A ciência deve estar alinhada às demandas da sociedade e é preciso promover a pesquisa e a inovação no ambiente empresarial. Esta é a opinião do diretor de Engenharia, Ciências Humanas, Exatas e Sociais do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Glaucius Oliva, que deve assumir a presidência do órgão na próxima quinta-feira.

Em entrevista exclusiva ao Estado de S.Paulo, Oliva afirmou que um dos grandes entraves à ciência no país é a sobrecarga gerada sobre o pesquisador por questões administrativas. Disse ainda que é preciso valorizar, na avaliação do mérito acadêmico, a inovação e o engajamento em atividades de divulgação científica, diminuindo a ênfase no número de publicações.

Leia a entrevista:

Estado de S.Paulo: Quais devem ser as prioridades para a ciência brasileira nos próximos anos?

Glaucius Oliva: A ciência precisa estar contextualizada com as demandas da sociedade. As agências de fomento precisam promover a multidisciplinaridade. Precisamos promover a pesquisa e a inovação no ambiente empresarial. O cientista não faz mais pesquisa apenas com seus alunos, no seu laboratório. O cenário hoje envolve colaborações com a indústria, com as políticas públicas. Precisamos incluir a questão da sustentabilidade, não só ambiental, mas econômica e social, em todos os nossos projetos. Do ponto de vista da produção científica, temos de nos preocupar profundamente com a questão da qualidade, do impacto e da relevância das pesquisas. O Brasil não deve mais se preocupar em aumentar o número de publicações e sim em buscar qualidade, impacto e relevância. Finalmente, a internacionalização. A ciência hoje, para ter qualidade, deve ser feita em parceria com os outros cientistas do mundo, em projetos colaborativos conduzidos por equipes multinacionais. Não basta o intercâmbio de pessoas. Esse é o cenário.

ESP: Como o país pode atingir esse ideal?

GO: Para poder levar em conta a necessidade premente da contextualização da ciência com demandas da sociedade, precisamos modernizar os sistemas de avaliação e acompanhamento. O sistema de avaliação delineia o que vai acontecer com a ciência que é feita. Se ele valorizar o número de publicações e o fator de impacto, os pesquisadores vão publicar artigos e procurar revistas de alto impacto. Mas também é preciso introduzir no sistema de avaliação fatores que garantam a qualidade e que promovam as abordagens multidisciplinares. A modernização da gestão, avaliação e acompanhamento é uma forma de delinear o futuro do sistema e fazê-lo caminhar na direção da qualidade. Não se deve olhar apenas o número de publicações.

ESP: Como fazer essa modernização?

GO: Iniciamos no ano passado um programa para avaliar o que as agências internacionais equivalentes ao CNPq estão fazendo. Estamos vendo como a National Science Foundation americana, o National Institutes of Health e os research councils da Inglaterra estão lidando com essa questão. Como está sendo feito no Japão e na Austrália. Fazemos workshops com a participação de pessoas desses países. Depois vamos fazer uma proposta, que vai ser discutida com a sociedade. Mas já há um consenso de que o sistema, se continuar como está, não vai ajudar a ciência brasileira. Outra prioridade é a criação de um novo marco legal, que atenda às necessidades da pesquisa científica para gestão de recursos, importações, contratação de pessoas. Nós ainda estamos submetidos a um regime de compras públicas igual ao do trabalho burocrático do governo. Mas para fazer pesquisa é preciso mais flexibilidade. Hoje a aplicação dos recursos para pesquisa tem tantas dificuldades que você reduz drasticamente a eficiência do gasto. Não adianta mais dizer que a culpa é dos tribunais de contas e das controladorias. Eles olham a lei vigente. É preciso lutar para ter uma lei que ampare a aplicação de recursos de forma mais ágil, mais desburocratizada e mais eficiente.

ESP: Há clima político para construir esse marco legal?

