Estamos no século 21 e os grandes avanços da ciência devem continuar a passos largos. Mas para a astrônoma da Universidade de São Paulo (USP) e Acadêmica Beatriz Barbuy, representante da Academia Brasileira de Ciências no recém formado Grupo de Trabalho Sobre Mulheres para Ciência da Rede IANAS (WFS-WG, na sigla em inglês), um dos principais desafios é inserir a ciência no conhecimento comum – para todos, em particular para as mulheres. “A sociedade não consegue enxergar que a Ciência está mais próxima do nosso cotidiano do que parece.”

Ela contou que há 400 anos Francis Bacon propôs uma grande reforma do ensino na Inglaterra”, visando o desenvolvimento humano através do conhecimento científico. “Ele substituiu o ensino de Teologia pelo ensino através da experimentação e lutou a vida toda para que o Estado se engajasse no progresso das ciências”, ressaltou Barbuy. Hoje os Estados são comprometidos com o ensino da Ciência e é o momento certo, em sua opinião, para se iniciar uma estratégia como a de Bacon. “Os progressos científicos e tecnológicos – como a internet, o celular, o laser e diversas curas de doenças – são reconhecidos pelos jovens. Os países desenvolvidos estão tendo suas populações diminuídas, daí o grande investimento nas mulheres como fonte de cérebros, por sua inclusão nas universidades e nas diversas áreas da ciência e tecnologia.”

Astrônomas importantes – e desconhecidas…

A Acadêmica apresentou perfis de diversas mulheres cientistas pouco conhecidas do público em geral e excluídas dos livros escolares, como Hipátia de Alexandria (370 AC – 415 AC), filha de Teon, diretor do Museu de Alexandria. “Ela foi a primeira mulher cientista da história – astrônoma, matemática, inventora e filósofa. Teve uma morte trágica, assassinada”. Citou a alemã Caroline Herschel (1750 – 1848), irmã de William Herschel, o descobridor do planeta Urano. Ela se tornou sua assistente e em 1786 foi a primeira mulher a descobrir um cometa”. Ao longo de sua vida descobriu oito cometas e organizou um catálogo com 2.500 nebulosas. Recebeu a Medalha de ouro da Royal Astronomical Society e dos reis da Dinamarca e Prússia, tendo se tornado Membro Honorário da entidade.

Outra cientista norte-americana foi lembrada por Barbuy. Maria Mitchell (1818-1889) era filha de um astrônomo amador, que a incentivou a estudar, da mesma forma que seus irmãos. Em 1847, Maria descobriu um cometa e ganhou um prêmio do rei da Dinamarca. Foi a primeira mulher aceita na Academia Americana de Artes e Ciências (1848), na Associação Americana para o Avanço da Ciência (1850) e na Sociedade Americana de Filosofia (1869). Foi professora de Astronomia e diretora do Observatório do Vassar College, em Nova Iorque, tendo estudado as manchas solares, estrelas e os planetas Júpiter e Saturno.

A história mais interessante foi sobre o grupo chamado de computadores de Harvard. Em 1877, o diretor do Observatório de Harvard, Edward Charles Pickering, em reação ao que considerava um trabalho desleixado de seus assistentes, contratou em torno de 80 mulheres para substitui-los, pagando a metade do que pagava aos homens e argumentando que elas seriam mais caprichosas. Elas ficaram conhecidas como computadores de Harvard e se dedicaram à construção de um catálogo do espectro das estrelas de todo o céu (10.351 estrelas), financiado por Henry Draper. “Pelo menos três grandes astrônomas iniciaram sua carreira nessa leva”, contou Beatriz.

Uma delas foi Mina Fleming, escocesa casada com James Flaming, que a levou para os Estados Unidos e a abandonou grávida. Em 1879, Mina foi trabalhar como governanta na casa de Edward Charles Pickering e em 1881 foi contratada para a equipe permanente do Observatório. “Ela trabalhou no catálogo de Draper e descobriu 79 estrelas, 10 novas, 59 nebulosas gasosas, 94 estrelas Wolf-Rayet e 222 estrelas variáveis de longo período”, ilustrou Barbuy.

Outra astrônoma que surgiu então foi a norte-americana Annie Jump Cannon (1863-1941), formada em Física e Astronomia peloWellesley College, embora fosse surda, devido a uma escarlatina contraída quando criança. Ela ingressou no grupo de Harvard catalogando estrelas varáveis e classificando espectros de estrelas do hemisfério Sul. Beatriz destacou que Annie definiu o sistema de classificação de estrelas usado até hoje, baseado na temperatura e adotado pela International Astronomic Union (IAU) em 1910. “Ela ganhou vários prêmios e títulos honoríficos, tendo criado um prêmio para mulheres astrônomas no início da carreira.”

