A Presidência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Diretoria do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) e o Centro de Estudos do Instituto Oswaldo Cruz convidam a comunidade científica e amigos para a Sessão Solene comemorativa do centenário de nascimento do pesquisador Haity Moussatché.
A homenagem será no dia 17 de setembro, às 14:30h, no Auditório Emmanuel Dias, no Pavilhão Arthur Neiva, na Fiocruz, localizada na Av.Brasil, 4365. O diretor da ABC Jerson Lima representará a Academia no evento.
Confirmação de presença e mais informações pelos telefones (21) 2562-1216/15
Leia a seguir matéria sobre o homenageado publicada na revista História, Ciências, Saúde-Manguinhos, em outubro de 1988.
“Haity Moussatché morreu de câncer aos 88 anos, dia 24 de julho, no Rio de Janeiro. Que perda foi para nós! Dos mais antigos e prestigiados cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), pertenceu àquela geração formada pelos chamados discípulos de Oswaldo Cruz, o grupo pioneiro de Carlos Chagas, Arthur Neiva, Lauro Travassos, Henrique Aragão, entre outros.
Miguel Osório de Almeira, um dos grandes nomes da fisiologia brasileira, permaneceu pouco tempo no instituto, mas influenciou decisivamente a carreira do jovem judeu sefardita, emigrado de Smirna, que depois iria ser consagrado como um de seus mais talentosos sucessores. Fascinado pela biologia desde o curso secundário, rendeu-se completamente à carreira de pesquisador sob a influência das aulas teóricas de Álvaro Osório de Almeida e das aulas práticas ministradas por Thales Martins e Couto e Silva na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A convite do primeiro, foi monitor de fisiologia até se formar, em 1933. No ano seguinte, iniciou estágio não-remunerado no laboratório de Miguel Osório, no Instituto Oswaldo Cruz (IOC), onde trabalhou alguns anos com o fenômeno da crio-epilepsia.
A necessidade de auferir alguma remuneração por seu trabalho levou-o a se transferir, em 1935, para a unidade que a Fundação Rockefeller mantinha no campus de Manguinhos, destinada à produção de vacina contra a febre amarela. Trabalhou com Wray Lloyd na cultura de vírus da doença. Dois anos depois pôde retornar ao laboratório de fisiologia, recebendo agora como extranumerário. Durante todo esse tempo nunca deixou de freqüentar o laboratório que os irmãos Osório de Almeida mantinham na residência particular da família, na rua Machado de Assis 45, bairro do Flamengo.
Em Manguinhos, em colaboração com Miguel Osório e Mário Vianna Dias, investigou vários aspectos das convulsões experimentais, e daí extraiu o tema de sua tese de livre-docência na Faculdade de Medicina, em 1948. A esta altura, já fazia parte do quadro permanente do IOC graças ao concurso aberto em 1941. Moussatché chefiou a seção de farmacodinâmica e, de 1958 a 1964, a de fisiologia. Nesse período, interessou-se pelas propriedades medicinais de substâncias extraídas de plantas nativas e, sobretudo, pelo estudo dos mediadores químicos na transmissão do impulso nervoso. Seus trabalhos sobre os choques anafilático e peptônico tiveram repercussão internacional, tanto que o convidaram a escrever o capítulo correspondente no volume 18(1): 645-59 da nova série do Handbook of Experimental Pharmacology (Berlim, Spinger Verlag, 1966).
Um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em 1948, participou intensamente dos movimentos e negociações visando fortalecer a área científica no contexto do desenvolvimentismo brasileiro. A convite de Darcy Ribeiro, integrou a comissão que planejou a Universidade de Brasília (UnB), em 1959 e 1960. Socialista e humanista, encarava a ciência como arma poderosa para a superação do subdesenvolvimento e a criação de uma sociedade mais justa e independente. Tal convicção levou-o a engajar-se na Associação para a Criação do Parlamento Mundial (1990), saudável utopia iluminista reavivada por homens de ciência renomados que se congregaram com o fim de conceber e difundir uma constituição universal, capaz de promover o entendimento entre as nações.
