Um estudo realizado por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Florença (Itália) demonstrou que o fenômeno da turbulência ocorre também no condensado de Bose-Einstein – uma fase da matéria formada por átomos em temperaturas próximas do zero absoluto e que permite a observação de efeitos quânticos em escala macroscópica.
Uma nova janela
De acordo com os autores, a descoberta abre uma nova janela para a investigação dos fenômenos de turbulência – um dos principais desafios da física contemporânea – e para o estudo de superfluidos.
O estudo foi publicado no periódico Physical Review Letters, um dos principais na área. Em editorial, a revista destacou a relevância do trabalho, afirmando que os autores “apresentaram uma elegante e eficiente técnica” para produzir turbulências em um sistema de átomos em temperaturas ultrafrias.
Segundo o autor principal do estudo, o Acadêmico Vanderlei Salvador Bagnato, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da USP, até agora os fenômenos de turbulência eram estudados em modelos de hélio líquido a baixíssimas temperaturas. No entanto, nesses modelos, a formação de vórtices não pode ser observada a olho nu.
“A vantagem é que no condensado de Bose-Einstein podemos observar esses fenômenos diretamente. Sabendo que a turbulência quântica está associada a qualquer superfluido quântico – e não apenas ao hélio líquido – temos novos caminhos de investigação à disposição”, disse à Agência FAPESP.
O grupo, liderado por Bagnato, está ligado ao Centro de Óptica e Fotônica (Cepof) de São Carlos – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP, coordenado pelo pesquisador.
Vórtices
Turbulências são fenômenos que ocorrem em fluidos (líquidos e gases), geralmente submetidos a movimentos completamente desordenados, conhecidos como vórtices. “Quando um fluido apresenta muitos vórtices em movimento completamente desordenado, caracteriza-se a turbulência. Trata-se de um fenômeno muito difícil de ser estudado e, atualmente, é uma das principais fronteiras do conhecimento na física”, explicou Bagnato.
A Sociedade Norte-Americana de Física (APS, na sigla em inglês) encara o entendimento desses fenômenos como um dos grandes desafios da física moderna. Segundo Bagnato, a turbulência vem sendo estudada há vários anos, especialmente com o uso de um fluido especial: o hélio líquido.
“É um dos chamados superfluidos, nos quais a mecânica quântica predomina. Nesse sistema, os vórtices estão muito bem comportados, ao contrário do que ocorre com um líquido comum. Esses superfluidos, que escoam sem esforço, são fundamentais para o estudo dos fenômenos de turbulência”, explicou o também coordenador do Instituto Nacional de Óptica e Fotônica.
Até agora, no entanto, o hélio líquido era o único sistema quântico à disposição para análise dos fenômenos de turbulência. “Aprendeu-se muito, mas ainda há um longo caminho pela frente, porque não é possível observar a olho nu a turbulência no hélio líquido, como observamos a turbulência em uma xícara de café, por exemplo”, disse.
De Einstein ao Nobel
Em 1995, surgiu um novo superfluido: o condensado de Bose-Einstein. A existência desse estado da matéria foi prevista por Albert Einstein em 1925, a partir do trabalho de Satyendra Nath Bose, como consequência teórica da mecânica quântica. Mas apenas 70 anos depois, na Universidade do Colorado (Estados Unidos), Eric Cornell e Carl Wieman produziram pela primeira vez o condensado – recebendo, por conta disso, o Prêmio Nobel da Física, em 2001.
“Esse condensado se transforma em um superfluido quando é submetido a uma temperatura próxima do zero absoluto. A questão era saber se nesse sistema também há possibilidade de existência do fenômeno da turbulência”, explicou Bagnato.
“A questão da turbulência nos superfluidos líquidos é uma área de pesquisa muito ativa. Sabíamos que seria importante identificar outros superfluidos que permitissem fazer esse estudo, porque essa nova opção criaria situações alternativas de investigação”, disse.
De acordo com o cientista, no caso do hélio líquido é preciso diminuir a temperatura do fluido ainda mais do que na produção do condensado de Bose-Einstein: a 80 nanokelvin – ou seja, 80 bilionésimos acima do zero absoluto.
“É muito mais fácil produzir o Bose-Einstein, que é menos denso e apresenta vórtices maiores, sendo também um fluido quântico. Agora verificamos que a turbulência ocorre também no condensado, onde podemos observar esses fenômenos a olho nu. Poderemos estudar coisas que seriam de realização impossível com o hélio líquido”, afirmou.
Os experimentos são feitos em armadilhas de átomos com resfriamento a laser, dentro da chamada condensação de Bose-Einstein. O condensado não existe naturalmente no Universo e, por isso, é preciso produzi-lo em laboratório.
“Atualmente estamos programando um experimento com o objetivo de observar, em grau mais detalhado, fatos relevantes, como, por exemplo, quanto tempo a turbulência demora para desaparecer do fluido quântico e quais são suas consequências”, disse Bagnato.
O artigo Emergence of turbulence in an oscillating Bose-Einstein condensate, de Vanderlei Salvador Bagnato e outros, pode ser lido por assinantes da Physical Review Letters em http://prl.aps.org/.