No evento Desafios da Física 1949-2009, realizado em 28/10 como encerramento das comemorações dos 60 anos do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), o ministro e Acadêmico Sergio Machado Rezende falou sobre o início da institucionalização da Ciência no Brasil, do panorama atual e dos principais desafios para o presente e para o futuro.

Rezende citou como marcos históricos da Ciência no Brasil a reestruturação do Observatório Nacional e a criação do Instituto Nacional de Tecnologia (INT), ambos em 1921; a criação do Ministério da Educação e Saúde em 1930 e a fundação da USP em 1934. Para acentuar a “juventude” da ciência brasileiro, o ministro destacou que a USP foi criada 298 anos depois da Universidade de Harvard, embora Brasil e Estados Unidos tenham sido descobertos por volta da mesma época. “Isso significa muita coisa, naturalmente, do nosso atraso nessa área”.

Sergio Rezende contou que em 1935 foi fundada a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e em seguida o físico alemão Bernard Gross foi convidado para trabalhar no Instituto Nacional de Tecnologia, (INT), “uma instituição realmente de muita tecnologia em sua fase inicial e que teve altos e baixos”, segundo o ministro. Gross viria a ter grande influência no desenvolvimento da Física no Rio de Janeiro e deu importantes contribuições à matemática.

Em 1939, foi criada a Faculdade Nacional de Filosofia no Rio de Janeiro. Para a Física brasileira este foi um ano marcante. O Acadêmico Mario Schenberg, falecido em 1999, trabalhou com os físicos Wolfgang Ernst Pauli, austríaco, e com o italiano Enrico Fermi. “Desde então, os pioneiros da Física brasileira trabalharam com pesquisadores na fronteira do conhecimento”.

Em 1944 os Acadêmicos Jayme Tiomno e o falecido Joaquim da Costa Ribeiro explicam o efeito termodielétrico, posteriormente chamado de efeito Costa Ribeiro. Dois anos depois , o falecido Acadêmico Cesar Lattes participou da descoberta do méson-pi, em Bristol, tendo sido sendo Lattes elemento fundamental na descoberta. Por motivos desconhecidos, no entanto, apenas um dos três pesquisadores envolvidos na descoberta ganhou o Nobel. “Quando Lattes voltou ao Brasil ele era famoso, porque a descoberta do méson-pi teve um impacto grande e repercutiu muito na imprensa brasileira”. Em 1946, o também falecido Acadêmico José Leite Lopes obteve o PhD em Princeton com Pauli – foi o primeiro físico brasileiro a obter PhD formalmente. Em 1949, Tiomno também obteve o PhD em Princeton.

Rezende destacou como marcos institucionais importantes nessa década a criação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948 e do CBPF, em 1949. No ano de 1950, algumas das características do Brasil na Ciência e na Tecnologia eram a existência de pouquíssimos cientistas e pesquisadores. “As áreas de Biologia e de Agropecuária eram as que tinham o maior número de cientistas, a Física tinha um número muito pequeno – uma dúzia, se tanto”, observou Rezende. “Faltava ambiente de pesquisa nas universidades, daí a criação do CBPF e algumas outras entidades. Não havia engenheiros ou especialistas em setores básicos da indústria, sendo que o parque industrial era incipiente. Não existia cultura de inovação nas empresas”. A evolução desses últimos 60 anos da ciência brasileira, para Rezende, se divide em quatro etapas.

1ª etapa

Entre 1951 e 1970 foi estabelecido o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, com a criação do Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq) e da Capes. “Durante as primeiras décadas essas duas entidades foram essenciais para conceder bolsas de estudos para os estudantes fazerem o aperfeiçoamento fora, pois não havia ainda programa de pós-graduação no Brasil, e para apoiar os primeiros grupos de pesquisa brasileiros”, destacou o ministro. “E aqueles pioneiros da Física – Lattes, Leite, Tiomno, Schenberg – foram fundamentais para a criação do CNPq, convencendo o governo da importância de uma instituição desse tipo para o desenvolvimento de um país”.

