Como parte do evento Avanços e Perspectivas da Ciência no Brasil, América Latina e Caribe, cientistas sociais se reuniram na ABC em 29/11/2010, sob a coordenação da Acadêmica e socióloga Elisa Reis, para apresentar pesquisas recentes na área.
Eduardo Marques, Elisa Reis, Simone Wajnman e Ricardo Paes e Barros
Pobreza urbana, segregação e redes sociais
O cientista político Eduardo Marques, da USP, falou sobre a pesquisa na qual vem trabalhando há quatro anos no Centro de Estudos da Metrópole (CEM) , intitulada “Pobreza urbana, segregação e redes sociais”.
Esclarecendo de início, o conceito de redes sociais neste caso refere-se a uma representação gráfica e numérica de um padrão de sociabilidade, sem nenhuma relação com os sites de redes sociais – Orkut, Facebook etc.
Segundo o pesquisador, os grandes centros urbanos produzem áreas segregadas, devido a três fatores, a tendência das pessoas a viverem próximas de seus familiares, a uma política de estado e, principalmente, ao mercado imobiliário. Após constatar que os indivíduos mais segregados têm piores condições de futuro, Marques supôs que as redes sociais poderiam fazer uma ponte sobre essa segregação.
Para testar sua hipótese, ele estudou 12 locais de concentração de pobreza em Salvador e São Paulo, bastante diversos, incluindo favelas em áreas centrais, bairros pobres afastados e cortiços, totalizando 362 redes sociais, e mais 30 redes sociais de classe média para efeito de comparação. “Essa é a primeira pesquisa feita no Brasil que relaciona redes sociais e pobreza, buscando fazer essa análise qualitativamente e quantitativamente”, destacou Marques.
A equipe envolvida na pesquisa fez entrevistas aleatoriamente, nas ruas e nas casas dos locais escolhidos. “Pedia-se que as pessoas citassem contatos (nomes de pessoas), depois outros contatos associados a estes e perguntava-se também qual era a esfera de sociabilidade em que ocorria o contato (família, vizinhança, escola, trabalho, etc)”, explicou Marques.
Os resultados indicaram que os indivíduos mais pobres têm redes sociais bem menores que as da classe média, cerca da metade do número de contatos. Essas redes sociais também são menos diversas, associadas a vizinhanças e a contatos primários. Marques esclarece, no entanto, que dentro dessas classes sociais as redes também variam muito de acordo com fatores como idade, gênero e inserção no mercado de trabalho.
Dentro das redes dos mais pobres, Marques pôde concluir que as redes sociais interferem na probabilidade de estar empregado, na qualidade do emprego e nos rendimentos. As redes sociais pouco homofílicas – aquelas em que as pessoas só se relacionam com pessoas parecidas com elas, produzindo uma menor circulação de idéias, conhecimentos e visões de mundo -, pouco locais, pouco primárias e com sociabilidade variada estão associadas, para os segregados, a melhores condições sociais. Portanto, as redes importam e integram.
Outra das conclusões foi o que Eduardo Marques chama de “economia das redes sociais”. As pessoas mais pobres têm redes sociais menores não por conhecerem menos pessoas durantes sua vida, mas por terem menos meios de manter esses contatos com o passar do tempo, que envolveria telefonar, conversar pela internet, dar presentes, fazer visitas.”A distância física aqui ganha um peso maior na periferia de São Paulo, devido à migração”, destacou o cientista.
Outro fator é a passagem pela universidade. Marques explica que durante a adolescência ricos e pobres têm vínculos parecidos – que ele denomina de FFF, Fracos, Freqüentes e Fortuitos – e também freqüentam um ambiente menos homofílico que a própria família ou vizinhança: a escola. O ingresso na universidade é o diferencial, que faz com que os jovens de classe média tenham uma passagem mais suave entre a escola e o mercado de trabalho, podendo durante quatro anos em média construir vínculos que lhe servirão durante toda a vida profissional.