A terceira astrônoma lembrada por Beatriz Barbuy foi a norte-americana Henrietta Swan Leavitt (1868-1921) . Ela se formou em 1892 no Radcliffe College e trabalhou por sete anos como voluntária no Observatório de Harvard. Definiu um sistema para medir magnitudes de estrelas e descobriu 1.200 estrelas variáveis. “Ela também descobriu a relação período-luminosidade de estrelas Cefeidas, o que possibilitou determinar a magnitude absoluta de Cefeidas na Pequena Nuvem de Magalhães e estimar a distância até essa galáxia satélite.”

O Portal Ciência Web

A Acadêmica Yvonne Mascarenhas, professora emérita e coordenadora de programas do Instituto de Estudos Avançados da USP de São Carlos, apresentou seu trabalho de motivação de estudantes e professores através do uso de um portal de difusão científica.

Com o apoio da Fapesp, foi desenvolvido um projeto para melhorar as condições de infra-estrutura da Escola Estadual Sebastião de Oliveira Rocha, renovando o laboratório de ciências, melhorando o laboratório de informática e oferecendo bolsas para professores e alunos.

Foram realizadas atividades complementares ao ensino regular quatro vezes por semana. As turmas foram divididas: 20 alunos ficavam na sala tendo aulas teóricas e os outros 20 iam para o laboratório, para desenvolver experimentos em Biologia Molecular.

Yvonne contou que a escola tinha um laboratório de informática que não era quase utilizado. Membros do seu grupo se ofereceram para fazer um treinamento com os professores para que passassem a utilizar os computadores, com aulas sobre como utilizar a internet para pesquisa, como usar o editor de textos e como montar apresentações de slides. Assim, os professores se tornaram multiplicadores desses conhecimentos para seus alunos, e o laboratório se tornou ativo. A USP entrou como parceira na manutenção dos computadores.

O projeto se ampliou e abarcou outras escolas. Foi criado então o portal Ciência Web, com depoimentos de cientistas e alunos de pós-graduação, além de vídeos e outros materiais criados pelos próprios alunos do ensino médio. Os jovens escolhem os temas e o desenvolvem com o apoio da equipe do site.

Os resultados, segundo Yvonne, foram extremamente positivos. Os alunos desenvolveram por exemplo, um estudo sobre o Universo. Os alunos foram orientados a pesquisar em boas fontes e escolher os temas, que abrangeram o sistema solar, seus satélites, a Via Láctea, o cometa Halley, algumas constelações do céu do hemisfério sul, meteoritos e asteróides. As pesquisas individuais foram socializadas e um texto coletivo foi elaborado. Os alunos aprenderam a encontrar imagens na internet e a montar apresentações em power point, reunindo o texto e as imagens selecionadas. Seus resultados originaram um CD – Multiplicando Conhecimentos e Desenvolvendo Saberes. As discussões com os professores convergiram no entendimento da escolha de 2009 como o Ano Internacional da Astronomia.

Números sobre mulheres na ciência

A doutora em Gestão, Educação e Difusão em Ciências Jacqueline Leta, pesquisadora do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, trabalha com comunicação científica e atualmente enfoca a participação da mulher no contexto científico mundial. Em sua apresentação, colocou a seguinte questão: ainda são poucas as mulheres na Ciência em número ou são poucas em posição de destaque?

Leta informou que nos EUA, o número de homens e mulheres que têm título de doutorado em ciências é estável, em ligeira queda; já o número de mulheres é menor, mas significativamente crescente. Em 40 anos, o número de graduandas dobrou, o de mestrandas aumentou três vezes e o de doutoras aumentou cinco vezes. “Elas se concentram nas Ciências Biológicas, Psicologia, Ciências Sociais e Ciências Humanas de modo geral. Nessas áreas, elas já chegam a ser maioria”, observou Leta. Nas áreas de Exatas, porém – especialmente nas Engenharias – a presença feminina é bem menor, sendo elas ainda minoria.

A cada ano, em todo o mundo, o número de mulheres dentro das universidades aumenta. Jacqueline Leta apresentou dados da Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento (OECD) que mostravam que, na Europa, em cada 100 doutores, 43 são mulheres. Nas engenharias, elas alcançam 20 % do total.

No Brasil, seja em nível nacional, em nível da região Sudeste ou do Rio de Janeiro, o número de mulheres nas universidades vem crescendo muito, chegando a 50 % em algumas áreas das Ciências Sociais e Humanas. “Hoje, a cada cem doutorandos 54 são mulheres”, ressaltou Leta. Entre os bolsistas de produtividade em pesquisa do CNPq, no entanto, apenas 25% são de mulheres. Em 2003, na UFRJ, embora a metade dos docentes fossem mulheres, apenas 23% dos cargos de chefia estavam nas mãos de mulheres. Na Comissão Executiva da 4ª CNCTI havia pouquíssimas mulheres, e no Conselho Consultivo não havia nenhuma. Leta concluiu que a ascensão da mulher dentro das carreiras científicas ainda depende de vários fatores, inclusive da quebra dos estereótipos vigentes.