GO: Hoje nós temos um ministro da Ciência e Tecnologia que é uma liderança política. Não há oportunidade melhor do que essa. Ele conhece a área com detalhes e, ao mesmo tempo, conhece todos os meandros políticos por ter sido parlamentar tanto tempo. Outro desafio importante vai ser a expansão e sustentabilidade dos recursos para acompanhar o crescimento do sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação nos últimos anos. Nós observamos, nos últimos oito anos, uma expansão drástica no número de universidades e novos câmpus. Nos últimos cinco anos, nós tivemos a incorporação de 15 mil novos pesquisadores ao sistema e a grande maioria é de jovens doutores. Percebemos nitidamente aqui no CNPq o aumento na demanda por bolsas de iniciação científica, por apoio no edital universal, por bolsa de produtividade em pesquisa. Se incorporamos 15 mil novos pesquisadores, vamos precisar de mais recursos para que esses indivíduos tenham condições de fazer pesquisa de qualidade. E para isso vamos precisar de recursos sustentáveis.

ESP: Como conseguir esses recursos?

GO: Acho que temos bons instrumentos. Um deles é o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que é alimentado pelos fundos setoriais (financiados pelos agentes econômicos de cada setor). Em outros ministérios do governo temos hoje a conscientização de que ciência e tecnologia é essencial para praticamente todas as áreas. No Ministério da Saúde há uma quantidade crescente de recursos para pesquisa. O Ministério de Desenvolvimento Agrário tem interesse de fazer projetos de pesquisa, assim como o das Relações Exteriores. Como o CNPq é o órgão que tem bolsas para dar e corpo técnico para avaliar projetos, temos feito convênios com esses ministérios. Uma terceira fonte de recursos, tão importante quanto, é o trabalho que o CNPq tem feito com as Fundações de Amparo à Pesquisa estaduais (FAPs). Em vez de lançar editais nacionais, o CNPq tem procurado os Estados para lançar editais estaduais, que atendam as demandas regionais de pesquisas. Hoje temos 23 fundações de amparo à pesquisa, bem estabelecidas.

ESP: O orçamento de todas as FAPs, hoje, é comparável ao orçamento do CNPq, correto?

GO: É isso mesmo. O orçamento executado do CNPq, contando apenas investimento em pesquisa, é de R$ 1,85 bilhão. Isso envolve o orçamento próprio do CNPq, o investimento expressivo do FNDCT – de R$ 177 milhões – e mais R$ 177 milhões que vieram de parcerias com outros ministérios. As FAPs somadas, incluindo a Fapesp, investiram no ano passado um recurso equivalente. Talvez até um pouco maior. Isso é resultado justamente desse esforço do CNPq de colocar recursos nos Estados. Dentro desses R$1,85 bilhão estão os quase R$ 200 milhões que a gente colocou em parceria com os Estados, e eles dobram o dinheiro. Isso está fazendo crescer os recursos para ciência e tecnologia no país. Temos um sistema que funciona, com recursos expressivos. Precisamos crescer um pouco mais, mas é diferente de oito ou dez anos atrás, quando parecíamos peixinhos com a boca fora dágua tentando conseguir um pouco de oxigênio. Agora podemos começar a pensar em coisas mais ousadas. Aprendemos a fazer ciência de qualidade e em quantidade, mas precisamos ousar mais, precisamos buscar mais a fronteira do conhecimento. E as agências de fomento precisam estimular isso. Não dá só para apoiar editais pulverizados. Já temos um avanço grande que é o programa de Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT). A gente tem pensado em ter um edital para pesquisa de fronteira. Sem separar áreas do conhecimento. E o mais importante na avaliação vai ser o projeto e não o currículo do pesquisador. Hoje, o que pesa mais é o currículo do camarada. Eu queria editais em que o projeto fosse o protagonista. É evidente que, para um projeto ser viável, ele tem de estar sendo liderado por pesquisadores que tenham na sua história evidências de que serão capazes de realizá-lo.

ESP: Como fazer essa avaliação?