Os resultados desta pesquisa estão reunidos no livro “Redes sociais, pobreza e segregação” da Editora Unesp.
Os fatores determinantes da melhora da distribuição de renda no Brasil
Em seguida, o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Acadêmico Ricardo Paes e Barros fez uma apresentação intitulada “Os determinantes da nítida melhora da distribuição de renda no Brasil”. Nesta pesquisa ele busca entender quais os fatores que levaram à diminuição da desigualdade no Brasil e, principalmente, perceber quais são os próximos passos e desafios.
Paes e Barros destacou que “os nossos ricos são tão ricos quantos os ricos dos países desenvolvidos, mas nosso pobres são infinitamente mais pobres no cenário dos pobres no globo”. Ele lembra que o Brasil ainda tem um longo caminho a percorrer para chegar a níveis de desigualdade medianos, comparáveis a outros países em desenvolvimento: “Quando os nossos pobres forem tão pobres quanto os pobres da Turquia, aí sim a gente terá um sucesso”, compara. “O problema não é que o nosso progresso recente não tenha sido fantástico, o problema é de onde a gente partiu”, comenta o economista, que avalia serem necessários mais 16 anos com o mesmo ritmo de redução da desigualdade para chegarmos a um patamar aceitável.
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Contudo, manter o ritmo atual é um grande desafio, pois nos últimos anos o Brasil alcançou a “meta do desenvolvimento do milênio” de reduzir a extrema pobreza à metade dez anos antes do previsto, que era 2015. “Isso que dizer que estamos reduzindo a pobreza em uma velocidade 2,5 maior que a meta propunha. É muito difícil manter esse ritmo”, comenta o professor, que depois acrescenta: “Não é a toa que o rico acha que o país está mais ou menos estagnado enquanto o pobre acha que está crescendo. É que a renda do pobre aumenta numa velocidade 5 vezes maior que a do rico. Para os 10% mais ricos, o Brasil cresce como a Alemanha, para os 10% mais pobres, como a China”.
O pesquisador explica que o crescimento da renda per capita dos mais ricos e da classe média se deve, principalmente, a mudanças comportamentais, como a inserção das mulheres no mercado de trabalho e o menor número de filhos por família. Já para os 10% mais pobres, o principal foi os programas de transferência pública de dinheiro – “como deveria ser”, comenta Paes e Barros.
O que chama atenção são os dados que estão acima desses 10% mais pobres, para os quais programas como o Bolsa Família não tem um peso tão grande na redução na pobreza. Para essas pessoas, a diminuição da desigualdade educacional e da desigualdade de renda em função da escolaridade tem um peso maior. O nível educacional vem melhorando há muitos anos – desde a década de 60 – e conforme os mais velhos (que tinham menor escolaridade) saem do mercado, a desigualdade educacional diminui. Paes e Barros ressalta que “ainda assim, temos muito a melhorar, o Brasil tem uma distância educacional muito grande, mesmo se comparado a países com rendas per capita similares e considerados em desenvolvimento. É como se os jovens chilenos de hoje tivessem a educação dos filhos que a atual geração jovem brasileira terá no futuro”. exemplifica.
O outro fator responsável por 30% da queda de desigualdade social é quanto um ano de ensino a mais pesa na renda do brasileiro: atualmente o número é 10%, mas já foi 14% e nos países desenvolvidos gira em torno de 8%. “Isso quer dizer que cada vez vale menos a pena ter educação, mas ainda assim, uma universidade de quatro anos representa atualmente 40% de aumento na renda, mais que um incentivo para estudar”, destacou o pesquisador.
A boa notícia, segundo o economista é que “nem tudo que se fez foi certo, mas ainda podemos consertar e melhorar”. Por exemplo, os investimentos para idosos no Brasil são maiores do que os investimentos na educação para jovens iniciantes e futuros integradores do mercado de trabalho. “Os investimentos nos idosos eram necessários, mas é hora de mudar essa política, pois o índice de extrema pobreza atualmente entre crianças é dez vezes maior do que entre idosos e o governo transfere para um idoso um salário mínimo (500 reais), enquanto gasta com a educação de uma criança 150 reais.”
