A reunião temática sobre atração e fixação de doutores na Região Amazônica ocorreu na tarde do dia 17 de junho, na Universidade Federal do Pará (UFPA), em Belém, coordenada pelo Acadêmico Horacio Schneider, biólogo e vice-reitor da instituição.

O reitor da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) José Seixas Lourenço considerou auspicioso para a região o apoio da comunidade científica nacional. “Especialmente o trabalho da ABC, com o documento Amazônia: Desafio Brasileiro para o Séc. XXI, e da SBPC, que realizou sua última reunião anual em Manaus”. Foi proposta a geração de um documento a partir daquela reunião – um PAC da Amazônia – a ser encaminhado aos candidatos a presidente.

Nilson Gabas Jr., diretor do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), propôs a criação de uma Portaria Interministerial entre o Ministério de Ciência e Tecnologia e o Ministério do Planejamento, assim como entre o Ministério da Saúde e o Ministério do Planejamento, para que haja reposição automática de pessoal nos casos de aposentadoria e morte a partir de um banco de professores, o que agilizaria muito a recomposição dos quadros das universidades. Para tanto, solicitou o apoio da Academia Brasileira de Ciências (ABC) junto ao Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT), ao que o presidente da ABC Jacob Palis imediatamente acedeu, dizendo ser esta “uma boa briga”.

Tratamento diferenciado pode ser incentivo

O presidente da ABC destacou a importância de investir na busca de talentos nacionais, como a Matemática vem fazendo com as Olimpíadas, e tratá-los de forma especial, menos burocráticas, pulando etapas. Para Palis, a Região Norte precisa tratar melhor seus bolsistas e seus pesquisadores, “tem que haver um diferencial para a Amazônia.”

Para o membro afiliado da ABC Pedro Walfir, diretor de Pós-graduação da UFPA, o doutor na Amazônia é um sobrevivente do cenário social, econômico e político. “Concordo com o Prof. Palis quando ele diz que deve haver um modelo diferenciado. Muitos nucleadores foram fixados quando havia adicionais regionais de 45%”. Walfir chamou atenção para o fato dos doutores ativos, fixados na região, estarem esgotados em sua capacidade de captação de recursos e de orientação de mestrandos e doutorandos. “Temos que atrair graduandos para fazerem a formação aqui, é mais fácil do que trazer doutores já com mais de 30 anos, em geral casados, com família.”

O vice-reitor da UFPA afirmou que a moeda de troca corrente com jovens doutores nos programas existentes é apenas de passagens e diárias. “Eles não têm recursos para fazer pesquisa. É preciso oferecer verba para custeio e material permanente para que novos grupos possam se consolidar”, argumentou Schneider (na foto ao lado).

A experiência bem sucedida na Ufopa, iniciada em julho de 2008, hoje com vários convênios com as agências CNPq e Capes, foi relatada pelo reitor José Seixas Lourenço. “Conseguimos montar uma boa estrutura para atrair e fixar doutores em Santarém com muita divulgação, distribuindo grandes cartazes para todas as universidades do país através da Andifes”. Promoveram um concurso oferecendo bons salários e conseguiram preencher todas as vagas com material humano de qualidade. Agora está em fase de construção um belo condomínio residencial às margens do rio Tapajós, com prestações ao preço de um aluguel, para que os professores tenham boas condições de moradia.

Complementação salarial deve vir dos estados ou de empresas

“O principal fator para tornar o trabalho na região mais atrativo é a vantagem financeira”, disse o pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação da UFPA Emmanuel Tourinho. Ele propôs uma estratégia de oferecimento de uma bolsa extra, no valor de R$3 mil além de seu salário, a cinco mil pesquisadores. “O custo disso para o Estado seria irrisório – corresponderia a 2,5% do orçamento anual de C&T”.

Jacob Palis observou que o aporte total de C&T para esse ano será maior do que o considerado por Tourinho, chegando a R$ 20 milhões, e que nesse quadro sua proposta de bolsas para doutores na Amazônia comprometeria apenas 1% do orçamento total da União. Avaliou, porém, que a participação das FAPs nessa ação seria ideal. “Não bastaria ser doutor: quem tivesse bolsa de produtividade e pesquisa do CNPq, o que garante a qualidade do candidato, teria sua bolsa dobrada pela FAP do estado”. Isso corresponderia a uma avaliação externa de qualidade, a que Tourinho havia se referido como uma necessidade.