GO: O CNPq lida com números muito grandes e a gente não pode minimizar a dificuldade que os comitês de julgamento enfrentam para atender 30% da demanda de projetos. No edital universal, que tem esse nome porque todas as áreas do conhecimento podem concorrer com qualquer assunto, recebemos cerca de 15 mil solicitações por ano e atendemos cerca de 3,5 mil. É uma disputa grande e, nessa hora, é difícil avaliar cada projeto com profundidade. Os comitês acabam optando por usar uma cientometria. Jogam os números de publicações no computador, multiplicam pelo fator de impacto, relativizam pela posição do autor, dão pontos de acordo com o número de alunos que ele já orientou. Com essas fórmulas fica mais fácil. Para os 12 mil que não ganharam, você responde que foi porque tiveram menos pontos. Há uma certa objetividade, mas não é o melhor no que diz respeito à qualidade, pois se dá pouco peso à ousadia da proposta. Não estou dizendo que vamos acabar com o edital universal. Vamos manter os programas que estão andando e que fizeram a ciência chegar até aqui. Mas vamos pegar recursos adicionais e jogar em editais mais ousados.

ESP: O que o senhor pensa fazer para estimular a inovação?

GO: Já temos muitas ações importantes, como o programa RHAE (Programa de Capacitação de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas), que oferece bolsas exclusivamente para empresas. Quem se candidata a esse edital são empresas com um projeto de pesquisa. O supervisor desse projeto deve ser uma pessoa com título de doutor ou equivalente e esse programa oferece bolsas para incluir e fixar graduados, mestres e doutores nas empresas. No ano passado colocamos R$ 30 milhões nesse projeto e neste ano vamos colocar R$ 40 milhões. Na última chamada, tivemos cerca de 400 propostas e 47 foram atendidas. Isso mostra que há demanda nas empresas. Também temos criado editais para apoiar os Núcleos de Inovação Tecnológicas (NITs) das universidades. São eles que fazem a interface entre os cientistas e as empresas e esse tipo de ator é o que mais faz falta no sistema, pois conhece demandas da empresa e, ao mesmo tempo, o portfólio de tecnologias e competências nas universidades e institutos de pesquisa e vai fazendo o casamento dessas duas coisas. Então estamos apoiando fortemente esses NITs com bolsas. Desde bolsas de Desenvolvimento Tecnológico e Industrial (DTI), que não necessariamente são para pessoas com mestrado e doutorado acadêmico, como também bolsas de pós-doutorado. No ano passado, no edital do Programa Nacional de Pós-doutoramento, separamos bolsas exclusivas para doutores que pretendiam se inserir em empresas ou Núcleos de Inovação Tecnológica. Outra coisa que precisamos avançar é na forma de avaliação, para dar o crédito devido às atividades de inovação. Mais uma vez: a avaliação delineia o que sai do sistema. Se dou valor apenas para publicações em revistas internacionais indexadas, o sistema vai produzir artigos internacionais em revistas indexadas. Não posso exigir que o pesquisador se envolva em inovação e depois, na hora de dar a bolsa, não valorizar isso. O mesmo vale para a área de difusão da ciência para a sociedade. Cada vez mais ciência é uma coisa cara e é financiada com os impostos pagos pela sociedade. Portanto a sociedade precisa estar informada sobre o que estamos fazendo até para nos defender, por exemplo, na hora de fazer cortes no orçamento do governo federal. Educação, Ciência e Tecnologia são as primeiras a sofrer cortes. E parte da culpa é nossa, dos cientistas, que ainda não encaramos como parte essencial de nossa missão acadêmica a divulgação da ciência. As pessoas ainda acham que isso é perfumaria, mas é questão de sobrevivência da ciência. É um problema cultural. Não somos treinados para fazer divulgação e não somos valorizados por fazer isso.

ESP: Mas como avaliar inovação? É mais difícil que avaliar publicação?

