Como parte do evento anual Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe, a 8ª Conferência Regional dos Jovens Cientistas da TWAS-Rolac promoveu duas sessões de Ciências da Vida e Sociais.
No dia 29/12, participaram do Simpósio Jovens Cientistas das Ciências da Vida e Sociais o neurocientista brasileiro Jorge Moll, o fisiologista colombiano Juan Camilo Calderon, o bioquímico molecular chileno Luis Larrondo e os bioquímicos brasileiros Robson Monteiro e Rogério Panizutti.
Neurociência
O membro afiliado da ABC Jorge Moll Neto se graduou em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e concluiu sua residência médica em Neurologia pela mesma universidade. Doutorou-se em Fisiopatologia Experimental na Universidade de São Paulo (USP) e posteriormente especializou-se na área de Neurociência Cognitiva, com pós-doutorado no National Institute of Neurological Disorders and Stroke do National Institutes of Health (NINDS, NIH, EUA). Atualmente, Moll é presidente do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino, mantido pela Rede DOr de hospitais.
Sua apresentação, intitulada Cognição moral, emoção e comportamento antissocial: novas evidências por estudos de neuroimagem, descreveu, dentre outros aspectos, o grande avanço dos estudos na área da neurociência cognitiva, auxiliado pelo avanço das técnicas de ressonância magnética funcional. Foram realizadas pesquisas em voluntários normais e em pacientes com distúrbios neuropsiquiátricos, as quais propiciaram um melhor entendimento dos mecanismos subjacentes aos comportamentos antissociais, assim como nas ações pró-sociais e altruístas.
Nos últimos anos, Moll e seus colaboradores têm se debruçado sobre a questão central de como abordar um tema complexo como a moralidade humana sob uma perspectiva científica. “Esse esforço requer uma abordagem essencialmente transdisciplinar, envolvendo filosofia, psicologia e neurofisiologia, além de biologia evolutiva”, explicou o pesquisador. Em sua pesquisa, Moll procura caracterizar os circuitos cerebrais associados a emoções essencialmente humanas – como a culpa e a compaixão -, e à capacidade de fazer julgamentos morais. A partir dessa caracterização, busca compreender qual o tipo de comprometimento que ocorre nesses tais circuitos cerebrais em distúrbios como a psicopatia e a demência fronto-temporal, gerando comportamentos socialmente lesivos ou inadequados. A pesquisa de Moll nesta área é pioneira e internacionalmente reconhecida, estando no centro dos debates atuais sobre ética, sociedade e suas relações com a natureza biológica do comportamento social humano.
Fisiologia
Em seguida, Juan Camilo Calderon, do Departamento de Fisiologia e Bioquímica da Faculdade de Medicina da Universidade da Antioquia, na Colômbia, apresentou sua pesquisa Fibras musculares esqueléticas obtidas por dissociação enzimática dos músculos dos ratos: um modelo para o estudo do acoplamento excitação-contração e os tipos de fibras. Calderon obteve o título de PhD em Fisiologia e Biofísica com essa pesquisa e pretende continuar nessa linha, agora como professor da Faculdade de Medicina da Universidade da Antioquia.
A pesquisa revela que fibras musculares esqueléticas, compostas por fibras mais finas – as miofibrilas – e que são responsáveis pelo movimento corporal, estando presas ao osso e recobrindo todo o esqueleto, podem ser obtidas através de músculos enzimaticamente separados. Isso permitiu ao grupo de pesquisa ter uma visão sobre a fisiologia do fenômeno de acoplamento excitação-contração (ECC, na sigla em inglês). Esse fenômeno, responsável pela ação da contração muscular, só ocorre devido à liberação de íons de cálcio intracelulares e energia (ATP).
Dado que existem diferentes tipos de fibras no músculo considerou-se que o fenômeno (ECC) também tenha diferenças qualitativas e quantitativas em relação aos tipos de fibras. Essa hipótese foi estudada através de músculos esqueléticos de ratos e envolveu a caracterização de cada liberação de íons de Cálcio. O grupo analisou e classificou os detalhes, como a rapidez com que tais íons transitam pela célula e são recaptados quando ocorre relaxamento do músculo, tendo em consideração diferentes momentos do organismo, como momentos de fadiga e não-fadiga.
Uma das conclusões obtidas é que determinado tipo de fibra possui um fluxo de íons de cálcio mais vagaroso e é mais resistente à situações de cansaço do que um outro tipo de fibra também estudado. “Os resultados obtidos contribuíram para uma melhor compreensão das diferenças existentes do fenômeno ECC de acordo com os tipos de fibras do músculo esquelético de mamíferos”, disse Calderon.