Apesar de aderir entusiasticamente à fé na positividade da ciência enquanto força social, Moussatché não aceitava o utilitarismo que sempre presidira, no Brasil, à relação de governos e, mesmo, de dirigentes de instituições com a ciência. Nas poucas conjunturas e nas restritas ilhas de excelência em que ela fora valorizada, valorizaram-na tão-somente como ciência aplicada, isto é, capaz de render benefícios imediatos, facilmente discerníveis, relegando-se a segundo plano o esforço estratégico de pesquisa básica.
Após o golpe de 1964, respondeu a inquérito policial-militar e, em 1970, quando a ditadura recrudesceu, ele e outros pesquisadores tiveram os seus direitos políticos cassados e foram aposentados compulsoriamente pelo Ato Institucional nº 5 (AI-5). O chamado Massacre de Manguinhos não foi um episódio isolado na conjuntura política. O conflito entre os defensores da ciência pura e da ciência aplicada tornou o IOC mais vulnerável às pressões do Estado, que se aproveitou da cisão para suprimir de vez a sua autonomia e para colocá-la sob sua égide.
Moussatché foi acolhido pela recém-criada Universidade Centro-Ocidental Lisandro Alvarado, na cidade venezuelana de Barquisimetro. Começou em 1971 como professor contratado, responsável pela docência em fisiologia e farmacologia. No ano seguinte, era chefe da unidade de pesquisa em ciências fisiológicas da Escola de Veterinária. Em 1975, tornou-se professor titular e, até 1985, exerceu a presidência do Consejo Asesor de Investigación y Servicios (CADIS). Desenvolveu investigações farmacológicas, fez estudos sobre o fígado gordo e iniciou experimentos visando esclarecer o mecanismo de resistência que certos marsupiais (o gambá, por exemplo) apresentavam ao veneno da Bothrops jararaca.
Ao retornar ao Brasil, em 1985, nos albores da Nova República, já com Sérgio Arouca à frente da Fiocruz, foi convidado a reorganizar o Departamento de Fisiologia e Farmacodinâmica, áreas que tinham sido destroçadas na gestão de Francisco de Paula da Rocha Lagoa, primeiro como interventor em Manguinhos, depois como ministro da Saúde. Em 1986, aos 76 anos, Moussatché reassumiu seu lugar junto com outros cientistas banidos pela ditadura militar. Retomou o estudo que vinha desenvolvendo na Venezuela sobre o mecanismo de resistência de animais ao veneno de cobras, tendo em mira obter soro antiofídico mais eficiente do que o fabricado hoje.
Ao longo de sua vida científica publicou e apresentou mais de duzentos trabalhos. Foi membro fundador da Sociedade de Biologia do Brasil (1941) e da International Society of Toxicology (1953). Pertenceu à Academia Brasileira de Ciências (1953), à Academia de Ciências de Nova York (1959), à Federação Mundial de Trabalhadores Científicos (1959), aos conselhos científicos da Revista Brasileira de Biologia (1953) e da Acta Fisiológica Latino-Americana (1955), à Associação Venezuelana para o Progresso da Ciência (1974) e à Academia de Ciencias da América Latina. Em 1986, recebeu o prêmio Golfinho de Ouro do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Em 1993, foi condecorado na Venezuela e, um ano depois, o governo brasileiro agraciou-o com a Ordem Nacional do Mérito Científico, na classe Grã-Cruz.
Em ambos os países, Haity Moussatché formou numerosos pesquisadores que hoje dão à área de fisiologia e farmacodinâmica uma consistência muito superior à que tinha à época em que iniciou a brilhante carreira de investigador.
Deixou dois filhos do primeiro casamento – Ana Helena e Mendel – e foi casado em segundas núpcias com Cadem Moussatché. Os que tiveram o privilégio de conviver com ele guardam a lembrança de um homem sincero, ético, generoso, combativo, intransigente com os medíocres mas completamente dedicado aos familiares, amigos e discípulos. Não era pesquisador que se isolasse no laboratório. Otimista inveterado, amava a vida, o convívio com as pessoas, a leitura, a música, o balé, o cinema.
Manguinhos tem as suas lendas. Oswaldo Cruz já foi visto por muita gente a passear entre os velhos tomos guardados no castelo mourisco. Nós haveremos de rever sempre a figura simpática de Haity, olhos doces, cabelos e bigodes prateados, bengalinha e guarda-pó, a fazer-nos companhia no bandejão, todos os dias…”