GO: Avaliar a qualidade das coisas é sempre mais difícil. Eu posso contar publicações, mas não quero contar patentes apenas. Então a gente tem de olhar quantos alunos o pesquisador tem envolvidos em projetos ligados à indústria. Quantos ex-alunos dele hoje estão trabalhando na indústria. Posso olhar critérios de quantos projetos esse pesquisador está coordenando em parceria com indústrias ou empresas ou prefeituras ou órgãos do governo estadual ou federal. Para isso a gente está buscando o que o mundo está fazendo. Os Estados Unidos têm um programa chamado Star Metrics para desenvolver ferramentas para quantificar o impacto da ciência. Medindo por exemplo quantos empregos uma atividade de ciência e tecnologia gera. Qual o resultado econômico dessas atividades. Não se faz mais ciência naquele modelo antigo, no qual a sociedade dá o dinheiro para o cientista e o considera sábio o bastante para fazer o que quiser com esses recursos. Hoje sabemos que a sociedade tem outras demandas e o gasto do dinheiro público precisa ser muito bem justificado. A ciência precisa estar contextualizada com as demandas da sociedade.

ESP: O pesquisador no Brasil dá aula, pesquisa e ainda é administrador. Existe a ideia de criar uma carreira de pesquisador em tempo integral?

GO: A carreira de pesquisador em tempo integral não existe nas universidades, mas existe nos institutos de pesquisa, como o Butantã e o Instituto Agronômico de Campinas. Deve existir nas universidades? Na França, por exemplo, criou-se uma carreira de pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica Francês (CNRS, na sigla em francês). O órgão empresta esse pesquisador para as universidades, financia um laboratório e lá ele desenvolve um projeto de interesse do CNRS. A qualquer hora, o pesquisador pode ser realocado. Seria como se o CNPq, em vez de dar bolsas, contratasse os pesquisadores.

ESP: Qual é a sua opinião sobre esse modelo?

GO: Sou um professor nato e gosto muito do modelo da ciência associada à transmissão do conhecimento. Acho que as pessoas jovens são as que mais nos desafiam. Acho que o modelo francês não é viável para o Brasil hoje. O Brasil ainda é um país jovem e precisa educar seus jovens. Mas o meu problema nunca foi dar aula e sim a sobrecarga administrativa. Isso pode ser resolvido com a contrapartida das universidades. Em outros países, as agências de fomento pagam uma reserva técnica para a universidade. A Fapesp faz isso, mas o dinheiro não pode ser usado para contratar pessoas. No ano passado, a Universidade de São Paulo (USP) cedeu um técnico administrativo para cada INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia). Outras universidades também vão ter de se adaptar e, para isso, será preciso negociar com o Ministério da Educação.

ESP: Quais áreas o senhor considera prioritárias?

GO: O próximo plano de ação vai levar em conta a discussão feita na 4ª Conferência de Ciência e Tecnologia do ano passado. O tema central foi ciência sustentável. Química verde, transformar toda uma indústria que hoje depende da petroquímica em uma indústria sustentável. Hoje, por exemplo, você consegue fazer plástico de etanol e celulose. Economia de baixo carbono, energias alternativas são áreas tão prioritárias para o país quanto eram no passado a biotecnologia, a nanotecnologia e a agricultura. A agenda internacional de pesquisa está se modernizando. Certamente devemos continuar apoiando as tecnologias de comunicação, espacial e nuclear, sem menosprezar as ciências sociais e humanas, que ajudam a interpretar e contextualizar isso tudo. Ciência do mar é outra coisa essencial. A Amazônia. São temas levantados na conferência e certamente vão ser parte do novo plano.

ESP: Dizem que hoje quem faz pesquisa no Brasil são os mestrandos e doutorandos. Nos países desenvolvidos, quem faz pesquisa é pós-doutorando.