Em 1956, segundo Rezende, a questão da energia atômica tinha um impacto muito grande sobre a ciência. Foi então criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Em 1960 – “quando o transistor havia sido inventado há 12 anos e o laser há dois anos, ambos nos Estados Unidos, país contemporâneo ao nosso”, o Brasil tinha menos de dez físicos do Estado Sólido. Rezende recorda que não havia formação sistemática de pesquisadores e a política industrial que havia sido implantada não tinha conexão com a política de C&T.

Em 1962 surgiu a Fapesp e no ano seguinte a Funtec no Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), que promoveu o financiamento dos primeiros cursos de pós-graduação institucionalizados no país. “O primeiro programa foi o de Engenharia Química da COPPE, e a pós-graduação foi se tornando uma realidade até que o Ministério de Educação teve que regulamentá-la. A regulamentação trouxe problemas: se por um lado distribuiu melhor os recursos, por outro lado começou a criar amarras nos programas, que tinham mais liberdade anteriormente”, contou o ministro.

Em 1967 foi criada a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e em 1968 houve a reforma universitária do sistema federal, com o estabelecimento do tempo integral, o que possibilitou o trabalho de pesquisa dos professores nas universidades.

Já no final da década de 60, o número de físicos de estado sólido já não era uma dúzia: eram uns 80. “Estavam todos aí nessa foto, no 1º Simpósio Nacional de Física do Estado Sólido e Ciência dos Materiais, organizado pelo Sergio Mascarenhas, no Rancho das Marocas. O CBPF era caracterizado por uma instituição de física de partículas, de física nuclear, então a física do estado sólido era muito incipiente.”

2ª etapa

De 1971 a 1990 ocorreu a 2ª fase identificada por Rezende, de expansão do Sistema Nacional de C&T. O ministro Reis Veloso criou um fundo especial para ciência e tecnologia, o Fundo Nacional para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT/Finep), implantado em 1971.

“O CNPq e CAPES então apoiavam a formação de recursos humanos para C&T e projetos de pesquisa, individuais e de grupos. A FINEP financiava instituições – o custeio e a infraestrutura para pesquisa/pós-graduação. E o sistema então foi ganhando dimensões”, recorda Rezende.

Na década de 70 foram lançados dois Planos Básicos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PNDCT). “Eram mais um conjunto de intenções do que planos propriamente ditos, com metas, objetivos e recursos. Também tinham pouca conexão com a indústria. Mas foram importantes”, disse Rezende.

A criação do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) se deu em1985. “O MCT assumiu a gestão da política nacional de C&T, e incorporou a FINEP, o CNPq e institutos de pesquisa, tanto os que eram ligados ao CNPq como outros que estavam sem uma institucionalidade maior.

A década de 90 foi de crise no Sistema Federal de C&T. Sergio Rezende relatou que “houve inconstância e queda no fluxo de recursos federais para C&T, com consequente descontinuidade nos programas do CNPq e da Finep”. Em 1997, a Finep interrompeu os programas institucionais, renunciou os convênios, “mandou uma cartinha para cada coordenador dizendo que não podia pagar todas as parcelas”, lembra Rezende. O CNPq, a partir do mesmo ano, teve uma queda no número de bolsas, que até então ainda vinha crescendo de forma contínua.

Essa política, então, esgotou-se, expressão segundo Rezende utilizada pelo próprio Ministério. “Esgotaram-se os recursos, e sem recurso não tem como ter política. No caso da política industrial, houve uma ausência de políticas. A visão prevalente neoliberal é de que quem devia fazer política industrial eram os industriais e o mercado”, acrescentou o ministro.

