produtos”. Finalizando, Marina diz que é muito importante trazer esses questionamentos para o simpósio, considerando que a Índia também realiza importantes pesquisas com células-tronco. “Queremos saber como eles lidam com o processo regulatório e mostrar como funciona aqui no Brasil em um intercâmbio de experiências”.

Compartilhando conhecimento

O pesquisador indiano Alok Srivastava, Doutor do Centro para Pesquisa com Células-tronco do Christian Medical College (CSCR/CMC-Índia), mostrou uma visão geral da área na Índia, apontando os setores que estão sendo alvo de pesquisa atualmente, sua organização, os pontos fortes e fracos. “Em meu país, temos bastante força e capacidade na área de transplantes e na de testes de células-tronco com seres humanos. Até o próximo encontro, que acontecerá na Índia, irei trabalhar com pesquisadores brasileiros envolvidos nesse campo”, explica.

Segundo Alok, a relação entre os grupos de pesquisa dos dois países visa identificar os pontos em comum que podem ganhar mais atenção, aumentado as áreas de parceria do Acordo Brasil-Índia. “A meu ver, precisamos estabelecer algumas prioridades. Os dois países possuem uma linha de atuação semelhante. Podemos, por exemplo, trabalhar juntos em pesquisa clínica, um ramificação em que tanto o Brasil quanto a Índia tem prática”.

Células-tronco na luta contra diabetes

O Dr. Julio Cesar Voltarelli, do Hemocentro da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP), realiza um trabalho com terapias celulares em pacientes com diabetes tipo 1, uma doença autoimune que acomete crianças. Nesse tipo de diabetes, o organismo ataca as células do corpo que produzem insulina, a substância responsável por promover o ingresso de glicose nas células. “Esses pacientes precisam tomar insulina a vida inteira. Com o nosso trabalho, mostramos que um transplante de células-tronco do próprio paciente possibilita, na maioria dos casos, que essa pessoa fique livre de tomar insulina, ou seja, o transplante ajuda na regulação dos níveis de glicose”, relata.

Segundo Voltarelli, é praticamente uma cura para a doença. “Temos um paciente que iniciou o tratamento há seis anos e ele está todo esse tempo sem uma única injeção de insulina e com os níveis de glicose controlados”. O estudo requer o acompanhamento integral do paciente durante todo o tratamento, mas não há dúvidas de que ele traz novas esperanças na luta contra a doença. “A meu ver, a Índia tem vários estudos em terapias celulares e é muito válido poder dividir isso com eles, não só para diabetes como para outras patologias também”.

Alternativa terapêutica para problemas respiratórios

A Drª Patricia Rieken Macedo Rocco, professora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF-UFRJ) e chefe do Laboratório de Investigação Pulmonar e do Programa de Terapia Celular e Bioengenharia do IBCCF, apresentou o trabalho de seu grupo de pesquisa acerca do uso de células-tronco em doenças como a asma, a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (SDRA) e a silicose (doença pulmonar causada por aspiração de partículas finas de sílica, comum em mineiros). “Os estudos relacionados à asma e silicose já saíram das bancadas dos laboratórios e já estão na prática clínica. Eles foram fundamentais, pois considerando que pacientes com silicose não têm nenhuma perspectiva terapêutica e acabam falecendo da doença, temos um avanço e tanto”, comemora Rocco.

Oito pessoas morrem de asma por dia no Brasil. Para Patrícia, poder estabelecer um tratamento que irá aumentar a qualidade de vida desses pacientes é uma experiência única. “Trouxemos um horizonte para essas duas doenças e, em um futuro próximo, para os pacientes com SDRA”. O laboratório da pesquisadora estuda outras complicações respiratórias, como o enfizema e a fibrose pulmonar. Entretanto, são pesquisas que se encontram no estágio de experimentos para, só depois, poderem avançar até a etapa clínica. Segundo Rocco, existem estatísticas na Índia que comprovam a incidência de problemas respiratórios na população. “Atualmente, somos o único grupo no Brasil que faz esse tipo de estudo. Podemos, portanto, contribuir imensamente para uma futura cooperação”.

Novas abordagens para a regeneração cardíaca

O Acadêmico José Eduardo Krieger, chefe do Laboratório de Genética e Cardiologia Molecular da USP, cria técnicas de reparação cardíaca a partir de células-tronco ou de uma célula do indivíduo que é modificada geneticamente. No exemplo apresentado, o pesquisador mostrou um infarto do miocárdio, que ocorre quando falta suprimento de sangue para o coração, provocando morte celular. Krieger afirma que o coração é um órgão de baixa reparação. “Hoje sabemos que ele tem essa qualidade, mas não é muita. Com isso, atuamos em dois caminhos. Um é para entender como e quais são os processos que o próprio organismo tem de fazer a reparação”, esclarece o Acadêmico, acrescentando que com esse conhecimento, mesmo que ele não seja completamente eficiente, pode-se aproveitar e desenvolver novas drogas e formas de intervenção.

O segundo caminho consiste na utilização de células que atuam de uma ma
neira não muito diferente da que a própria natureza já faz. “Estamos testando vários tipos: células embrionárias, as chamadas células adultas, que possuem um certo potencial de diferenciação, entre outras. Aprendemos nesses últimos dez anos que, embora fazer músculo seja fundamental, ainda não chegamos nessa etapa”, observa Krieger, atentando para o fato das células que estão sendo injetadas diminuirem a situação inflamatória causada pelo infarto e contribuirem para a formação de novos vasos.

Segundo o pesquisador, os resultados obtidos com as células são muito positivos, mas em infartos de pequeno porte. “Ainda temos o desafio de conseguir criar músculos. Para alcançarmos essas conclusões, são necessários estudos pré-clínicos, nos quais utilizamos animais para experimentação. No caso do sistema cardiovascular, realizamos mais testes em porcos, pelas semelhanças com o coração do Homem”.

Finalizando, Krieger mostrou alguns experimentos que a equipe realiza em seres humanos, utilizando células da medula óssea. “Por que esse tipo celular? Existem evidências pré-clínicas que indicam que a injeção delas após um infarto leva a uma melhora tanto da função quanto da estrutura do órgão. Não sabemos ao certo como isso ocorre, mas o interessante é que essa célula já é utilizada na medicina há muito tempo e ela garante um perfil de segurança”.

O Acadêmico relatou que seu grupo está coordenando um estudo financiado pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT&I), no qual pacientes que sofreram um infarto passam por intervenções cirúrgicas e recebem as células da medula, enquanto outros apenas passam pela cirurgia. “Vamos analisar se os benefícios dos que receberam as células da medula foram maiores do que os que não receberam”. Em sua opinião, o simpósio e a aliança Brasil-Índia são fundamentais, pois há comprovações de que estudos provenientes de colaborações internacionais são mais citados. “Mesmo sendo países tão diferentes, existem similaridades em relação aos problemas sociais e a outras áreas que podem ganhar muito com essa parceria”.