As tardes do VI Seminário Nacional ABC na Educação Científica, nos dias 26 e 27 de novembro na Universidade do Vale do São Francisco (Univasf) em Juazeiro, na Bahia, foram dedicadas às práticas: os mais de cem professores presentes dividiram-se por seis oficinas e vivenciaram experiências que demonstram a metodologia proposta pelo programa.
O Terrário
A oficina proposta pelo pólo Estação Ciência/USP do Programa ABC na Educação Científica tem como objetivo desenvolver e discutir com os professores uma atividade investigativa de ciências sobre o ciclo da água em um terrário. “Nesse processo, buscamos refletir os procedimentos didáticos propostos e sua utilização com os alunos”, observou a coordenadora Beatriz de Castro Athayde.
“O terrário é parte de um módulo intitulado Água e Ambiente“, explicou Beatriz, esclarecendo que quando a atividade é apresentada fora do contexto do módulo, é reconfigurada, como no caso do Seminário.
Os professores participantes da oficina são alertados para isso logo no início: “eles devem considerar que essa atividade tem que estar inserida num planejamento, dentro de um tema que eles querem discutir com os alunos de forma mais ampla”, esclareceu Beatriz. Os procedimentos didáticos dentro da perspectiva investigativa variam. Beatriz esclarece que existem várias linhas e que, mesmo no Programa ABC na Educação Científica, cada pólo tem seu jeito de trabalhar.
“No pólo Estação Ciência, trabalhamos com seqüências didáticas”, esclarece a coordenadora. Ela explicou o conceito descrevendo a oficina realizada, que começou com a montagem de um terrário – uma base de garrafa pet com um furo, pedrinhas no fundo e terra por cima. Em seguida, uma mudinha é plantada e vêm as perguntas. “Será que nesse ambiente a plantinha se desenvolve? O que ela precisa para se desenvolver?” E vêm as respostas: ela precisa de água e precisa receber iluminação, para fazer fotossíntese”.
Beatriz questionou. “E se eu fechar esse vidrinho? A plantinha terá todas essas condições que vocês descreveram?” E as respostas se sucedem: os participante dizem que não, porque a planta ficará sem ar e a terra vai secar. “E a partir da observação desse microssistema, o grupo é levado a pensar o que acontece no macrossistema. Esse é o procedimento”, explica a pesquisadora.
Beatriz destaca que a atividade é uma simulação. “Claro que na natureza o processo é mais complexo”, diz, acrescentando que o grupo então vai refletir sobre o ciclo da água, que eles já estudaram com as crianças, mas de uma forma muito tradicional. “Por isso eles têm que reconstruir aquilo que já sabem, para entender como é que o ciclo da água se processa naquele ambiente e então transportar essa percepção para a natureza.”
Para construir as sequências didáticas, Beatriz pergunta ao grupo em que tema maior a atividade do terrário pode estar inserida. São sugeridos diversos níveis de temas: o grande tema meio ambiente e dentro dele o ciclo da água, a poluição do ar, das águas, o desmatamento. E daí se estrutura um planejamento seqüencial, objetivo inicial da atividade.
A Física dos Brinquedos
O coordenador do Espaço Ciência e Cultura da Universidade do Vale do São Francisco (ECC/Univasf) Marcos Ribeiro explicou que o objetivo da oficina que ministrou no evento é levar os alunos a associar fenômenos da natureza – como ar, energia, água e som – com fenômenos científicos.
“Construímos brinquedos como caleidoscópio, telefone sem fio, espelhos, peteca, avião de papel, barquinho e balão, de forma interativa e com materiais de baixo custo”, explicou Marcos. “Após a construção dos brinquedos, os participantes têm a oportunidade de interagir, discutindo os fenômenos físicos a partir dos quais se dá o funcionamento dos brinquedos.”
Percepção Ambiental
O objetivo da oficina ministrada por Angelina Sofia Orlandi , doCentro de Divulgação Científica e Cultural da USP de São Carlos (CDCC/USP-S.Carlos) é refletir sobre a importância do método investigativo e como utilizá-lo nas diferentes áreas do conhecimento. E ela faz isso de uma maneira muito simples. – pela observação de uma tangerina (ou mexerica, como se diz em algumas regiões do país).
Cada grupo de participantes da oficina recebeu uma fruta e devia relatar todas as características que pudessem observar. Foram registradas a textura, o cheiro, a umidade da polpa, o número de gomos, entre outras características. Então Angelina mostrou a foto de uma tangerina, e o grupo observou quantas características percebidas no contato com a fruta em si se perderam quando o objeto de observação é uma foto.
“A partir daí, nós trabalhamos o que é importante no Programa: a investigação, a observação, a experimentação na realidade, a parte de atividade em grupo, da discussão em grupos pequenos, depois no coletivo, discutir sobre o que a gente observou, o resultado da observação”. Angelina quis mostrar a importância da manipulação dos objetos, a da vivência, do valor didático evidentemente maior das experiências reais, da prática. E conseguiu.
