Vice-presidente da União Astronômica Internacional (IAU, na sigla em inglês), a astrofísica brasileira Beatriz Barbuy, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da Universidade de São Paulo, deixa o cargo no próximo dia 12, durante a 27ª Assembleia Geral da IAU, realizada no Rio de Janeiro até o dia 14 de agosto, com cientistas de mais de 80 países. Segundo ela, o fato de esta edição do evento ser realizada no Brasil justamente em 2009, ano estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o Ano Internacional da Astronomia, é uma feliz coincidência. “Acabou coincidindo que o evento fosse realizado pela primeira vez aqui com esse marco”, disse à Agência FAPESP.
Coincidências à parte, a escolha pela ONU não foi à toa, pois este ano marca os 400 anos de um dos eventos mais revolucionários da história da ciência: o primeiro uso astronômico de um telescópio por Galileu Galilei. De quebra, em 2009 também se comemoram os 40 anos da chegada do homem à Lua. Na entrevista a seguir, a também vice-coordenadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Astrofísica fala sobre importantes avanços da astronomia nos últimos anos e também das conquistas e percalços enfrentados pelos pesquisadores brasileiros nesse campo do conhecimento. A professora do IAG coordena a produção de uma publicação com apresentações dos pesquisadores brasileiros na assembleia da IAU.
Agência FAPESP – Qual é o lugar do Brasil no atual cenário astronômico mundial?
Beatriz Barbuy – Como disse, estamos atrasados em termos de tecnologia. Faz apenas 40 anos que a pós-graduação na área começou no país. Hoje temos 300 doutores, que precisam dividir o terço do tempo que temos para usar o telescópio Soar e os 2,5% do tempo do Gemini [ambos localizados no Chile]. Por outro lado, estamos desenvolvendo a capacidade de construção de instrumentos como o espectrógrafo e o imageador. Temos dois espectrógrafos que serão instalados no Soar ainda este ano e um imageador infravermelho já está no Chile. E os esforços do governo federal – por meio do Ministério de Ciência e Tecnologia – e das fundações de amparo à pesquisa – como a FAPESP – são muito importantes. As grandes descobertas dos cientistas dos países desenvolvidos só são possíveis graças à facilidade que eles têm ao acesso aos dados. Foi possível a um grupo, por exemplo, determinar a idade do Universo porque seus integrantes tiveram muito tempo para usar o telescópio Hubble. Mas, como a ciência se faz por meio de contribuições, vale lembrar que os brasileiros têm dezenas de artigos citados nos trabalhos internacionais recentes, e isso é muito importante.
Agência FAPESP – Qual é a importância de o Brasil sediar a Assembléia Geral da União Astronômica Internacional justamente no Ano Internacional da Astronomia?
Beatriz Barbuy – A decisão de fazer de 2009 o Ano Internacional da Astronomia e a realização da Assembleia Geral da União Astronômica Internacional no Brasil no mesmo ano foi uma feliz coincidência. A criação do Ano Internacional da Astronomia foi decidida em uma reunião em 2002, em São Petersburgo, aprovada pela Unesco [ Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura] em 2005 e finalmente determinada pela ONU em 2007, sendo que já havíamos decidido fazer o evento no Rio de Janeiro em 2009 desde quando assumi a vice-presidência da IAU, há seis anos. Ou seja, acabou coincidindo que o evento fosse realizado aqui com este marco. Em resumo, trata-se de uma grande oportunidade para a astronomia brasileira e a sul-americana, porque traz especialistas de 80 países para discutir avanços científicos e tecnológicos na área. Por aqui, estamos atrasados em tecnologia. E é bom não esquecer que a ciência é construída pelos tijolinhos que cada um de nós colocamos, cada um contribuindo com a descoberta do outro.
Agência FAPESP – Poderia mencionar alguns desse tijolos, ou seja, avanços na astronomia mundial nos últimos anos?
Beatriz Barbuy – Podemos falar dos três maiores avanços nos últimos dez anos. O primeiro foi a constatação da expansão acelerada do Universo, que implica a existência de uma energia escura. Neste período também foram detectadas as primeiras estrelas (de alta massa), formadas após o Big Bang. Acreditamos que a maioria colapsou para formar buracos negros. O terceiro grande avanço foi a descoberta dos exoplanetas, que estão além do nosso Sol. O primeiro deles foi descoberto em 1995, com o tamanho aproximado de Júpiter. Hoje, conhecemos mais de 350 exoplanetas. O primeiro do tipo terrestre, ou seja, parecido com a Terra, foi descoberto em abril deste ano. Isso tudo é importante porque sabemos que teremos que mudar de planeta um dia.
Agência FAPESP – A tecnologia também avançou e tornou isso tudo possível, não é?
Beatriz Barbuy – Sim, claro. A tecnologia evoluiu muito, especialmente na construção dos grandes telescópios, aqueles com espelhos de mais de 8 metros de diâmetro. O Extremely Large Telescope, por exemplo, terá 42 metros e mais de mil espelhos de 1,8 metro cada um. O Giant Magellan Telescope terá 25 metros, cinco a menos do que o Thirty Meter Telescope. Todos eles estarão prontos até o fim da próxima década. Há também os telescópios espaciais. Há um enorme número de satélites. A astronomia é uma ciência que não tem limites. Outra coisa que evoluiu bastante foi a qualidade da óptica na Terra, fundamental para definir a imagem de uma estrela, por exemplo. A turbulência não é um problema somente para a aviação. As estrelas cintilam no céu por causa da turbulência. O céu perfeito para a astronomia é um céu de ar menos turbulento, com estrelas cintilando menos. Ou seja, o que para as pessoas é um céu bonito, com estrelas cintilando, para a astronomia é um problema.