Embora não tenha tsunamis nem terremotos, o Brasil está entre os seis países com maior número de mortos por desastres naturais per capita do mundo entre 2008 e 2011. O que mais ocasiona mortes no Brasil é o deslizamento de encostas, responsável por 70% das vidas perdidas. Mas o país está desenvolvendo respostas, com vistas a que haja uma redução significativa do número de mortos, com o uso de tecnologia apropriada e com a educação da população.
No dia 2 de maio, o atual secretário de Política e Programas de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério de Ciência e Tecnologia e Acadêmico Carlos Nobre, em palestra na Reunião Magna da ABC seguida de entrevista coletiva para a imprensa, falou sobre as medidas que o Governo Federal está tomando para prevenir, prever e mitigar o impacto dos desastres naturais no país.
Para Nobre, a crise econômica explica o aumento do número de pessoas vivendo em áreas de risco. “A população vai sendo expulsa das áreas mais seguras por questões financeiras e vai se deslocando para encostas e lugares inadequados, onde o custo da terra e da construção é menor.”
O especialista informou que um sistema eficiente de prevenção começa com a retirada das pessoas das áreas de risco e com a realização de obras que diminuam as possibilidades de desastres nas áreas em que seja impossível retirar as pessoas. O segundo ponto é a existência de um sistema de alerta eficaz, que possa ser ativado num prazo suficiente para permitir que as pessoas abandonem os locais de perigo. E, por fim, é necessário um bom sistema de defesa civil, que possa efetivamente utilizar de forma correta o alerta e orientar o trabalho preventivo para efetivamente salvar vidas.

A ciência e a tecnologia são a base do sistema
O secretário explicou que para implementar um sistema de monitoramento meteorológico nacional hoje, existem muitos desafios. Em primeiro lugar, é preciso desenvolver infra-estrutura para coletar dados ambientais essenciais a um sistema de alerta de desastres naturais.
É necessária também a complementação das redes de observações meteorológicas, instalando medições automáticas nas áreas de risco. “A rede instalada é convencional, com pluviômetros instalados no centro das cidades, porque não foi construída para responder a desastres. Precisamos equipá-la com 10 a 15 radares meteorológicos, que são as ferramentas mais importantes para se acompanhar as chuvas intensas em todo o território”, esclareceu Nobre.
E isso não é barato. A faixa de preço dos radares vai de R$800 mil a R$ 6 milhões. “Cada radar meteorológico adequado para aplicação em desastres naturais custa em torno de R$ 4 milhões. Somando as obras necessárias para sua instalação, o custo unitário vai a R$ 6 milhões”. Para construir 15 unidades, seriam gastos então R$90 milhões.
Tão importante quanto a compra e instalação de novo radares, porém, é tornar a informação gerada por eles disponível para uso da Defesa Civil e dos centros de alerta. Por isso, o Programa Brasileiro de Previsão, Prevenção e Mitigação dos Impactos dos Desastres Naturais apresentado por Nobre abrange a integração das informações de todos os radares meteorológicos do Brasil. “É a informação que temos disponível em tempo real para toda a estrutura de alerta de desastres do país”, ressaltou Nobre.
O maior e mais difícil desafio, no entanto, não é o alto custo dos radares e sim a realização do mapeamento geológico detalhado das áreas com risco de deslizamento. “Hoje temos em torno de 1.500 áreas de risco mapeadas, de um total que deve chegar a 20.000”. Ele explicou que não existe ferramenta que execute essa tarefa automaticamente. É um trabalho demorado, que tem que ser feito por geólogos e articulado com a Defesa Civil.
Este setor também é fundamental: a Defesa Civil é responsável pelo desenho de planos de emergência, que requerem um trabalho educativo com a população, segundo Nobre, para que as pessoas saibam como se salvarem em situação de risco. “Para salvar vidas, temos que agir antes dos desastres acontecerem, pois o número de pessoas que são salvas pós-desastre é muito pequeno. É um trabalho tão importante quando dar o alerta.”