O reitor da Universidade Federal do Amapá (Unifap), José Carlos Tavares Carvalho, concordou com o tratamento diferenciado para quem quiser trabalhar na Amazônia. Destacou que as áreas estratégicas com carência de núcleos precisam atrair primeiramente líderes, com complementação salarial através das FAPs ou, como faz a Embrapa, oferecendo 25% a mais no salário para quem vier para a região. Palis apontou que a participação das FAPs nesse processo de atração é estratégica politicamente, “pois não interfere na política pública nacional que é mais amarrada, evita bater de frente numa muralha do tipo ou faz pra todo mundo ou não faz…”

O coordenador do Programa de Pós-graduação em Genética do INPA, Jorge Porto, membro do Conselho Diretor da rede Bionorte, concordou e ainda acrescentou a participação desejável das instituições privadas – universidades e empresas – no oferecimento de bolsas com enxoval. “Mas para tanto precisam ser estabelecidos alvos estratégicos, com potencial de mercado, além de alvos fronteiriços, que são os intimamente relacionados com inovação tecnológica.”

Luis Carlos da Silveira, representante do Instituto Vale em Belém, comentou que a empresa está criando um instituto tecnológico para atender demandas internas. Ele será o diretor do Instituto Vale para o Desenvolvimento Sustentável, cujo processo de construção conta com workshops em diversos estados, para ouvir o que a comunidade acha que é interessante fazer com relação ao desenvolvimento sustentável. “Essas plenárias definirão as linhas de ação do Instituto”. Concordou que a bolsa diferenciada deva ser dada pelos estados ou por empresas privadas instaladas. “No nível federal fica difícil porque fere a isonomia vigente.”

Diferenciação interna

A valorização do pesquisador produtivo também é importantíssima, na visão de Jofre Freitas, pró-reitor de pesquisa e pós-graduação da Universidade Estadual do Pará (UEPA). Ele acha que as FAPs deveriam criar uma bolsa diferenciada para esse profissional da região, que não tem produtividade suficiente para ser bolsista do CNPq, mas que é muito mais dedicado do que os outros.

Prioridades regionais

O Acadêmico Luiz Hildebrando Pereira da Silva, diretor do Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro), destacou que os sistemas produtivos da Amazônia precisam ser revistos – ou até induzidos – com uma visão estratégica para a região. “A pecuária regional é de baixíssima rentabilidade, enriquecendo pessoas de outros locais do mundo pela exportação. O foco em alimentos e biocombustíveis é fundamental para o país, mas péssimo para a Amazônia, que precisa identificar e investir em suas próprias prioridades, com planejamento correspondente.”

Fortalecimento dos grupos de pesquisa já estabelecidos

O geógrafo e pesquisador do INPA Reinaldo Corrêa Costa apontou a necessidade de fortalecimento dos grupos de pesquisa, “que são os núcleos de excelência das instituições, ágeis e flexíveis, pois resultam de uma convergência de interesses”. A química afiliada à ABC Cecília Nunez, pesquisadora do INPA, reiterou a observação de Reinaldo. “Os grupos de pesquisa com bom nível que já estão estabelecidos precisam ser estimulados”. Ela concorda que é preciso aumentar o número de doutores, mas com alto nível. “A formação básica é deficiente, o aluno que chega ao doutorado muitas vezes não está realmente preparado. Se o doutor vai assumir uma nucleação em outro lugar ele tem que ter qualidade”.

O vice-presidente da ABC para a Região Norte e diretor do INPA, Adalberto Val, esclareceu que o Instituto está tentando fortalecer os grupos de pesquisa e que, inclusive, a metade dos recursos destinados a esse fim foram direcionados para os grupos de Botânica. “Antigamente o conhecimento sobre a Amazônia era 60% brasileiro, hoje os temas mudaram e o país ficou para trás. É preciso reinserir a Amazônia no sistema de C&T mundial, a Imunologia e a Farmacologia estão em alta e são fundamentais para a C&T amazônica.”

Cooperação internacional

A cooperação internacional é um recurso importante que pode envolver um recrutamento maciço de pesquisadores no exterior. Para Jacob Palis, este é o momento certo, pois há disponibilidade dessa mão de obra qualificada na Europa. É preciso criar os mecanismos.

“Temos a oferecer a magia desse país e da Amazônia em particular, aqui há um ambiente de otimismo, ao contrário da Europa, onde o clima é pessimista”. Em sua visão, o foco do recrutamento deve ser em jovens pesquisadores estrangeiros. “Os jovens estão mais disponíveis e mais insatisfeitos. Um jovem doutor na Europa ganha 2 mil euros, em nossos programas aqui oferecemos R$ 7.500, é bastante convidativo”.

