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Ciências Biomédicas | MEMBRO TITULAR

Julio Scharfstein

(SCHARFSTEIN, J.)

17/07/1949
Brasileira
04/05/2010

Tendo como ponto de partida a caracterização da cisteína protease (cruzipaína) do Trypanosoma cruzi como uma “cininogenase”, os trabalhos que a equipe do Professor Scharfstein realizou ao longo desta última década abriram novas perspectivas para a compreensão do papel do sistema Cinina na fisiopatologia da doença de Chagas. Ao estudar o papel da cruzipaína na dinâmica do processo inflamatório desencadeado pelos parasitas, o Professor Julio Scharfstein demonstrou que a liberação proteolítica de bradidicina no sítio de infecção promove o enlace funcional entre a inflamação e a resposta imune. Ampliando o escopo destas investigações para o contexto da doença periodontal, a equipe do |Dr. Scharfstein recentemente demonstrou que semelhantes princípios mecanísticos regem a dinâmica da inflamação gengival causada pela bactéria gram-negativa Porphyromonas gingivalis. Tal como observado na infecção chagásica, esta bactéria é munida de uma cisteíno protease liberadora de cininas, a gingipaína. Ao serem liberadas na mucosa gengival, as cininas aumentam o edema intersticial provocado pelo patógeno periodontal, e estimulam o sistema imune adaptativo, direcionando a diferenciação de linfócitos T efetores para o perfil TH1/TH17 através de mecanismos dependentes da ativação de receptores de bradidicina. Baseando-se em diversas evidências experimentais, a equipe do Professor Scharfstein demonstrou que os efeitos imunoestimulatórios da bradicinina devem-se, ao menos em parte, à sinalização de células dendríticas convencionais através de receptores de cininas (B2), acoplados às proteínas G reguladoras. Tal como sucede na sinalização por outros sinais de perigo, as células dendríticas ativadas pela bradidicina são atraídas para as áreas enriquecidas de linfócitos T de órgãos linfoides secundários. Uma vez ali posicionadas, as células dendríticas desempenham seu papel primordial: apresentam peptídeos antigênicos para os linfócitos T, e secretam citocinas polarizantes que controlam o perfil fenotípico dos linfócitos T efetores. Este conjunto de trabalhos indica que o sistema Cinina promove a integração entre a resposta inflamatória edematogênica com os complexos circuitos
de citocinas reguladoras que coordenam a resposta imune adaptativa. Estas descobertas foram precedidas por duas décadas de investigação sistemática sobre as propriedades estruturais e funcionais da cruzipaína, cujos marcos serão apresentados a seguir: 1980-90: a equipe descreveu as propriedades antigênicas de uma glicoproteína (GP25) do T. cruzi, posteriormente identificada como uma extensão C-terminal da cruzipaína. Este foi o primeiro relato de um antígeno bioquimicamente definido a ser empregado na sorodiagnose de pacientes chagásicos. 1990-2000: em trabalho pioneiro, a equipe identificou a cruzipaína como um alvo terapêutico. Neste mesmo período, a equipe do Professor Scharfstein clonou e expressou a isoforma cruzipaína 2, investindo esforços na caracterização da especificidade de substrato destas duas proteases recombinantes. Em 1997, trabalhos realizados em colaboração com L. Juliano (UNIFESP) revelaram que a cruzipaína possui especificidade de substrato semelhante à calicreína tissular. 2000-10. Depois de verificar que a liberação de cininas pela cruzipaína é facilitada por interações entre proteoglicanos sulfatados com cininogênios, a equipe do Professor Scharfstein demonstrou que as formas infectivas de T. cruzi (tripomastigotas) valem-se da cruzipaína para invadir células endoteliais e cardiomiócitos através da sinalização de receptores de bradicinina. Depois de comprovar que os tripomastigotas ativam o sistema Cinina in vivo, a equipe do Professor Scharfstein analisou a dinâmica do processo inflamatório, avaliando em seguida o impacto da ativação de receptores de cininas sobre a resposta imunitária. Estes estudos revelaram que a formação de edema intersticial depende da cooperação entre receptores Toll-like (TLRs) e receptores de bradicinina. Enquanto estes trabalhos prosseguiam, a equipe do Professor Scharfstein obteve progressos na investigação dos mecanismos de regulação da cruzipaína em T. cruzi. A descoberta da chagasina, subsequentemente caracterizada como protótipo de uma nova família de inibidores de cisteína proteases, foi um fruto destes esforços. Denominada chagasina em homenagem ao Professor Carlos Chagas Filho, a importância desta descoberta foi destacada na capa da revista J. cell science (2001). Tal como inicialmente previsto, verificou-se que a chagasina possui uma estrutura tridimensional peculiar entre inibidores naturais de cisteína proteases. A trajetória científica do Professor Julio Scharfstein revela sua capacidade ímpar de inovar, pesquisando temas complexos da pesquisa em imunologia celular, inflamação e bioquímica de proteases, Seus trabalhos sobre o papel imunológico da bradidicina na doença de Chagas e periodontite constituem um paradigma para a pesquisa deste tema em outras doenças infecto-inflamatórias.