A abertura do workshop Scientific Issues on Biofuels, realizado na sede da FAPESP, em São Paulo, nos dias 24 e 25 de maio de 2010, foi conduzida pelo diretor-científico da Fapesp e Acadêmico Carlos Henrique de Brito Cruz e pelo presidente da ABC, Jacob Palis. O evento foi patrocinado pela FAPESP, pela ABC e pelo Inter Academy Council (IAC).


Na fila detrás, o embaixador André Corrêa do Lago, Carlos Alberto Aragão, Jeremy Woods e Robert Boddey; na frente, o assessor da ABC Paulo de Góes, Jacob Palis, Manoel Regis, Patricia Osseweijer, Helena Chum e João Jornada.

Ciência na produção de bioenergia sustentável

O tema específico da ciência para a produção de bioenergia sustentável foi tratado na primeira Sessão – conduzida pelo engenheiro especializado em Economia da Energia Luiz Augusto Horta Nogueira, da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), em Minas Gerais, – tanto pelos Acadêmicos Cylon Gonçalves e Brito Cruz, ambos da FAPESP, como pelo microbiologista Emile van Zyl, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul.

Para Cylon, a energia solar é certamente a melhor solução, mas ainda requer muita pesquisa para se tornar uma alternativa viável. “No momento, os biocombustíveis são a melhor opção e assim será por ainda algum tempo. Por isso, vamos trabalhar para melhorá-los.”

Segundo Brito Cruz, 46% da energia utilizada no Brasil vem de fontes renováveis. A ampliação do plantio de cana no país vem ocorrendo no Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste. “Há muita terra para ser utilizada no país sem ameaçar a segurança alimentar nem a Amazônia. O zoneamento agroecológico de São Paulo, por exemplo, prevê a expansão principalmente em áreas degradadas por pastagens.”

Ele abordou também o aspecto social, informando que a cultura da cana absorve 23% dos trabalhadores rurais brasileiros. “É uma atividade extremamente dura e desgastante, exercida por pessoas com em torno de quatro anos de escolaridade. Mas essa população investe na escolaridade dos filhos, de modo a garantir para eles um futuro melhor, fora dos canaviais”. Embora na agricultura de modo geral apenas 40% dos trabalhadores tenham sua situação trabalhista regularizada, entre os trabalhadores de canaviais a regularização atinge 81%, sendo que no estado de São Paulo chega a 95%, de acordo com os dads apresentdos por Brito Cruz.

O pesquisador afirmou que o Brasil e a África tem terras suficientes e podem melhorar a produção de biocombustíveis utilizando mais C&T, e essa é uma perspectiva que pode garantir o crescimento, o desenvolvimento e a inclusão social. “O desenvolvimento das pesquisas pode tornar essa alternativa viável também para países com pouca área agricultável”, concluiu o pesquisador.

A mudança para os recursos renováveis, de acordo com a relatora Kim Meulenbroecks – secretária-executiva da Global Renewables Research (GBR Society), sediada na Holanda -, se justifica em função de algumas necessidades urgentes: de desenvolvimento econômico rural, de segurança energética e de redução das emissões de gases estufa.

Os biocombustíveis foram comparados a outros recursos energéticos renováveis, como as energias eólica, solar e do hidrogênio. “A avaliação dos especialistas foi que os investimentos iniciais requerido para as outras fontes de energia é maior, que os primeiros anos de implantação apresentam um balanço negativo e que 50% dos meios de transporte não poderiam trocar sua fonte de energia por outro recurso que não os biocombustíveis”, disse Kim. A questão fundamental, segundo a relatora, “não é se os biocombustíveis são sustentáveis, mas como eles serão implementados”. A preocupação envolve o possível impacto das mudanças de uso do solo, que podem ser limitadas por diversos fatores.


Lee Lynd, Johan Bouma, Cylob Gonçalves, Jacob Palis, Carlos Henrique Brito Cruz, Patricia Osseweijer, Emile van Zyl e Luiz Augusto Horta.

A ciência da bioenergia e sua relação com o meio ambiente

A segunda Sessão, conduzida pelo engenheiro aeronáutico Manoel Regis Leal, do Laboratório Nacional de C&T em Bioetanol (CBTE), em Campinas, foi iniciada com a palestra do presidente do CNPq, Carlos Alberto Aragão de Carvalho, que falou sobre a certificação ambiental dos biocombustíveis, representando o Inmetro.

Em seguida, a bióloga Patrícia Osseweijer, da Delft University of Technology, na Holanda, abordou as quentões européias sobre a bioenergia sustentável. Patrícia destacou as prioridades européias, que seriam o direito humano à disponibilidade, acessibilidade e qualidade do alimento, assim como a equidade global na distribuição desse alimento. Apontou também a necessidade de ampliar a participação da sociedade no desenho das políticas de produção agrícola, visando a mudança de hábitos alimentares que garantam menor desperdício de alimento e uma alimentação mais saudável, além de aumentar o conhecimento da população a respeito de métodos e tecnologias agrícolas. Alguns pontos básicos devem ser esclarecidos com urgência, como o conceito de sustentabilidade e a conscientização da sociedade de que a responsabilidade individual é crucial para que o nosso planeta sobreviva.”