Izildinha Miranda, pró-reitora de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), está na Amazônia há 24 anos e avalia que os atrativos e os impedimentos para uma fixação a longo prazo são os mesmos: a questão emocional, da vida em família e em sociedade, e nesse caso o fato de vir para se integrar a um grupo de pesquisa já existente dá uma sensação maior de acolhida, que é significativa nessas situações. “Tenho dúvidas sobre essa abertura, não sei se a Amazônia estaria pronta para receber líderes estrangeiros.”

O coordenador do Programa de Pós-graduação em Genética do INPA, Jorge Porto, membro do Conselho Diretor da rede Bionorte, apoia a política de recrutamento internacional, tanto de pesquisadores jovens, que considera mais inovadores, como de pesquisadores seniores, mais aglutinadores. Mas tem dúvidas semelhantes às de Izildinha. “As instituições na região amazônica ainda não têm condições de infra-estrutura para incorporar os estrangeiros. As fundações de apoio têm que ser fortalecidas para que haja desenvolvimento institucional.”

Atração pelo interesse científico

Luiz Hildebrando contou sua história. Aposentou-se no Instituto Pasteur na França e foi para Rondônia porque tinha interesse na malária, hepatite e arboviroses. “Lá não encontrei a prevenção contra estrangeiros como existia no Amazonas e no Pará, além de ter 45% dos casos de malária no país”. Criou então o Centro de Pesquisas em Medicina Tropical, com um grupo de dez pessoas, para estudar a malária, a hepatite B e as diarréias infantis. Começaram um mestrado atraindo estudantes do local. De 2001 a 2009 formaram dezenas de mestres, já têm três doutores formados e outros em formação.

Criaram então o Instituto de Pesquisas em Patologias Tropicais de Rondônia (Ipepatro), primeiro como laboratório de diagnósticos e depois como instituto de pesquisa. A atração de pesquisadores tem se dado pelo interesse científico, porque no Brasil é atualmente a única instituição que oferece cursos de mestrado e doutorado em Medicina Tropical, contando com um laboratório melhor equipado do que os de São Paulo. Tem hoje 14 doutores dos quais só três foram formados lá. “Os outros vieram de São Paulo, Ribeirão Preto e do estado do Rio Grande do Sul”, contou Hildebrando. Até o final desse ano o Instituto será absorvido pela Fiocruz, por determinação do Ministério da Saúde, atendendo a uma solicitação do grupo. “Com isso, o salário dos profissionais será equiparado aos da Fiocruz, o que deve atrair bons cérebros para a região”, afirmou Hildebrando.

Do micro ao macro

Luis Carlos da Silveira, do Instituto Vale, apontou o gargalo que é transformar a experiência pequena e individualizada de atração e fixação de recursos humanos na Amazônia numa experiência em larga escala. “Me parece que a resposta é uma combinação de várias coisas que foram ditas aqui”, observou. A primeira coisa seria a avaliação externa.”Não lidamos bem com isso, nossa cultura tem uma tradição negativa nesse aspecto, de cartas marcadas. Mas esse elemento é fundamental para que os programas e instituições regionais ganhem credibilidade e possam crescer”. Outra das respostas seria a criação de institutos temáticos. “Eles se somariam às iniciativas do passado, do INPA, do MPEG etc., que podem ser replicadas em novas bases.”

Divulgação positiva da Amazônia

Sandra Zanotto, afiliada da ABC e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Tecnologia e Recursos Naturais da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), destacou a imagem estereotipada e desinformada da sociedade brasileira sobre a Amazônia. Val propôs peregrinação de pesquisadores da região amazônica pelo Sul e Sudeste para divulgar a Amazônia, suas instituições e condições de trabalho.

Para Tavares, da Fapespa, a reunião foi de grande importância. Sugeriu que a ABC promova encontro com os candidatos para apresentação da proposta e que esta seja encaminhada também para a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino (Andifes). “Precisamos fortalecer esse movimento de sensibilização sobre as necessidades da Amazônia para lutarmos em outras instâncias por políticas visíveis para a região”.

Ao final da reunião, os Acadêmicos coordenadores das duas sessões – Roberto DallAgnol (à direita da foto, ao lado do assessor da ABC Marcos Cortesão) e Horacio Schneider – comprometeram-se a sintetizar as principais propostas da reunião. Estas propostas servirão como base para o documento que será encaminhado às autoridades federais, estaduais e à Andifes, como sugerido por participantes. O reitor da UFPA, Carlos Edilson Maneschy, compareceu no final do evento para cumprimentar a todos.