Em breve o Brasil será a 5ª economia do mundo. Portanto, há pouco tempo para resolver os problemas identificados durante o workshop promovido pela ABC em São Carlos. O coordenador do evento e Acadêmico, José Tundisi, ficou incumbido de reunir as notas dos relatores e redigir o documento final. Algumas propostas feitas pelos especialistas presentes, no entanto, se sobressaíram.
Implantação de núcleos e laboratórios de referência
Uma providência inicial e fundamental a ser tomada seria a seleção de núcleos. “Vamos identificar alguns laboratórios nas diversas regiões do país e instrumentalizá-los para que eles possam assumir o compromisso de formar pessoal para aquela região”, propôs Carlos Bicudo, do Instituto de Botânica do Jardim Botânico de São Paulo. A criação de laboratórios de referência para medidas e avaliações em geral, como o Inmetro, foi demanda básica comentada por todos os presentes.
Bacias experimentais
Para Tundisi, as bacias experimentais são uma excelente idéia. Silvio Crestana, da Embrapa, complementou: as universidades, os institutos de pesquisa e a Embrapa deveriam adotar uma bacia e fazer pesquisa ali por 20 a 30 anos. “Pode ser uma bacia pequena, um protótipo em escala, mas é fundamental transformar a sala de aula numa sala de laboratório quase real”, observou Eduardo Mendiondo, do Departamento de Hidráulica e Planejamento da USP-São Carlos.
Marcos Folegatti, da Esalq-USP, concordou e insistiu na questão das ferramentas de planejamento. Ele informou que apenas 15% do esgoto brasileiro é tratado e que essa situação só vai melhorar se houver um planejamento para alocação de novas estações de tratamento em locais estratégicos. “Pode-se colocar área agricultável perto de grandes cidades para aproveitar o esgoto. Definir bacias experimentais em cada região do país seria excelente.”
Incorporação de novas tecnologias
Ter especialistas atuando nas companhias de fornecimento e tratamento de água é outra medida urgente. Os processos convencionais de tratamento de água, como filtração, flotação e desinfecção com cloro não são mais suficientes. “Temos que instalar a nanofiltração e o uso de membranas”, sugeriu Ivanildo Hespanhol, da Escola Politécnica da USP. A área de membranas para tratar a água está bastante desenvolvida e está ficando cada vez mais barata. “Quando estiver disponível, vai servir para podermos utilizar a água do mar”, destacou o pesquisador. O reuso de água para a agricultura, em sua visão, deve ser mais difundido. “Precisamos nos preparar para o futuro, desenvolvendo agora tecnologia de reuso para fins potáveis”, concluiu Hespanhol.
Construção de séries históricas e adequação da legislação
Para o Acadêmico Luiz Drude, da UFC, as universidades têm que ser capacitadas para prover séries históricas. “Não temos dados contínuos sobre qualidade de água com mais de dez anos”, apontou.
A legislação do país tem que considerar as características próprias de cada sistema aquático. “Levar em consideração a migração, as mudanças climáticas. No Nordeste estão sendo instaladas indústrias; o ambiente vai ser transformado”, alertou Drude.
Definição de eixos estruturantes
Para o engenheiro químico Renato Ciminelli, o mais difícil é a mudança de comportamento. “Quando se fala em formação de pessoal, demanda do mercado e criação de ferramentas, tem que haver eixos estruturantes e esses têm que ter continuidade. A universidade não se propõe a isso; a liderança poderia ser da ABC.”
Ricardo Hirata, do Instituto de Geociências da USP, gostou da proposta dos elementos estruturantes. “Institutos criados em cima de problemas ou de temáticas, grupos que têm dentro de si a interdisciplinaridade funcionando seriam núcleos onde deveria ser fomentada a pesquisa. Podem ser agenda para o país.”
Atualização dos currículos desde a educação básica
A inserção de disciplinas sobre mudanças climáticas nos currículos é outra medida urgente, segundo o Acadêmico Luiz Martinelli. “É preciso preparar essa geração, porque eles vão viver em outro ambiente. Eles têm que estar alertados e preparados para isso”.
José Tundisi acrescentou que na Coréia do Sul, por exemplo, existem disciplinas de mudanças climáticas e impactos ambientais desde o ensino primário até o pós-doutorado. Para ele, os cursos atuais não prevêem o longo prazo. “Os alunos não estão sendo formados com capacidade de análise estratégica. Temos que formar pessoas capazes de lidar com as incertezas.”
Novos cursos com perfil desejado
No nível acadêmico, foi avaliado que é muito difícil mudar a estrutura dos cursos existentes, pois as próprias entidades bloqueiam as mudanças. “Temos que montar outro curso, ou modificar alguns existentes mais acessíveis”, sugeriu Tundisi.
De acordo com o fórum de especialistas, o curso deve ser montado a partir de elementos estruturantes: identificar as demandas e, em função delas, definir quais são as ações necessárias. “E devemos incorporar tecnologias de formação à distância”, lembrou o Acadêmico.
Eduardo Mediondo (foto ao lado), do Departamento de Hidráulica e Saneamento da USP-São Carlos, propôs a criação de um projeto piloto demonstrativo “dessa forma como queremos ensinar”. Sugeriu um formato semelhante à uma cátedra Unesco ou a estruturação de disciplinas interinstitucionais. Tundisi destacou que é fundamental a incorporação de dimensões sociais e econômicas, além dos processos biogeofísicos ao currículo desse curso-piloto.
Interlocução em prol da multidisciplinaridade
Para Folegatti, deveria haver um mecanismo de valorizar os pesquisadores que interagissem com outras áreas. “Falta apoio do pessoal das Ciências Humanas e Sociais para lidar com a questão do diálogo com a população e gerir conflitos.”
Patricia Seppe, da Prefeitura de São Paulo, sugeriu que para associar os indicadores tradicionais físicos com os sociais e econômicos, o estabelecimento de grandes projetos para as regiões Norte e Nordeste do país pode ser um caminho.
Investir em comunicação
A bióloga da UFSCar Odete Rocha alertou para a necessidade de ações concretas. “Há muitos anos tratamos desse tema, sabemos analisar e fazer propostas, mas não conseguimos promover as mudanças necessárias. Temos que agir rápido, elaborar material para as massas, divulgado pela internet e pela TV, da mesma forma como foi feito com a AIDS”.
Ela aponta caminhos.”Comunicação feita de maneira simples, com veiculação eficiente. Conhecimento disponível, a partir de institutos e universidades, facilmente transmissível. A ABC pode tomar a frente, reunir instituições, encaminhar modelo de ensino e treinamento à distância para que, em cinco anos, tenhamos pessoal preparado e resultados concretos.”
Tundisi destacou o ponto principal que emergiu do debate.”Todos enfatizaram novos paradigmas – seja em pesquisa, em gestão ou em comunicação com a sociedade.”