O Acadêmico Sérgio D.J. Pena, Professor Titular do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais, fará palestra gratuita e aberta sobre o tema dentro da programação científica do Ano da França no Brasil, no dia 18 de setembro, 6ª feira, no auditório do BNDES, que fica na Av. Chile, 100, no Centro do Rio.

O Acadêmico observa que, ao longo dos anos, a crença na existência de raças humanas impregnou-se na trama da nossa sociedade. “Raças têm sido usadas não só para sistematizar as populações humanas, mas também para criar um esquema classificatório que tenta justificar a dominação de alguns grupos por outros”, diz Pena. Assim, a persistência da idéia de raça está ligada à visão atávica de que os grupos humanos existem em uma escala de valor.

Os avanços da genética molecular e o seqüenciamento do genoma humano permitiram um exame detalhado da correlação entre a variação genômica humana, a ancestralidade biogeográfica e a aparência física das pessoas, mostrando que os rótulos previamente usados para distinguir “raças” não têm significado biológico. “Pode parecer fácil distinguir fenotipicamente um europeu de um africano ou de um asiático, mas tal facilidade desaparece completamente quando penetramos por baixo da pele e procuramos evidências destas diferenças raciais nos genomas das pessoas”, afirma o Acadêmico.

Estudos Genéticos em brasileiros brancos e pretos

Nos últimos dez anos o grupo de pesquisa do Prof. Sérgio Pena na UFMG realizou estudos sistemáticos da ancestralidade de brancos, pardos e pretos no Brasil, usando marcadores de DNA. Isto gerou inúmeros artigos científicos que demonstraram que a esmagadora maioria das linhagens paternas dos autodeclarados brancos é de origem européia, mas que, surpreendentemente, as linhagens maternas no Brasil como um todo, têm uma distribuição bem equilibrada entre as três origens geográficas: 33% ameríndias, 28% africanas e 39% européias, com variações entre as diferentes regiões brasileiras.

Estes dados indicam que ocorreu um fluxo gênico sexualmente assimétrico na formação dos brancos brasileiros, com a contribuição européia sendo principalmente paterna e a contribuição ameríndia e africana sendo predominantemente materna. Esta assimetria foi confirmada em estudos de indivíduos pretos de São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, que demonstraram que a grande maioria (85-90%) das linhagens maternas era africana, mas que uma proporção significativa das linhagens paternas (50-60%) era européia. Resumindo, 2/3 dos brancos brasileiros são afrodescendentes ou ameríndio-descendentes pelo lado materno, enquanto mais da metade dos pretos brasileiros são eurodescendentes pelo lado paterno.

Foram utilizados, também, marcadores genéticos para pesquisar as correlações moleculares entre cor e ancestralidade. Os estudos revelaram que no Brasil, a cor avaliada fenotipicamente tem uma correlação fraca com o grau de ancestralidade africana estimada geneticamente. Em outras palavras, no Brasil, a nível individual, a cor, como socialmente percebida, tem pouca relevância biológica.

Os estudos genéticos são relevantes para o debate das ações afirmativas?

Embora a ciência não seja o campo de origem dos mandamentos morais, segundo Pena, ela mantém um papel importante na instrução da esfera social. “Ao mostrar o que não é, ela liberta, ou seja, tem o poder de afastar erros e preconceitos. Daí a visão da genética não como prescritiva ou normativa, mas com um relevante papel descritivo e informativo”, destaca o especialista.

Sobre este ponto, Pena argumenta a favor da idéia de que o fato científico da inexistência das raças deva ser absorvido pela sociedade e incorporado às suas convicções e atitudes morais, podendo reforçar a oposição às crenças em qualquer forma de hierarquia entre povos ou grupos humanos.

Adicionalmente, uma postura coerente e desejável no Brasil seria a valorização da singularidade e da dignidade de cada indivíduo. “Todo brasileiro tem o direito inalienável de ser conceitualizado como um ser humano único em seu genoma e em sua história de vida e não meramente como pertencente a um sexo, religião ou grupo de cor”, finaliza o Acadêmico.