O economista da Fundação Getulio Vargas (FGV) e Acadêmico Aloísio Araújo defendeu investimentos na educação infantil, especialmente nos primeiros anos de vida, quando se forma o cérebro das crianças.
O motivo é simples: meninos e meninas que recebem mais estímulos cognitivos até os quatro anos de idade chegam à escola em melhores condições de aprender. O inverso também é verdadeiro e, segundo ele, explica o fosso que separa estudantes brasileiros antes mesmo de pisarem na sala de aula.
Araújo esteve à frente do seminário internacional Meeting on Early Childhood Educationa, realizado pela Academia Brasileira de Ciências em parceria com a Fundação Getrúlio Vargas (FGV) que discutiu o tema nos dias 17 e 18/12, com a presença de nove pesquisadores estrangeiros. Um deles foi James Heckman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 2000. A seguir, os principais trechos da entrevista dada ao jornalista Demétrio Weber:
O GLOBO: Por que o senhor considera a educação infantil tão importante?
ALOÍSIO ARAÚJO: Do ponto de vista de neurociência, porque o cérebro se forma muito cedo. Então, se a criança não recebe certos estímulos nessa fase em que se estabelecem certas conexões neuronais, ela dificilmente vai recuperar isso depois. Através de medições e imagens mais modernas, fica claro que é difícil que essa criança atinja o mesmo nível de uma outra que foi submetida aos estímulos adequados.
Que tipo de estímulos?
ARAÚJO: A criança que vem de um lar em que os pais são educados, leem em voz alta, dão estímulos lógicos e usam um vocabulário amplo, está muito mais preparada quando chega à escola do que uma criança que tem os pais analfabetos, poucos recursos em casa, não tem jogos, brinquedos. Isso é medido num trabalho do (James) Heckman e do Flávio Cunha: com 1 ano de idade, as diferenças são muito pequenas. Aos quatro anos, muito grandes, dependendo do nível de renda.
A escola consegue reverter essa diferença mais tarde?
ARAÚJO: Depois dos quatro anos, o sistema educacional não recupera mais. As diferenças que existem por educação da mãe ou faixa de renda não são mais reversíveis.
O senhor está falando de estímulos, então, que teriam que ser dados nas creches.
ARAÚJO: Não necessariamente todo mundo vai à creche. Isso pode ser feito dentro de casa também. Se esses estímulos são feitos dentro de casa, por uma mãe que dedica muitas horas à criança, pais que leem em voz alta, se há muitos brinquedos que estimulam o desenvolvimento cerebral, essa criança se prepara melhor e já chega à escola em condições muito mais favorecidas. Se não se fizer essa intervenção mais cedo, as diferenças não diminuem.
Como isso afeta o Brasil?
ARAÚJO: O Brasil tem um número muito grande de crianças que vêm de famílias com baixa escolarização da mãe, dos pais em geral, e com baixo nível de renda. A mãe é mais relevante, porque geralmente passa mais horas com as crianças. Então, fica muito difícil para o sistema escolar recuperar essa defasagem depois. Esse é o desafio maior no Brasil. Um país como o nosso deve dar mais atenção a essas intervenções precoces.
Essa faixa etária antecede o período escolar. Como se faz isso, já que muitas dessas crianças não estão na creche por opção dos pais?
ARAÚJO: Esse é o desafio. Essas observações valem para crianças também de 4, 5 anos. Porque não tem uma idade precisa até ali. Depois de sete, oito anos, já começa a ficar muito tardio. Um dos objetivos do seminário é dizer que temos que pesquisar para saber como fazer essas intervenções da forma mais adequada possível.
Numa idade tão precoce, então, não basta melhorar a escola. É preciso chegar à família.
ARAÚJO: Exatamente. Tem várias técnicas, várias propostas diferentes. Alguns especialistas, como o professor Heckman, fazem experiências para ver qual a idade, quantas horas, se você deixa a criança em casa e vai uma pessoa na casa ou se você leva a criança algumas horas por dia num centro, enfim, qual o método mais adequado. Um dos palestrantes vai falar que se deve estimular mais o sentimento, o que os economistas chamam de habilidades não cognitivas: a perseverança, a disciplina. Ou se é o caso de se estimular mais a descoberta, a inteligência, a criatividade. São várias experiências feitas isoladamente nos EUA com crianças em idade muito precoce e que foram acompanhadas ao longo de décadas. É preciso dizer: não existem fórmulas prontas para a intervenção precoce.
Combater a pobreza ajuda a melhorar a educação?
ARAÚJO: Sim, mas combater a pobreza é um método muito indireto, que toma mais tempo. Acho que deve haver programas mais imediatos. Porque o fator chave (no caso da pobreza) é o nível de escolarização dos pais e você tem que olhar as crianças que estão ali.
O senhor daria um exemplo?
ARAÚJO: Um exemplo é Cuba, que tem uma intervenção muito precoce. Um dos palestrantes vai falar que o investimento infantil em Cuba é muito maior do que no resto da América Latina. E (o país) tem uma performance muito melhor. É difícil estabelecer uma relação direta, mas a performance de Cuba nesses testes internacionais é do nível da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), acima da América Latina. Uma das possíveis explicações seria essa: que existem investimentos educacionais semelhantes para a faixa depois dos 7 anos, mas, na faixa anterior, o investimento de Cuba é muito maior. Outro exemplo é os Estados Unidos, que têm experiências isoladas.
O Congresso acaba de aprovar a obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos. No ano que vem, já será a partir dos seis para todas as crianças. O senhor acha que a creche também deveria ser obrigatória?
ARAÚJO: Não. Talvez só para quem recebe o Bolsa Família.
Isso exigiria a ampliação de vagas nas creches públicas.
ARAÚJO: Acho que deve existir a disponibilidade para famílias de alto risco. Porque está provado que a escolarização da mãe está muito associada à renda. Tem também um lado psicológico. Se você tira a criança do convívio da mãe, pode criar problemas. Tem que respeitar o convívio com a mãe, a emotividade, a afetividade com a mãe. Tirar totalmente e tentar educar só o cérebro não funciona. Tem que haver um equilíbrio.
Crianças que chegam à escola aos 7 anos com defasagem são capazes de aprender, concluir a educação básica e ir para a universidade?
ARAÚJO: Pode ter exemplos de crianças nessas condições que chegaram até o doutorado. Mas, na média, fica muito mais difícil. É quase improvável que essa criança evolua.