Os participantes da 11ª edição das Mentorias da ABC

 

No dia 27 de agosto aconteceu a 11ª edição das Mentorias da ABC e o tema da vez foi “Escrita Científica de Alto Impacto”. O encontro foi mediado pela afiliada Andreza Fabro de Bem, e contou com apresentações de Simone Sarmento, coordenadora adjunta do Programa de Pós Graduação em Letras da UFRGS; Valtencir Zucolotto, físico e coordenador do curso ZucoEscrita para escrita científica, além de ter sido membro afiliado da ABC no período 2009-14; e Gilson Volpato, biólogo e cofundador do Instituto Gilson Volpato de Educação Científica (IGVEC).

Línguas de publicação

A primeira palestra ficou a cargo de Simone Sarmento e trouxe um panorama da utilização do inglês e português nas publicações científicas brasileiras. A pesquisadora apresentou um levantamento de publicações anexadas ao currículo Lattes de cientistas brasileiros, mostrando uma clara prevalência do inglês nas ciências exatas e naturais e um aumento no uso do português a medida que nos deslocamos para as humanidades.

A explicação mais óbvia para esse fenômeno está no objeto de estudo. Resultados obtidos em hard sciences devem ser reprodutíveis e aplicáveis em qualquer lugar do mundo, e as pesquisas naturalmente dialogam mais com outras nacionalidades. As chamadas soft sciences geralmente lidam com temas mais locais e específicos e, portanto, são mais acessíveis a interlocutores regionais se publicadas em português.

A professora ressaltou também que nas humanidades existe uma maior ênfase no discurso, e as habilidades de escrita tendem a se sobressair. Já nas ciências exatas e naturais o papel do escriba tende a ser de apenas expor seus resultados da forma mais clara e direta possível.

A escrita como parte integrante do trabalho científico

As palestras de Valtencir Zucolotto e Gilson Volpato destacaram que a escrita científica é tão importante quanto qualquer outra etapa da pesquisa. Nas palavras de Volpato, “qualquer estudo só passa a constituir conhecimento científico quando é publicado e lido”.

Zucolotto ressaltou que uma publicação só será de alto impacto se a ciência por trás também for, mas que mesmo bons trabalhos podem encontrar barreiras na hora de publicar se não estiverem bem redigidos. Para melhor desenvolver um artigo, é importante pensá-lo como um caminho que vai do geral para o específico, e depois retorna ao geral.

Ele exemplificou esse percurso. “Um bom artigo tem uma introdução que contextualiza o problema geral, identifica uma lacuna de conhecimento específica e expõe os objetivos daquele trabalho, visando preenchê-la. Após metodologias e resultados, a conclusão deve estar relacionada ao que foi observado, tentando contextualizar as novas descobertas dentro do panorama geral. Essa mesma linha de pensamento se aplica ao abstract, onde também conta muito a habilidade de síntese”, disse Zucolotto.

Os professores explicaram um pouco mais sobre a parte editorial das revistas científicas, destacando que o cientista deve entender o processo e o público do periódico escolhido para adequar seu texto .

Terminadas as palestras, foi aberto o espaço para debate com participação do público. Os temas variaram desde a divulgação de ciência para sociedade até aspectos mais técnicos do desenvolvimento de pesquisadores e orientação.

Diálogo com a sociedade

A pandemia da Covid-19 trouxe a ciência para o front. Se por um lado esse destaque fez com que a população discutisse o trabalho científico como nunca antes, por outro lado também trouxe sérios problemas, sobretudo relacionados a notícias falsas promovendo a desinformação, muitas vezes deliberada, por parte de agentes influentes. “O que aconteceu foi que, quando as evidências não bateram com o discurso, mudaram-se as evidências. Isso é um crime dentro da ciência”, sumarizou Volpato.

Os três palestrantes ressaltaram a necessidade de deixar os fatos em primeiro plano, sustentando as análises. A importância de dividir funções, sobretudo na hora de divulgar ciência, foi destacada. Contudo, a primeira etapa da difusão, que parte do cientista para seus pares e divulgadores, sempre estará a cargo do próprio pesquisador, e por isso é importante que os cientistas estejam sempre dispostos a explicar seus estudos e não se fecharem dentro dos seus laboratórios.

O papel do jornalista especializado em ciência também foi lembrado, “sem jornalismo científico não tem divulgação em massa”, salientou Zucolotto.

Pressões institucionais por quantidade e não qualidade

Foi levantada a questão do sistema de bonificações por quantidade de publicações e citações, que pode estimular a produção de artigos inócuos e sem objetivos claros. Volpato e Zucolotto explicaram que esse sistema deve ser melhorado, mas que ele não é um impeditivo para a produção científica de qualidade e que o cientista deve buscar sempre uma pesquisa relevante e de alto impacto.

Zucolotto terminou sua fala com uma mensagem importante para os jovens pesquisadores: “Deixem-se guiar pelos seus princípios, façam a melhor ciência que puderem, publiquem nas melhores revistas que puderem, independente de números. No médio e longo prazo, prevalecem as boas práticas”.

Orientação de jovens cientistas

Outro ponto discutido foi a orientação de alunos na hora de escrever artigos. Simone destacou que o orientador deve ter responsabilidade por desenvolver a escrita dos orientandos e que trocas e revisões de texto entre os próprios alunos é um bom incentivo para desenvolver o texto de todos. “Ciência é uma atividade de grupo”, resumiu.

Foi frisado que o orientador nunca deve descartar o texto de um aluno e que correções são mais eficazes quando feitas em conjunto, respeitando as escolhas do orientando quando estas não constituírem um erro crasso. Volpato sugeriu também desenvolver apresentações curtas sobre o tema, como forma de assentar ideias e identificar partes do processo que não fluem da forma ideal.

Imagens

Figuras são parte fundamental de uma publicação científica, e seu papel ganhou destaque ao longo dos anos, acompanhando a crescente facilidade em desenvolvê-las. O papel desses elementos visuais é dar ênfase às mensagens cruciais do texto, evidenciando da forma mais direta possível os resultados principais.

A gerente de comunicação da ABC Elisa Oswaldo-Cruz participou do debate, ressaltando a necessidade de profissionais de design durante essa etapa. “A ciência precisa se aproximar dos profissionais especializados. Um cientista sabe fazer gráficos, expor seus dados, mas na hora de divulgar isso de uma forma eficiente, com infográficos e outros tipos de imagens comunicativas, quem sabe fazer realmente é o designer, que se especializou na área. Contratem estagiários de design e de jornalismo para os seus departamentos, muitas vezes um de cada pode atender a vários laboratórios. Aproveitem os cursos que as suas universidades oferecem e promovam a interdisciplinaridade, de fato”.

Futuro das publicações

Finalizando o evento, foram discutidas as tendências futuras para publicações científicas. Volpato acredita que o formato do artigo científico tende a ficar mais flexível, assim como os requerimentos para publicação em periódicos de destaque. O pesquisador afirmou também que nas próximas décadas as barreiras linguísticas tendem a ser superadas, com o avanço das ferramentas de tradução de texto.

Simone acrescentou que ferramentas de auxílio a escrita, sobretudo em inglês, estão cada vez mais aprimoradas e podem contribuir muito com a escrita científica. Da mesma forma, Zucolotto lembrou que também existem plataformas  para auxiliar no processo editorial das revistas que podem aprimorar o tempo e a qualidade das revisões no futuro.