A sociedade brasileira convive há décadas com formação de má qualidade em boa parte das escolas de ensino fundamental e médio, em particular nas áreas de matemática e ciências (física, química e biologia). São vários os fatores que levaram e levam a esta situação: desde a remuneração dos professores, a infra-estrutura física das escolas ( quando existentes, não são ajustadas ao mundo atual), o currículo inadequado até a falta crônica de pessoal qualificado.
Entretanto, o número limitado de novos profissionais nesta área é certamente um dos principais fatores que não permitem que o País dê um salto de qualidade da formação científica dos jovens, fundamental num mundo do conhecimento. Perpetuamos a exclusão científica e cultural de boa parte de nossa população e aumentamos o fosso entre os cidadãos plenos e os excluídos.
Vários são os excelentes programas lançados pelo governo brasileiro nos últimos anos, visando à capacitação e à atualização dos profissionais que já atuam nas escolas. Entretanto, pouco se faz para a formação e colocação de jovens professores no sistema. Apenas repetimos fórmulas que já se mostraram ineficazes, como por exemplo a mera expansão de vagas de licenciaturas principalmente em cursos noturnos e mudanças de currículos desastrosos com o foco em como “ensinar”.
Sabemos que nossas universidades de ensino livresco e disciplinares foram e são incapazes de responder a este desafio. Já tiveram mais de 50 anos para fazê-lo, e o resultado é a grande tragédia no ensino que presenciamos. Logo, o que temos pela frente é pensar alternativas viáveis e que possam provocar em pouco tempo mudança radical no ensino. Temos de povoar urgentemente nossas escolas com jovens professores adequadamente preparados ao ensino de matemática e ciências, principalmente. Eis um dos elementos-chave para o avanço em todas as áreas, colocando o Brasil em condições de competir no mundo do conhecimento.
Se as nossas Universidades de ensino livresco e disciplinar não têm como responder a contento a este desafio, que organizações podem fazê-lo?
A resposta reside em algumas das instituições que já possuem ilhas características de Universidades da Pesquisa. São instituições em que a formação centra-se nos laboratórios/ateliers/clínicas, sendo complementar a formação em sala de aula . Tais instituições têm grande tradição na pós-graduação e grande número de alunos de iniciação científica e elevado índice de interdisciplinaridade. Departamentos são em geral apenas entidades burocráticas nestas instituições, sem importância acadêmica.
Elas podem responder rápida e eficientemente com sistemas interdisciplinares (centros, por exemplo) para a formação urgente de professores para os ensinos fundamental e médio, e em particular de matemática e ciências. Os cursos podem durar no máximo 2 anos, com calendário distinto e, portanto, com conteúdo adequado ao que eles deverão ensinar e dotados de instrumentação tecnológica atualizada. Para tanto, os discentes devem dispor de tempo integral e serem remunerados para se formar, de modo que a carreira do magistério inicia quando de seu ingresso. Parte dos recursos para o pagamento destes alunos de tempo integral poderia provir do dinheiro poupado com o fechamento das licenciaturas noturnas, hoje ineficazes e injustas. Por sua vez, as bolsas seriam reajustadas à medida em que o discente avançasse no curso. Por exemplo, um curso de dois anos teria 5 quadrimestres, e o avanço a cada quadrimestre acompanhado de um reajuste entre 15%-25% sobre a bolsa anterior. No final dos 5 quadrimestres, o discente deverá realizar estágio remunerado de dois anos em escolas do ensino fundamental e médio; concluído o estágio, ele receberia o diploma de licenciado.
Por sua vez, o currículo estaria adequado às funções a serem exercidas enquanto professor num mundo do conhecimento e de novas tecnologias. Ele deve primariamente saber o que vai ensinar com as ferramentas tecnológicas mais atuais. Portanto, é importante que receba estas ferramentas e leve-as consigo para a escola. Este profissional não precisa necessariamente saber resolver as equações na mecânica quântica ou sintetizar moléculas complexas, mas saber utilizar as ferramentas que o permitam fazê-lo com estudo a trabalho posterior são sim essenciais. Só quem domina o conhecimento/tecnologia do que ensinará pode dominar os conhecimentos do modo como ensinar.
Somente uma Universidade da Pesquisa poderá responder aos desafios de mudança radical do ensino. Não é expandindo vagas, por expandir, criando longos cursos noturnos, duplicando institutos em novos campi que responderemos a contento o desafio maior da educação. Por sua vez, a principal responsabilidade recai sobre as instituições que possuem ilhas de excelência no ensino de, por e pela pesquisa. São essas que podem responder a altura a um dos principais desafios brasileiros. Estas devem urgentemente deixar de competir com os IFETs e outras instituições de ensino superior, criando mais cursos, novo campi, em vez de assumir seu papel de refletir e propor alternativas para o País. Caso contrário, muito provavelmente, apenas universaliremos a educação de pouca qualidade, como já vem sendo feito. Certamente não seremos, nem devemos ser, perdoados pelas gerações futuras, caso as instituições com características de universidades da pesquisa não assumirem a responsabilidades pela expansão do ensino de qualidade para todos.