Outro “erro” é crer que aumentar o salário mínimo reduz a pobreza. Para os 30% mais pobres, com o mesmo volume de recursos governamentais, aumentar o Bolsa Família tem um impacto maior na renda (de 8%) do que o aumento do salário mínimo (que tem um impacto de 2,5%). Isso porque a maioria das pessoas que recebe salário mínimo não é chefe de família, nem vive em família pobre. “É necessário, remodelar, redefinir, aperfeiçoar as políticas para continuar no caminho de resultados”, concluiu Ricardo Paes e Barros.
Desafios e oportunidades das mudanças demográficas no Brasil
A sessão de Ciências Sociais na ABC foi encerrada pela economista Simone Wajnman, professora do departamento de demografia da UFMG, que falou sobre “Desafios e oportunidades das mudanças demográficas no Brasil.”
A pesquisadora mostrou o gráfico do modelo atual, indicador de que a sociedade situada na era tecnológica pós-industrial tem um crescimento populacional bem lento. Nela, as taxas de mortalidade e natalidade caem, com uma tendência a convergir, tornando o crescimento populacional igual a zero no Brasil por volta de 2040, segundo estimativa do IBGE. Os avanços na medicina e o desenvolvimento tecnológico explicam a queda da mortalidade, enquanto a diminuição da natalidade é explicada por um maior planejamento familiar. Neste ponto, a pesquisa de Wajnman dialoga com a de Paes e Barros, pois as mudanças demográficas foram responsáveis por 22% da queda de desigualdade, principalmente devido a ocorrência freqüente de famílias menores.
A questão, segundo Simone, é saber por quanto tempo a taxa de fecundidade vai cair. Atualmente (dados de 2008) o número de filhos por mulher no país é de 1,8, abaixo do nível considerado de reposição do casal que é em média 2,8 filhos (nossa taxa de fecundidade em 2005). “Continuamos crescendo porque ainda temos muito mais jovens do que idosos. Mas a dúvida que surge para os especialistas é: quando pararmos de crescer, a população vai diminuir ou estabilizar?” Outra dúvida é refetene à expectativa de vida: à medida em que reduzimos a mortalidade entre idosos, aumenta a expectativa de vida, mas isso também tem um limite que ainda não se sabe qual é”, questionou a economista.
O que Simone Wajnman procura demonstrar com seus estudos é como as políticas públicas podem (e devem) se orientar a partir da demografia. Ela chama atenção para o momento em que vivemos, que é muito bom: “É uma janela de oportunidades para políticas públicas, pois temos muitos adultos ainda trabalhando e poucos idosos e crianças”. Isso quer dizer, que atualmente, existe “uma baixa razão de dependência” na sociedade brasileira. Além disso, não existe pobreza entre os idosos, pois todos recebem aposentadoria e, como costumam ter maior poupança, podem investir.
Entretanto, a demógrafa lembra que “essa janela está se fechando” e quase nada tem sido feito. “Pois a situação atual garante o bem estar dos idosos no futuro, mas como a razão de dependência deve aumentar em breve, os gastos com os idosos (aposentadoria, transferência de renda e saúde) se tornarão inviáveis.”
Concluindo, ela lembrou que os arranjos familiares mudaram e continuam mudando muito. Atualmente, só metade das famílias é considerada “tradicional” – pai, mãe e filhos morando juntos. Portanto, mudanças no foco dos investimentos do governo têm que ser feitas logo para garantir o bem estar no futuro. “A reforma previdenciária, o investimento no atendimento de saúde domiciliar e na qualidade de vida em longo prazo devem ser prioridade neste momento, devendo haver uma substituição gradual dosinvestimentos mais caros e menos sustentáveis nos idosos”, concluiu Wajnman.