O bioquímico Jeremy Woods, do Imperial College of London, no Reino Unido, tratou da Ciência da bioenergia. Comparando a Europa com a África, mostrou que as prioridades com relação à sustentabilidade são diferentes para cada continente. Com relação aos resultados das pesquisas na área, avaliou que “é muito mais importante que eles estejam aproximadamente certos do que precisamente errados.”

O químico agrícola inglês radicado no Brasil Robert Boddey, da Embrapa Seropédica, no Rio de Janeiro, discorreu sobre o impacto do bioetanol brasileiro e de outros biocombustíveis na mitigação das emissões de gases estufa. Boddey afirmou que o uso do bioetanol brasileiro nos transportes promove uma redução de 84% na emissão de gases estufa, comparado com a gasolina. A mecanização da lavoura de cana reduz as emissões em 64%, assim como diminui a fumaça e, consequentemente, os problemas de saúde dos trabalhadores, além de poupar a superfície do solo, reduzir a erosão e evaporação.

A relatora Helena Chum, do National Renewable Energy Laboratory, nos EUA, apontou os destaques da segunda Sessão. Ela avaliou que a produtividade da cana de açúcar foi o principal parâmetro considerado, e que seu incremento só pode ser solucionado através de C&T. Foi destacada a expressiva redução nas emissões de gases estufa com a utilização do bioetanol no Brasil. “A pergunta é se essa mesma tecnologia pode se adequar e ser utilizada em outros países”.

Outro ponto destacado por Chum foi a constatação dos especialistas de que os modelos estão sendo aperfeiçoados e que são ferramentas para compreender as possíveis respostas do sistema de uso do solo. “Esse sistema envolve a agricultura, a bioenergia, a floresta e os serviços ambientais”, esclareceu a relatora, ressaltando a avaliação dos palestrantes de que múltiplos cenários devem ser testados com múltiplos modelos. Fechando seu resumo, Helena Chum reforçou um consenso entre os apresentadores: cada país pode requerer soluções energéticas diferentes para alcançar os mesmos objetivos, que incluem a mitigação das mudanças climáticas, o desenvolvimento rural e industrial, a diversificação e a segurança energética e a igualdade social.

Sustentabilidade dos biocombustíveis

A terceira Sessão foi presidida pelo cientista do solo Johan Bouma, da Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences (KNAW) e contou com palestras do engenheiro Joaquim Seabra, do CTBE; do químico Pushpito Ghosh, do Central Salt & Marine Chemicals Research Institute, nos EUA; do agrônomo Heitor Cantarella, do Instituto Agronômico de Campinas e da economista Leila Harfuch, do Instituto de Comércio e Negociação Internacional (Icone), em São Paulo.

Ghosh remeteu-se a outras fontes pesquisadas na Índia para a energia renovável. Como a terra disponível para plantio é pouca, tem sido experimentado o uso da Jatropha (pinhão branco) que pode ser plantada em terras áridas para produzir biodiesel, sem conflito com a produção de alimentos. Já a energia gerada a partir de algas kappaphycus, segundo suas pesquisas, pode ser uma boa opção para países costeiros, reduzindo a pressão sobre a terra e dispensando uso de água doce, fertilizantes ou pesticidas.

O relator dessa sessão foi o engenheiro mexicano Fabio Manzini-Poli, da Universidade Autônoma do México, que resumiu a Sessão. Ele identificou os principais aspectos considerados em relação à sustentabilidade dos biocombustíveis: as emissões de gases estufa, a mudança no uso da terra, o sequestro de carbono, as práticas de fertilização e as questões comerciais e econômicas. Poli destacou avaliações internacionais que constataram a eficiência do etanol brasileiro na mitigação do efeito estufa e ressaltou que esse resultado deve ser levado em conta pelos elaboradores das políticas públicas até 2020.

Poli referiu-se às experiências relatadas pelo palestrante indiano, que não têm como atingir grande escala de produção, mas que se adaptam bem às condições locais. “O importante é conseguir um equilíbrio entre os interesses sociais, ambientais e econômicos”. Para tanto, o aumento da produção de cana de açúcar no Brasil deve ocupar áreas de pastagens e substituir eventualmente outras culturas, mas de forma alguma ocupar áreas de florestas.

As palestras do físico e Acadêmico José Goldemberg, sobre bioenergia no Brasil, do engenheiro ambiental Lee Lynd, do Dartmouth College, no Reino Unido, que abordou a conciliação da produção de bioenergia em larga escala com a demanda competitiva, e do canadense Howard Alper, da Universidade de Ottawa, sobre o papel e responsabilidades das Academias, dos Conselhos Consultivos e dos Governos na construção de sociedades bem sucedidas através de C, T&I serão relatadas em próximas edições das Notícias da ABC.

Veja abaixo as apresentações que foram mostradas no evento.