3ª etapa

De 1999 a 2006, ocorreu uma fase de transição no Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia. “O CNPq começou a criar novos formatos de financiamento: criou o Pronex, implantou os editais mensais de pesquisa, o programa Instituto Milênio”. Foram criados os Fundos Setoriais de C&T e se iniciou a recuperação do FNDCT. Em 2001 foi realizada a 2ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia (2ª CNCTI), para cuja preparação foi elaborado o Livro Verde, que fazia um diagnóstico sobre as ciências e seus desafios. “Depois da Conferência foi criado o Livro Branco, com um grande número de recomendações que foram muito úteis nos anos seguintes para a elaboração da política nacional de C&T.”

De 2003 a 2006 o MCT foi implantando gradualmente uma Política Nacional de Ciência e Tecnologia. Houve ampliação dos recursos da Finep, melhoria da gestão do FNDCT e a ampliação do número de bolsas e programas do CNPq.

Finalmente, de acordo com o ministro, estava em curso um processo de mudança cultural, com maior valorização do setor de C,T&I, e reconhecimento de seu potencial para contribuir decisivamente para o desenvolvimento econômico e social do país.

4ª etapa

Entre 2007 e 2010 foi instalado o Plano de Ação em C,T&I para consolidação do SNCT, elaborado com as experiências dos anos anteriores. “Esse plano de ciência e tecnologia é parte de um conjunto de planos que o governo do presidente Lula lançou no segundo mandato. O nosso é o PAC da ciência, é um plano do Governo Federal. O MCT foi o articulador, detém a secretaria executiva, que coordena, articula, cobra relatórios. Mas tem a participação de vários ministérios e muitas entidades federais, além de estar articulado com os estados, os governos estaduais, com o setor empresarial e assim por diante”.

As entidades do MCT que participam do plano são as duas agências de fomento, Finep e CNPq; o CGEE, órgão de prospecção, estudos, acompanhamento; a Comissão de Energia Nuclear e a Agência Espacial Brasileira. Os atores desta política são, principalmente, as universidades, formando recursos humanos e gerando conhecimento científico. “As empresas cada vez mais, mas ainda em número pequeno, fazendo pesquisa de desenvolvimento e inovação e gerando produtos e patentes, e aí, entre elas, institutos tecnológicos, centros de pesquisa, que tem um papel importante”, conclui o ministro, entrando em seguida em detalhes sobre os resultados da aplicação do plano.

Desafios para o presente e o futuro

Os desafios ainda para esse governo e para os próximos, na visão do ministro Sérgio Rezende, envolvem diversos aspectos. “Precisamos de mais instituições de pesquisa, melhorar o marco legal, agilizar processos. Desburocratizar a ciência é uma coisa complicada: desburocratiza aqui, aí aparece alguém burocratizando lá, é um problema mais geral da administração no Brasil”.

Expandir com qualidade e melhorar a distribuição geográfica da ciência também são questões fundamentais pra o ministro. “Algumas instituições precisam ter realmente um padrão mais exigente de seleção de professores e de pesquisadores”. Para que a ciência, tecnologia e inovação (C,T&I) se tornem componentes efetivos do desenvolvimento sustentável, é preciso inserir pesquisa e desenvolvimento nas empresas e incorporar os avanços nas políticas públicas. “É fundamental também intensificar a divulgação de ações e iniciativas de C,T&I para o grande público, para disseminar, para ganhar apoio e para atrair jovens para as carreiras científicas. Para isso, é prioritária a melhoria do ensino de ciência nas escolas.”

O ministro arrematou destacando que na última semana de maio de 2010 será realizada a 4ª Conferência Nacional de C, T & I, coordenada pelo Acadêmico Carlos Alberto Aragão de Carvalho, que vai se debruçar sobre as mudanças recentes no setor. “Mas esperamos que as discussões que vão ocorrer possam lançar as bases para um plano nacional a ser desenvolvido pelo governo seguinte, qualquer que seja ele. Este é o principal resultado esperado”, encerrou o ministro.

A versão completa do plano 2007-2010 é um documento de 400 páginas, que pode ser baixado da página do MCT por partes. Há também um documento síntese com uma versão em inglês.