Para inovar, é preciso ter pessoal especializado, costumam dizer todos os especialistas da área. Como em outros setores, o Brasil enfrenta atualmente uma escassez de profissionais qualificados, especialmente em áreas como engenharia, química e outras. O presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o Acadêmico Jorge Guimarães, fala, nesta entrevista ao Valor, dos planos do governo para incentivar a formação e aperfeiçoamento da mão de obra com vistas ao impulso inovador, principalmente no setor produtivo.
Valor: Há falta de profissionais especializados para lidar com questões relativas à inovação. Quais as medidas tomadas para contornar esse problema?
Guimarães: A questão da formação de engenheiros é um problema mundial. No Brasil, assume proporções agudas porque formamos poucos profissionais. Há várias causas em sua base. A primeira é o fato de, por muito tempo, o país não se desenvolver. Resultado: a profissão ficou sem perspectiva. Os bons engenheiros foram para outros setores. Na medida em que o país começa a se desenvolver e tem muitos projetos em andamento, a escassez de profissionais torna-se mais aguda. Pode-se perceber isso por uma análise interessante: em 2004, criamos, na Capes, um plano de seis anos para incentivar a pós-graduação. Com isso, prevíamos um aumento considerável de doutores. As metas foram alcançadas em todos os cursos, menos na engenharia. A partir de 2010, esperávamos formar 2.900 doutores na engenharia e na computação, juntos. A demanda pelo curso de engenharia é grande, o que não é o caso da pós-graduação.
Valor: Os profissionais não precisavam da pós-graduação?
Guimarães: O mercado absorvia o pessoal com salários atraentes. Então, a bolsa da Capes não era competitiva. Adotamos um conjunto de ações para amenizar isso. Ainda assim, há grande deficiência não de doutores em engenharia, mas de engenheiros formados. Como a carreira está na base do desenvolvimento dos países, essa área é fundamental. A questão da inovação também está embutida nisso. Para inovar, é preciso fazer ciência. Sem ciência, não se tem patente, por exemplo. Mas é bom lembrar: o Brasil não tem 500 anos, tem 200 anos. Quando a Universidade de São Paulo, a mais antiga e mais qualificada do país, foi criada, em 1934, a Universidade Harvard já tinha 300 anos. A Capes e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) foram criados em 1951.
Valor: Como o plano de aumentar o número de doutores engenheiros não deu certo, o que o governo pretende fazer?
Guimarães: Em 2009, resolvemos formar uma comissão para definir como enfrentar a questão. Finalmente estamos com um projeto praticamente pronto. Estão faltando alguns ajustes finais. A comissão envolve vários órgãos do governo, como a Capes, CNPq e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), entidades empresariais a exemplo da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), além de associações da área de engenharia. Vamos apresentar as propostas aos ministros Aloizio Mercadante, da Ciência e Tecnologia, e Fernando Haddad, da Educação. O plano é duplicar a formação de engenheiros e tecnólogos até 2015. Hoje, formamos 30 mil engenheiros e 18 mil tecnólogos por ano.
Valor: Como fazer os jovens se interessarem por essa profissão?
Guimarães: Há um enorme mercado, enorme empregabilidade. Um problema sério é a educação básica, a preparação dos jovens para enfrentar os exames seletivos e ingressar nos cursos de engenharia. Um dos motivos da falta de engenheiros é que o curso exige muito dos alunos. Eles têm que se dedicar mais aos estudos na comparação com outras carreiras. Esses alunos têm que ter uma base melhor em matemática e ciência. Nosso projeto identifica essas necessidades, além das causas da evasão nas escolas de engenharia públicas ou privadas, da ordem de 60%. Isso sem falar na pressão das indústrias, que procuram os estudantes antes de formados. Se eles forem de uma camada mais humilde, acabam abandonando o curso para ganhar R$ 3 mil ou R$ 4 mil.
Valor: A Capes pode fazer algo em relação ao ensino básico?
Guimarães: Já está fazendo. Em 2008, a Capes assumiu a formação de professores para a educação básica. Há programas muito fortes, com mecanismos para vencer essas dificuldades. No caso específico da engenharia, propomos um plano de ataque aos problemas detectados. Sugerimos, por exemplo, que os melhores alunos de matemática e ciências recebam uma bolsa da Capes para monitorar estudantes de engenharia da mesma instituição. Os alunos da engenharia também receberiam bolsa para se dedicar mais aos estudos. As escolas, por sua vez, assumiriam o compromisso de ensinar matemática e ciências para alunos de escolas da periferia nas férias de verão. Há também o programa de formação no exterior, com ênfase para as áreas tecnológicas e exatas.
Valor: Há resultados do programa de formação de professores?
Guimarães: Registramos avanços consideráveis em dois anos. O Brasil está ganhando medalhas internacionais em física, química e matemática, fruto da melhora na formação dos professores. É um programa de longo prazo. Os países que fizeram isso, como a Coreia, levaram mais de uma geração para chegar aos excelentes resultados de hoje. Temos outros projetos, como o Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência, de treinamento da futura geração de professores. Até o fim do ano teremos 30 mil bolsistas e em 2012, 45 mil. A meta é chegar a 100 mil bolsistas em 2014.
Valor: Como é o programa de formação no exterior?
Guimarães: O Ciência sem Fronteiras terá 75 mil bolsas financiadas pelas duas agências federais, CNPq e Capes, e 25 mil pelo setor privado. São várias modalidades, desde “graduação sanduíche”, quando o estudante vai para o exterior por 12 ou 15 meses, a pós-doutorado. Até professores estarão envolvidos nessa questão. Haverá também a absorção de jovens do exterior, brasileiros ou não, já titulados, com boa produção científica, que se disponham a trabalhar no país. E estímulo para pesquisadores seniores estrangeiros virem para o Brasil.
Valor: Quantos estudantes são financiados atualmente pela Capes no exterior?
Guimarães: Hoje são 5 mil estudantes, e nos próximos anos chegaremos a 40 mil. Temos convênio com cerca de 40 países e estamos preparados para deslanchar esse novo projeto. O foco é tecnologia e inovação. O Brasil atingiu um bom nível na produção de conhecimento, com o 13º lugar no mundo. Nos próximos dez anos, devemos entrar no grupo dos dez maiores produtores mundiais de conhecimento.