Jogos de Educação Ambiental
A pedagoga Nirvana Nicolato, do pólo Parque da Ciência, da Universidade Federal de Viçosa (UFV), utiliza a metodologia do ensino de Ciências através da experimentação com as séries iniciais do ensino fundamental em Minas Gerais. Nirvana é um dos frutos do programa de capacitação do ABC na Educação Científica realizado em seu estado no ano de 2008. Após o curso, Nirvana criou uma oficina intitulada Misturas que foi aprovada pela Secretaria de Educação de Minas Gerais e, desde então, está totalmente envolvida no Programa.
No VI Simpósio Nacional do Programa ABC na Educação Científica, Nirvana trabalhou três atividades em Educação Ambiental com os grupos de professores participantes. A primeira foi o jogo dos Biomas Brasileiros, “inspirado num jogo criado por um grupo da Universidade Federal Fluminense (UFF), que conheci na reunião da SBPC em 2009”, contou Nirvana.
A segunda atividade foi a Casinha da Eletricidade, jogo que aborda o consumo inteligente de energia. “Este jogo é trabalhado em outro formato pela Cemig [Companhia de Eletricidade de Minas Gerais], que tomamos por referência para criar o nosso”, explicou a professora. A terceira atividade foi um dominó sobre Resíduos Sólidos Domiciliares. “Esse dominó foi construído baseado num outro, criado pelo pessoal do CDCC/ São Carlos. Ou seja, todas as atividades que realizamos se originaram em trocas de experiências como essa que estamos vivenciando hoje”, concluiu Nirvana.
Identidade e Diversidade
A coordenadora do Programa ABC na Educação Científica Danielle Grynszpan (à direita na foto) da Fundação Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro (pólo Fiocruz/RJ) conduziu em parceria com a Profa Cláudia Mota (à esquerda na foto) uma atividade que procura trabalhar, de forma investigativa, a observação de características dos indivíduos, bem como discutir a importância da identidade/diversidade intra-específica para a continuidade da vida.
“A partir da constatação das singularidades, buscamos ressaltar que cada um é único no mundo e, portanto, fundamental – além das questões éticas inerentes ao tema, especialmente quando se trata da espécie humana”, explicou Danielle.
Segundo a coordenadora, o Programa ABC na Educação Científica no Rio de Janeiro sempre enfatizou que um processo de ensino-aprendizagem deve começar por uma ou mais questões-desafio. O grupo constituído no evento era formado por professores de diferentes tipos físicos e níveis de formação, de professores municipais locais a professores universitários.
A partir da orientação para que se realizasse a descrição física de cada integrante, registrando as ideias por escrito, foi possível se constatar como as visões de um mesmo objeto de estudo podem ser tão diferentes e, por vezes, até paradoxalmente contrastantes. “Trabalhamos com os participantes a questão da interpretação de protocolos de ação propostos e sobre a obtenção de dados em ciência – ou seja, sobre o binômio objetividade/subjetividade”, relatou Danielle.
Foi destacada pelo grupo a importância da igualdade e da diversidade na espécie humana, por ser a chave para a manutenção da vida na Terra. “Esta ideia foi sendo construída de forma compartilhada durante o desenvolvimento da atividade”, contou a pesquisadora, observando o levantamento freqüente de questões éticas na discussão, assim como de questões subjetivas.
“Esta diversidade de respostas ao mesmo desafio educacional foi também foco de discussão, a fim de que pudéssemos contribuir para a compreensão da metodologia investigativa como uma forma de trabalho que prioriza o desenvolvimento da argumentação oral e escrita, associada à melhoria da qualidade cognitiva, ao mesmo tempo em que mostramos que o processo de letramento em educação científica é permanente – suscitando sempre questões – que representam novos desafios”, concluiu Danielle.
O retorno dos participantes
Formado em Química, o professor de Ciências Vitor Paulo Alves de Oliveira (na fot acima) trabalha no MEC em Petrolina e estava querendo fazer um mestrado, sentimento que foi renovado com a vivência no evento. “Participei da oficina de atividade investigativa com a professora Danielle Grynszpan e foi perfeito, ela contextualizou o que a gente achava que era apenas usar o método científico. Estou saindo com o pensamento de que a investigação científica tem que ser transversal, tem que ser transdisciplinar, acho que o propósito era esse.”
Para Francisca Maria da Silva, professora do 2º segmento do ensino fundamental no povoado de Simpatia, próximo a Petrolina, em Pernambuco, este primeiro contato com a metodologia foi proveitoso. “Vim procurando ganhar uma nova experiência, é bom ver que a Univasf está oferecendo essas oportunidades para os professores daqui da região.”