A bioquímica Katherine Vammen destacou de início as características físicas da Nicarágua. O país é uma ponte entre o México e a América do Sul e é marcado por uma corrente de vulcões. As águas, que vêm principalmente das estruturas vulcânicas – são fartas e de boa qualidade.
Os maiores lagos da América Central estão, em grande parte, na Nicarágua: o Lago Cocibolca é o maior e o segundo é o Xolotlán. Esses recursos naturais, no entanto, enfrentam alguns problemas, causados pelo alto crescimento demográfico – o segundo maior do mundo – como a contaminação e a falta de infraestrutura sanitária. “O país não tem indicadores de desenvolvimento econômico. Não há recursos humanos preparados para lidar com os problemas que surgem”, lamentou Katherine.
A área é muito sensível às mudanças climáticas e as tempestades tropicais se acentuaram na região. As mudanças no uso da terra provocaram a eutrofização na superfície do Lago Cocibolca e de outros reservatórios, perceptível de várias formas, inclusive pela grande mortandade de peixes. “Esse processo é caracterizado pelo excesso de nutrientes na água, oriundo dos esgotos, que provoca um aumento descontrolado das algas na superfície, impedindo a oxigenação,” explicou a pesquisadora.
Fartura de água, limitações no gerenciamento
Os recursos hídricos existentes na maior parte da América Central (em torno de 31.064m3 per capita por ano) colocam a região como uma potencial fonte mundial de água. Os aqüíferos vulcânicos da Nicarágua apresentam água de ótima qualidade. As águas de superfície são abundantes e distribuídas por uma vasta rede de rios. Ainda assim, os problemas relativos à água são grandes.
O principal problema, segundo Katherine, são os recursos humanos. Há falta de capacidade de gestão dos recursos hídricos em todos os níveis. “Precisamos de mais cientistas para estimular as atividades de pesquisa, pois temos áreas em que o potencial de água subterrânea é desconhecido, por exemplo. Faltam também gestores no nível federal e nos municípios para promover as ações necessárias. E não temos pessoal qualificado também para monitorar a qualidade da água”, destacou Katherine.
O alto índice de desmatamento causa um aumento da sedimentação nas águas de superfície e áreas costeiras, principalmente no lado do Caribe. Outro problema é a contaminação de águas superficiais e até subterrâneas pelo alto uso de pesticidas, especialmente nas áreas rurais, cujos poços artesianos são pouco protegidos. “A economia é baseada na agricultura, especialmente na produção de café, banana e algodão”, explicou Katherine.
A falta de recursos financeiros está por trás de todos esses problemas, que limitam o acesso à água de boa qualidade, mesmo ela estando disponível. Embora haja um aumento da população urbana, o que gera demanda, não há desenvolvimento econômico e, portanto, não há investimentos em infra-estrutura sanitária para água potável e esgotos. “E o acúmulo de problemas faz com que as medidas necessárias para resolvê-los se tornem cada vez mais caras”, expôs a pesquisadora.
Iniciativas bem sucedidas
Algumas iniciativas já contemplam o treinamento de pessoal técnico e a pesquisa básica, que gera o conhecimento fundamental que é necessário para o país. Adicionalmente, cursos universitários em áreas relacionadas aos problemas citados foram criados, redes de informação estão sendo desenvolvidas, além de esforços para a conscientização das comunidades estarem sendo implementados para que estas aprendam a usar de forma segura este precioso recurso natural. “Há necessidade de que se criem políticas de planejamento para a proteção e conservação da riqueza hídrica da região”, defende a pesquisadora.
Uma dessas iniciativas bem sucedidas foi a criação dos Comitês de Água Potável e Saneamento da Nicarágua, que atendem hoje a 1.200.000 nicaraguenses. Os membros das comunidades trabalham junto com as autoridades municipais na construção de infra-estrutura sanitária, no apoio a campanhas de saúde, reflorestamento e conservação do ambiente.
Apesar das dificuldades econômicas, a Nicarágua conta com um centro de excelência no estudo dos recursos hídricos – o Centro para Investigação dos Recursos Aquáticos da Nicarágua (CIRA) que, segundo Katherine, vem contribuindo muito na identificação de problemas relativos às águas superficiais e subterrâneas. “Temos um excelente laboratório de qualidade de água”, contou a pesquisadora.
O diretor do CIRA, Salvador Montenegro Guillén, faz parte de uma Comissão Gestora que desenvolve um projeto para utilização futura das águas do Lago Cocibolca como fonte de água potável. “Para tanto, essa bacia deve ser administrada de forma adequada desde já, e isso está ocorrendo através de parceria do CIRA com o Ministério do Ambiente”, observou Katherine.
Parcerias internacionais bem vindas
Katherine conta que conheceu o Acadêmico José Tundisi na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua (UNAN). “Ele deu aulas na UNAN nos anos 80. Mais recentemente voltamos a ter contato, a partir da Rede IANAS, que estruturou um interessante Programa de Águas que vêm nos propiciando excelentes oportunidades de interação com pesquisadores e centros de pesquisa na região”, destacou.
Participando nas reuniões da Rede, mesmo em uma época em que seu país ainda não possuía uma Academia, o que só veio a ocorrer em 2009, Katherine conta que nos eventos ela e seus colegas aprenderam muito sobre os países da América Latina, “inclusive muita coisa nova sobre manejo de recursos hídricos. Hoje, na Nicarágua, já há um curso de pós-graduação formando pessoal especializado em bacias hidrográficas, que recebe uma formação multidisciplinar.”
Para o futuro próximo, Katherine quer desenvolver pesquisa conjunta com grupos brasileiros e dos outros países da região dedicados à gestão de recursos hídricos. “Precisamos pesquisar juntos, pois os problemas e desafios que enfrentamos em nossos países são muito semelhantes.”