Fenômenos imprevisíveis, reação planejada
O sistema de alerta mais avançado do Brasil está na cidade do Rio de Janeiro: o Alerta Rio, inaugurado em janeiro de 2011. Ele foi testado de fato nessa semana, quando houve uma chuva muito forte, causando inundações e mais de 80 desmoronamentos de encostas. “O alerta foi dado com um prazo relativamente curto, mas suficiente para que não houvesse nenhuma morte”, disse Nobre.
Baseado no modelo usado no Japão e em outros países com ocorrências diversas de desastres naturais, o modelo matemático utilizado é relativamente simples: relaciona o limiar de chuva com o risco de uma encosta deslizar. Segundo Nobre, o sistema de alerta do Japão é completo, na medida em que usa a melhor ciência e tecnologia. “Eles salvam vidas no Japão com 20 segundos, que é o tempo entre o alerta de terremoto e a fundação da casa cair. E eles conseguem, pois a população responde rápido. Apesar do episódio recente do tsunami ter sido um dos piores desastres na história do Japão, teria morrido mais de um milhão de pessoas se não fosse esse sistema”, esclareceu o cientista.
Nobre destacou um fato importante com relação ao aviso de risco iminente: a experiência internacional mostra que, mesmo com os sistemas de alerta mais desenvolvidos do mundo, a previsão precisa com relação ao desabamento ou inundação de uma encosta ou de um bairro só é possível algumas horas antes. “Não é verdade dizer que o alerta pode ser dado com 24 ou 48 horas de antecedência. É possível ter uma idéia, por exemplo, de que vai chover bastante no leste do estado do Rio de Janeiro, afetando a cidade do Rio, com 24 ou 48 horas, mas não há como prever que uma determinada encosta está sujeita a risco de desabamento. Isso só é possível, no máximo, com três horas de antecedência. Mas esse tempo é suficiente para salvar muitas vidas.”
Central avançada começará a ser construída

O Acadêmico Carlos Nobre em entrevista coletiva na ABC para GloboNews, Folha de S.Paulo, Ciência Hoje, Jornal da Ciência, Rádio MEC e outros veículos de comunicação

O Governo Federal está planejando respostas. Está previsto para novembro o início da construção de uma Central Nacional de Monitoramento Meteorológico. “Será um centro de processamento de dados de alto conteúdo tecnológico, com 30 % de doutores, 30% de mestres e 40% de graduados,” declarou Nobre.
O local escolhido, Cachoeira Paulista, foi considerado ideal por três motivos. Um é o fato de já existirem vários centros de pesquisa ambiental, como o Instituto nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cepetec), havendo toda uma competência estabelecida e uma infra-estrutura muito poderosa, contando inclusive com um super computador. “A proposta é criar um cluster de centros de alta tecnologia, como ocorre no Japão: toda a informação de alerta sai da Agência Meteorológica Japonesa, que cuida de todo tipo de desastre”. Nobre destacou que outro motivo foi mesmo a localização geográfica: Cachoeira Paulista está entre o Rio e São Paulo e entre a Serra do Mar e da Mantiqueira, região que concentra 80 % dos desastres naturais com vítimas do Brasil. Além de tudo, está perto de Brasília, ou seja, perto da Defesa Civil e da coordenação nacional.
Suas atividades, de início, cobrirão as áreas em que já existem bons mapeamentos de áreas de risco de deslizamentos ou de inundações, como a cidade de São Paulo e a região do maciço da Tijuca, no Rio de Janeiro. “A ideia é ampliar esse mapeamento até 2014 para alcançar 1.000 municípios. Hoje temos em torno de 1.500 pontos frágeis identificados no país. Queremos chegar a 15.000 em quatro anos.”
Nobre fez questão de destacar que o centro não duplicará trabalho. Ele não vai fazer de novo, por exemplo, o que o Alerta Rio já está fazendo bem: terá a missão de olhar o Brasil como um todo. “É um trabalho de integração dos sistemas estaduais e municipais com o sistema nacional”. A previsão é que o centro esteja em pleno funcionamento em cinco anos.
Com relação ao prazo, Nobre é otimista. “Nós podemos cobrir as nossas deficiências rapidamente, num prazo de quatro a cinco anos podemos mudar essa situação do Brasil, reduzindo entre 50% e 80% o número de mortos por desastres naturais.”