Nelson Fagundes é filho único de uma professora aposentada da UFRGS na área de Educação. Desde muito cedo ele frequentava a universidade e se acostumou ao ambiente acadêmico. A avó morava numa casa com um grande jardim, onde Fagundes brincava por horas, observando as minhocas e outros pequenos animais. Como acordava muito cedo, nos finais de semana via na TV o programa Globo Rural. Na época – meados dos anos 80 -, a mídia começava a alardear a urgência de preservação ecológica. Reuniu o viés acadêmico com o interesse pelas questões ambientais e pelas espécies de animais e plantas, e nesse contexto, Fagundes escolheu fazer Biologia. Ele se lembra bem: estava na quinta série, tinha 11 anos. Não só tinha escolhido sua área de atuação quanto a carreira acadêmica. “Minha mãe ia a congressos, orientava alunos, eu já entendia o que era esse trabalho e tinha o desejo de fazer pesquisa.”

Quando entrou no curso de Biologia demorou a escolher um estágio, eram muitas as opções. Começou na Microbiologia, no segundo período, quando trabalhou com bactérias. No semestre seguinte sua orientadora abriu uma vaga de iniciação cientifica em genética de fungos num outro laboratório, na Agronomia, onde ela atuava em colaboração com outras professoras. A pesquisa era sobre fungos que atacavam trigo. Lá começou a trabalhar com variabilidade genética e se interessou muito pela questão da relação das diferentes variedades do fungo através de uma genealogia. Conversando com uma colega que trabalhava com o geneticista Francisco Salzano, falou sobre seu interesse em evolução, como gostava de pensar sobre quais teriam sido os fatores que desencadearam o surgimento de uma determinada linhagem de fungos. “Ela me apresentou ao Prof. Salzano e ali comecei minha pesquisa em evolução humana. Ele foi meu orientador até o doutorado”, rememora Fagundes.

Em seu trabalho, o pesquisador utiliza informações de variações genéticas em diversas populações humanas – especialmente indígenas, das quais há bastante material coletado no laboratório de Salzano – e estabelece relações entre estas variações genéticas e os processos históricos, especialmente com o povoamento das Américas. “Procuramos saber, através de dados genéticos, há quanto tempo essa população saiu da Ásia para povoar a América, se o processo de colonização foi rápido ou lento, o tamanho da população fundadora, o padrão de população que entrou nas Américas”. Pesquisa próxima às Ciências Sociais, a área é chamada de Antropologia Molecular ou Biológica. “A Arqueologia busca contar a história das populações através dos objetos da cultura. Nós procuramos fazer o mesmo, mas utilizando outros marcadores – no caso, a variação genética”, explica Fagundes.

Em algumas situações, porém, o trabalho fica muito complicado. Um bom exemplo é o das hipóteses alternativas para o surgimento do homem moderno. Alguns pesquisadores acreditam que ele surgiu na África e se espalhou depois para outros continentes; outros concordam com a origem africana, mas crêem que quando ele se espalhou pelos outros continentes se misturou com outros hominídeos que viviam naqueles locais, como o Neandertal na Europa. Outros acham ainda que o homem moderno é uma mistura do material genético da população da África com as dos outros continentes. “É difícil conseguir uma comparação estatisticamente rigorosa nesse caso”, afirma Fagundes. O que havia sido feito até então eram coletas de dados seguidas por uma avaliação da correlação entre os dados obtidos e as hipóteses existentes, para verificar quais os dados mais compatíveis, mas sem estabelecer uma quantificação mais rigorosa. O que Fagundes fez durante parte de seu doutorado, quando passou nove meses na Suíça, foi aplicar uma metodologia que permitisse uma quantificação das evidências em favor de cada uma das hipóteses alternativas. Atualmente, durante seu pós-doutorado, ele segue nessa linha de pesquisa comparando cenários evolutivos em humanos e outras espécies.

A indicação para a ABC se deu através de Salzano. “Fiquei muito feliz, pois achava que sendo de uma área da Genética que não é a que mais publica, não teria essa oportunidade. Mas acho que a perspectiva da multidisciplinaridade está sendo cada vez mais valorizada na Ciência brasileira.”