GO: Aqui também está aumentando a participação dos pós-doutorandos. No CNPq temos cerca de 2 mil bolsas de pós-doutorado, 10 mil de doutorado, 12 mil de mestrado e 35 mil de iniciação científica. Então é o momento em que devemos investir em pós-doutorado sim. Mestres e doutores têm prazo de validade. Precisam fazer uma tese em dois anos com começo meio e fim, então os temas acabam sendo fatiados e ficam menos ousados. Nos EUA, o pós-doutorado chega a durar dez anos, mas é como se o pesquisador fosse um empregado com carteira assinada. Aqui, a bolsa é concedida por um ano e pode ser renovada. Mas o pesquisador fica mais preocupado em prestar concurso.

ESP: O edital universal tem duração de dois anos. Alguns pesquisadores dizem que poderia ser maior.

GO: Nos EUA geralmente é de três anos e os mais ousados chegam a cinco, com uma avaliação no meio do período. O edital do INCT que a gente fez foi de cinco anos. Com dinheiro alocado para os primeiros três anos, com adicional após uma avaliação intermediária. O projeto individual talvez possa ser estendido para três anos. Também estudamos voltar ao modelo anterior, que é o de auxílio integrado: um único processo para avaliar bolsas de produtividade, de doutorado e de iniciação científica solicitadas por um pesquisador. Desta forma, posso fazer algo mais abrangente e aliviar o CNPq, que em 2010 recebeu 74 mil solicitações de apoio a pesquisa. É uma loucura julgar isso tudo.

ESP: Quantos consultores existem?

GO: Hoje temos 320 consultores fixos e 48 comitês de assessoramento. Mas para muitos editais chamamos outros consultores. Ao todo deve dar cerca de mil.

ESP: São Paulo recebe um quarto dos recursos do CNPq, mas é responsável por metade da produção científica nacional. Não seria justo aumentar essa verba?

No edital universal, com 15 mil projetos, 23% da demanda era do Estado de São Paulo. Entre os projetos atendidos, 24% eram de São Paulo. Não vejo discriminação. Nós, os paulistas, conquistamos a liderança porque o Estado de São Paulo, depois que perdeu a guerra de 1932, tomou uma decisão histórica e escreveu na bandeira da USP Scientia vinces (Vencerás pela ciência). A razão do sucesso econômico do Estado de São Paulo é justamente fruto do forte investimento que fez em ciência. A ciência venceu. E tem de continuar investindo mais que o resto do Brasil para manter a liderança. Se eu colocasse mais dinheiro do CNPq em São Paulo, o Estado deveria colocar ainda mais para continuar na frente do país. Qual Estado diz hoje que vai destinar 1% de toda a arrecadação tributária para ciência e tecnologia e cumpre? Só São Paulo. E é melhor que seja assim, pois nos dá a liderança. Mas é preciso ter um olhar estratégico. Um olhar de país. De que adianta ter só São Paulo desenvolvido e não ter para quem vender carro, televisão, geladeira ou para onde exportar seus doutores? A gente só se fortalece se o Brasil crescer como um todo.

ESP: É possível diminuir essa burocracia dos mecanismos de controle e avaliação de projetos e gastos?

GO: A burocracia do CNPq é menor que a da Fapesp. Todos os processos são informatizados. A submissão de projetos, a avaliação, a prestação de contas são feitas online. O recurso do CNPq é repassado para uma conta do indivíduo. O da Fapesp tem de ser solicitado a cada compra. Essa afirmação de que o CNPq é burocrático não procede. O que entrava a boa execução da pesquisa é a dificuldade de mudança de alínea, mas isso não é culpa do CNPq. Quando recebemos os recursos do Ministério do Planejamento, já vem determinado o que é para custeio (insumos e manutenção) e o que é para capital (equipamentos). Às vezes os pesquisadores resolvem mudar de ideia e depois fazem a prestação de contas, mas o CNPq não pode aceitar. Essa é a parte ruim, mas, em termos de gestão, é mais fácil que a Fapesp.

ESP: Pesquisadores dizem que o sistema de importação do CNPq, o Importa Fácil, é difícil.

