A conferência de abertura do evento Amazônia: desafios e perspectivas para a Integração Regional, realizado em São Paulo, numa parceria entre a Academia Brasileira de Ciências e o Memorial da América Latina, nos dias 16 e 17 de novembro, foi incumbência da Acadêmica Bertha Becker, geógrafa e Professora Emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que se dedica ao tema há mais de 30 anos.

Reajuste das perspectivas de integração

Para Bertha, os desafios relativos à região amazônica, que envolve nove países, passa inicialmente pelo aprofundamento do conceito de integração, que ela entende como “unidade na diversidade: é uma questão multidimensional, que envolve interrelacionamento e interdependência”. Já existe integração em curso, segundo ela, na rede de cidades-gêmeas de fronteira.

Bertha aponta prioridades. Uma questão básica para o desenvolvimento regional é a da energia. Parte do que é produzido no local precisa ser utilizado no local, e não ser totalmente dirigida para exportação. “Para os ambientalistas, o impacto causado pela abertura de novas estradas é o maior problema. Claro que é um problema, é fundamental fortalecer a circulação fluvial e aérea na região. Mas o problema maior é a reprodução da trajetória de dependência, que tem traços históricos e impede o desenvolvimento”. Ela defende uma homogeneização no sentido socioeconômico, para romper com as desigualdades. “Mas que a inclusão social seja feita respeitando as diferenças culturais.”

Novos modelos de desenvolvimento

O segundo desafio apontado por Bertha é o estabelecimento de uma estratégia de desenvolvimento para a Amazônia. “Desde a colonização, a Amazônia não tem um projeto de desenvolvimento adequado à sofisticação de sua natureza e riqueza cultural.” Ela destaca as cadeias produtivas incompletas, nas quais a matéria-prima é exportada sem agregação de valor.

As propostas que estão na mesa, segundo a Acadêmica, são três. A primeira é a da continuidade, que mantém o desenvolvimento “amarrado” e já destruiu 18% do “coração da floresta”, como ela chama a floresta ombrófila densa, e 40% do cerrado. A segunda proposta é oposta: propõe um pagamento para evitar o desmatamento, mas mantém a floresta improdutiva, colocando o foco apenas nas emissões de carbono. “E quem é que vai se beneficiar desse pagamento?” questiona a pesquisadora.

A terceira proposta, que é a que Bertha defende, envolve a exploração sustentável dos potenciais serviços ambientais. “É preciso interferir nas causas do desmatamento, oferecer alternativas aos trabalhadores que vivem da exploração predatória.” Ela avalia que a recuperação das áreas degradadas não é suficiente, “pois é das fronteiras com áreas semi-habitadas que sai a maior parte das incursões ao coração florestal. Para defendê-lo, temos que atribuir valor econômico à floresta em pé, gerando emprego, riqueza, sem destruir a natureza.”

Sua visão de extrativismo florestal envolve cadeias produtivas completas, com a articulação da floresta com as cidades, onde estão os centros de pesquisa e devem ser instalados os centros de produção. Para tanto, uma rede de comunicação eficiente é o primeiro requisito. “Na Amazônia, as cidades têm que ser reequipadas com centros de processamento dos produtos que virão do coração da floresta”, diz Bertha. Ela visualiza uma rede de cidades funcionando como um cinturão de defesa da bioprodução e dos serviços ambientais, que chama de cinturão de blindagem flexível. “Flexível porque permitirá a interação do coração da floresta com a mata aberta, que é a área onde se deve fazer as concessões necessárias.”

Os porta-vozes da Ciência e tecnologia

Finalmente, a professora abordou o novo papel da ciência e dos cientistas na região amazônica. Bertha considera que na passagem do mercantilismo para a industrialização ocorre a geração de mercadorias fictícias, como o mercado de trabalho e o mercado fundiário. “Vida não é para ser vendida, assim como terra também não”.

A solução deve vir, em sua opinião, dos movimentos sociais e da implementação de políticas públicas que estabeleçam limites para a mercantilização das funções dos ecossistemas. Para tanto, ela avalia que o investimento nas redes de informação é tão importante quanto nas redes de transporte. Bertha destacou o potencial de turismo científico da região, que é diferenciado porque requer conhecimento. “Os cientistas têm que esclarecer a população, mostrar alternativas de trabalho, outras formas de sustento que não destruam a natureza. Estou me referindo à criação e implantação de uma economia da floresta, diferente de uma economia de fronteira, que é a que ocorre hoje.”

Para atingir essa meta, é necessário fortalecer a autonomia do Estado em relação ao mercado. “Tem uma questão ideológica, é claro, a Ciência não é neutra. Não é uma questão só ambiental, é socioeconômica também.” Bertha Becker concluiu resumindo seu pensamento. “As perspectivas de desenvolvimento regional da Amazônia passam pela criação de linhas de pesquisa e investimentos no portfólio da integração, voltada para economia da floresta.”