No encontro realizado em São Carlos para discutir a questão dos recursos hídricos nas Américas, o pesquisador da Universidade Feevale Fernando Spilki apresentou seu estudo sobre virologia aquática. O veterinário, doutorado em Virologia Ambiental, também é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Qualidade Ambiental na universidade, localizada em Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul. Spilki defendeu a necessidade da eliminação dos vírus nos processos existentes de tratamento de água.
Tratamento convencional não elimina os vírus
Até agora, tais tratamentos teriam obtido sucesso na neutralização de diversos microorganismos, mas não chegaram a atingir os vírus. O pesquisador demonstrou o impacto potencial de doenças virais causadas pela água na saúde humana. “São diversos os vírus entéricos encontrados na água, entre eles adenovírus, rotavírus, enterovírus e vírus da hepatite A e E”, explicou. Estes vírus podem causar inúmeras doenças e são transmitidos por via fecal-oral, através do consumo ou do contato direto com a água contaminada. “A maioria dos infectados é composta por crianças, especialmente de comunidades mais pobres”, advertiu. As doenças transmitidas por esses vírus, como a diarréia, são a segunda maior causa de morte infantil no mundo e a primeira em alguns países em desenvolvimento.
Processo diferente
Spilki questionou a ausência de sistemas de tratamento de água e esgoto nos países da América Latina e da África. “Tem que haver especial preocupação com a remoção dos vírus: eles são mais resistentes do que outros microorganismos ao tratamento convencional e às condições ambientais”, acrescentou.
O especialista alertou para o fato de que os vírus não são detectados nos padrões atuais de verificação de potabilidade da água no Brasil. “É importantíssima a tomada de consciência para esse problema e um maior número de pesquisas e investimentos na área, o que ainda é raríssimo fora dos Estados Unidos e da Europa”, lamentou.
Como os vírus se dissolvem na água, sua identificação requer uma amostragem concentrada. Sua eliminação requer filtração com membranas carregadas com carga negativa, diálise, ultracentrifugação, floculantes específicos e/ou imunoafinidade.
Aquecimento global facilita contato com água contaminada
Outro aspecto importante salientado pelo pesquisador foi a relação entre a ocorrência dessas doenças e as mudanças climáticas. “O aquecimento global aumenta a incidência de chuvas torrenciais e, conseqüentemente, de enchentes”, explicou.”Estas fazem com que a população tenha contato com águas contaminadas e o número de casos de diarréias e outras doenças transmitidas pela água subam vertiginosamente.”
A urgente redução da incidência dessas doenças transmitidas pela água incluiria, portanto, além do aumento da cobertura do saneamento básico, um tratamento mais avançado da água que eliminasse igualmente os vírus. “Não devemos subestimar a importância de um pensamento global”, lembrou. “Tal pensamento teria que atentar para um melhor planejamento urbano com o intuito de reduzir o risco de enchentes e o próprio aquecimento global”, concluiu.