GO: Estamos tomando medidas para mudar isso. O Importa Fácil tem etapas e, se você estiver treinado nessas etapas, é fácil. O único problema é que só pode ser feita a importação pelos Correios. Se tiver treino e não esquecer nenhum papel, é fácil. Estamos preparando um curso de educação à distância, de no máximo uma hora, para ensinar a fazer uma importação. Mas fazer importação no Brasil é, muitas vezes, mais difícil que nos Estados Unidos. Isso porque temos uma lei de 1990 que dá isenção de taxas e impostos à importação para pesquisa. Se por um lado é bom, porque te permite comprar mais coisas com o mesmo dinheiro, é a razão de tanta burocracia. Nos EUA não tem dispensa de imposto. Por isso há empresas especializadas em importar para fornecer material aos pesquisadores. O pessoal reclama que a Anvisa é um entrave à importação, principalmente de biológicos, mas o FDA (agência americana de vigilância sanitária) é muito mais restritivo. Ele inspeciona 100% do que entra nos EUA. Mas lá não há atraso porque o fornecedor tem estoque. Aqui não temos empresas que mantêm estoque por causa da isenção de impostos. A lei sufoca o surgimento desse atravessador e joga a responsabilidade de todo o procedimento no pesquisador e nas universidades. Tenho colegas que dizem: “O país precisava dar um crédito de confiança aos cientistas”. Mas e se ele importar um vírus ou algo que dê encrenca? De quem é a responsabilidade? O país não pode renunciar a esse tipo de controle fitossanitário. Nos outros países são as empresas que lidam com a burocracia. Aqui, a isenção limita o engajamento de empresas privadas na importação e temos mil problemas porque ela é feita de forma não profissional.

ESP: Qual é a solução? Mudar a lei?

GO: Nenhum outro país dá isenção de imposto em importação para pesquisa. Poderia ser uma solução derrubar a lei, pegar esse dinheiro arrecadado e devolver para pesquisa. Mas nós estamos no Brasil e ninguém acredita que isso vai acontecer. Se o governo disser que vai revogar a lei e devolver todo o dinheiro, todo mundo vai dizer não. Portanto, é uma solução que não está na pauta.

ESP: Vocês têm diálogo com a Anvisa e com a Receita Federal sobre isso?

GO: Bastante. O novo ministro está agendando para breve uma reunião entre Ministério da Ciência e Tecnologia, Receita e Anvisa para mais uma vez tentar azeitar esses mecanismos. Uma possível solução, para começar, é pegar um aeroporto do Brasil e fazer uma sala especial para importações de pesquisa. Lá teria funcionários treinados da Receita, com uma geladeira e um freezer para acondicionar os materiais perecíveis. Isso é algo que o CNPq pode ajudar a montar, treinar, dar bolsas, colocar estagiários.

ESP: É preciso mais recursos para os periódicos nacionais?

GO: É fundamental ter periódicos nacionais. Penso que deveria haver um número limitado de excelentes periódicos, com apoio expressivo, linhas editoriais efetivas. Não precisamos de 7 mil revistas, como o Brasil tem hoje. Poderíamos ter 100 excelentes revistas. O grande desafio para a ciência brasileira é ter algumas boas revistas com visibilidade internacional.

ESP: Como financiá-las?

GO: Uma maneira de você financiar revistas nacionais seria adotar políticas de acesso aberto. A agência faz o pagamento da pesquisa, o pesquisador paga pela publicação e o acesso a ela é aberto. Passo a dar dinheiro não só para a revista, mas para o pesquisador, e ele paga a publicação em revistas nacionais. Hoje o edital de editoração é universal, qualquer revista pode pedir. Neste ano estamos apoiando cerca de 290 periódicos. Tem revistas que têm R$ 10 mil e outras com R$ 60 mil.

ESP: Qual é a vantagem do CNPq dar o dinheiro para o pesquisador publicar onde quiser ao invés de financiar diretamente as revistas?

GO: Você acaba selecionando as melhores revistas. O mercado é que vai identificar quais são as revistas que os cientistas brasileiros gostariam de publicar.