Bioquímica
A apresentação de Luis Larrondo, do Departamento de Genética Molecular e Microbiologia da Pontifícia Universidade Católica do Chile (PUC-Ch), tinha como título Uma abordagem de sistemas orientados para desembaraçar redes de transcrição de um sistema complexo: o ritmo circadiano do modelo de organismo Neurospora crassa. Larrondo é PhD em Biologia Molecular e Celular pela mesma universidade. Atualmente, ele tem interesse em entender como os sinais do meio podem afetar a expressão gênica dos fungos e como organismos conseguem se adaptar aos estímulos externos.
O fungo estudado, Neurospora Crassa, é considerado um organismo modelo para se realizar pesquisas científicas, pois cresce rápido e possui apenas um grupo cromossomos. Em 2003 foi obtido seu genoma, o primeiro de um fungo filamentoso. Em relação ao ciclo circadiano, Larrondo explicou que com a evolução os organismos criaram um maquinário conceitualmente simples, porém molecularmente complexo, capaz de controlar as funções biológicas – expressão gênica, fisiologia e até mesmo o comportamento -, num determinado período de tempo (24 horas). “Na Neurospora, esse ritmo pode ser facilmente identificado com uma periodicidade de 22,5 horas. Molecularmente, esses ritmos diários também podem ser rastreados por bioluminescência”, explicou o pesquisador. Segundo Larrondo, com esse sistema o grupo de pesquisa espera revelar detalhes envolvidos no controle temporal da expressão gênica da Neurospora, tornando-se um passo importante para a futura compreensão do relógio biológico de outros organismos.
O segundo palestrante de Bioquímica, Robson Monteiro, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, apresentou trabalho Sobre o papel das proteínas da coagulação sanguínea na Biologia tumoral. O pesquisador obteve o título de PhD em Química Biológica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em 2001. Desde 2002 ele é professor associado do Instituto de Bioquímica Médica (UFRJ) e em 2009 tornou-se membro afiliado da Academia Brasileira de Ciências (ABC). Monteiro é chefe do Grupo de Trombose e Câncer e em sua apresentação ele mostrou a linha de pesquisa do grupo, voltada para o estudo do envolvimento das proteínas da coagulação sanguínea em neoplasias malignas.
A principal complicação clínica e a segunda causa de morte na maioria dos tipos de câncer, de acordo com o palestrante, é a hipercoagulação, ou seja, uma formação excessiva de coágulos que pode provocar trombose. A principal explicação para este processo, segundo Monteiro, é a elevada expressão da proteína Fator Tecidual, bem como a geração de enzimas da coagulação sanguínea na superfície das células tumorais. “Já é sabido que a presença de Fator Tecidual e de enzimas da coagulação sanguínea em áreas próximas à neoplasia maligna possui uma íntima correlação com os processos de metástase e angiogênese”, destacou Monteiro.
Mais recentemente, tem sido demonstrado que estruturas derivadas das células tumorais, denominadas microvesículas, podem conduzir antígenos – moléculas capazes de iniciar uma resposta imune – envolvidos na progressão tumoral e no estado pró-coagulante, como o próprio Fator Tecidual.
Um dos principais objetivos do estudo do grupo liderado por Robson Monteiro é a identificação da presença e/ou formação de proteínas da coagulação e seus receptores em linhagens neoplásicas ou em amostras tumorais humanas e animais. “Estudamos também a sinalização celular mediada pelos receptores de protease do tipo PAR em células tumorais, além das propriedades pró-coagulantes e pró-trombóticas de fragmentos celulares, denominados microvesículas tumorais”, esclareceu o pesquisador, acrescentando que também tem interesse no efeito de anticogulantes no crescimento in vivo dos tumores.
O último palestrante a se apresentar sobre o tema, Rogério Panizutti, trouxe a pesquisa O neuromodulador D-Serina em neuropsiquiatria: da bancada para o ensaio clínico. Em 2004 ele concluiu seu doutorado em Bioquímica pela UFRJ e hoje é professor assistente no Instituto de Ciências Biomédicas da mesma universidade.
Panizutti explicou que seu grupo de pesquisa está interessado em estudar as bases biológicas dos distúrbios neuropsiquiátricos e sua implicação no diagnóstico e tratamento dessas doenças. A D-serina, explicou ele, é um modulador no sistema nervoso que melhora os sintomas cognitivos da esquizofrenia. “Observamos que a degradação de D-serina é muito maior em mentes esquizofrênicas, e em nossos estudos estamos comprovando que esse modulador auxilia na consolidação da memória, prejudicada por conta da doença”, comentou Panizutti. Segundo ele, a pesquisa envolve principalmente treinos cognitivos com pacientes, a fim de estimular o aumento da D-serina no organismo.