A OBMEP

A presidente da Sociedade Brasileira de Matemática, Suely Druck, é também coordenadora da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP). Ela observou que 85% dos estudantes brasileiros são de escolas públicas e que os objetivos das olimpíadas são vários. Entre eles, melhorar a qualidade do ensino de matemática, motivar e identificar e encaminhar jovens talentosos para a área de CT&I e ampliar a compreensão da importância da Matemática para o desenvolvimento do país.

“A OBMEP envolve alunos de 11 a 18 anos, divididos em três níveis. Participam desde alunos das grandes cidades, membros de comunidades indígenas e quilombolas, internos de penitenciárias e deficientes físicos, ela é um meio de abrir as portas das carreiras científicas e tecnológicas para alunos de escolas públicas”, ressaltou Suely.

Em 2005 a OBMEP atingiu 93,4% dos municípios e hoje atinge 99,16% dos municípios e envolve 10% da população brasileira. “Pensamos em atingir cinco milhões de participantes na primeira edição e tivemos dez milhões. Esse ano tivemos 19 milhões de inscritos – é a maior olimpíada de matemática do mundo nesse modelo. Ano passado, logo após a primeira prova, identificamos 900 comunidades no Orkut discutindo a prova”, contou Suely. São distribuídas três mil medalhas e há um evento de premiação nacional com os 300 medalhistas de ouro, além das cerimônias estaduais e municipais.

Alguns dos ganhadores se tornam alunos de iniciação científica e passam um ano trabalhando com professores universitários nos fins de semana. “Trabalham com conteúdo de alto nível, envolvendo até criptografia, e aprendem também que existe o CNPq, a Finep, o IMPA, enfim, todo um sistema nacional de C&T no país para apoiá-lo no crescimento científico. Esses professores vão acompanhá-los no percurso até a universidade, mostrando que eles podem participar da inteligência nacional”, entusiasmou-se a coordenadora das Olimpíadas.

Suely explica que todos os inscritos participam da primeira fase. Para a segunda, porém, passam apenas 5% dos inscritos, com uma proporção quase igual entre meninos e meninas. Mas entre os medalhistas a proporção muda: a cada etapa o número de medalhistas meninos vai ficando maior. A menina vai ficando mais velha e vai se desinteressando da Matemática. No último nível, as meninas são apenas 20% dos medalhistas. O talento não vai embora, o que muda são os interesses.”

Espelhadas nesse projeto, já estão sendo desenvolvidas as Olimpíadas de Português e de Física. O modelo da OBMEP já está inclusive sendo exportado: será implantado no Paraguai e na Jamaica ainda em 2010.

Atraindo meninas para a Física

Membro do Conselho Executivo da União Internacional de Física Pura e Aplicada (IUPAP, na sigla em inglês), Márcia Barbosa é diretora do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ela iniciou sua apresentação reconhecendo que hoje existem mais mulheres do que homens nas universidades brasileiras. Mas na Física, a proporção de alunas de graduação é de apenas 20%, assim como o número de docentes mulheres. “É difícil chegar no topo da carreira, os homens publicam mais que as mulheres. Nós temos que ter o dobro da produção para nos equipararmos aos colegas homens. Eu não me espanto com o fato de haverem tão poucas mulheres na Física e sim com o fato de ainda ter alguma que se interesse”, brincou Márcia.

As mulheres precisam da Física – para entender o celular, a internet, para saber se emagrecem mais andando de bicicleta ou nadando. A Física precisa das mulheres porque precisa dos mais diversos olhares. A sociedade precisa das mulheres na Física porque são elas que ensinam as crianças em casa. “E o que elas vão passar para os filhos sobre ciência e tecnologia se desconhecerem o assunto? Medo. As meninas têm medo de ser vistas como uma cientista estereotipada – feia e sem marido”, afirmou Barbosa.

Márcia destaca o trabalho que é feito pelo Departamento de Física da UFRGS com a sociedade. “Temos caminhões com laboratórios itinerantes que vão às escolas e às praias mostrando experimentos. Os monitores explicam como funciona o microondas, como funciona o celular e outras coisas relativas à Física no cotidiano”. Nesses eventos itinerantes são passados questionários, nos quais aparecem resultados que indicam que o público gosta de ciência, mas não conhece. E que querem entender.Além desse trabalho em nível mais prático, promovem palestras na Livraria Cultura com temas atuais da Física para leigos, como buracos negros e o Large Hadron Collider (LHC). “Filmamos esses eventos e as atividades nos laboratórios e mostramos nas ruas. Abrimos o laboratório para visitas e mostramos o prazer em fazer Física”, concluiu Márcia Barbosa.